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4.8. Medidas de repressão à pirataria

30/06/23

De plano, cumpre elucidar que a pirataria pode ser combatida no Brasil por meio de ações judiciais cíveis e criminais, bem como mediante procedimentos administrativos, tais como inquéritos policiais. 

As medidas judiciais criminais cabíveis quanto às violações de registros de marcas, desenhos industriais, patentes e/ou quanto à concorrência desleal são iniciadas por meio de Ação Penal Privada, ou seja, depende de iniciativa dos proprietários dos registros violados. Em paralelo, por opção do legislador, violações de direitos autorais são processadas judicialmente mediante Ação Penal Pública, de modo que dependerá de iniciativa do Ministério Público.

Especificamente no que concerne à responsabilidade criminal no Brasil, é importante destacar que a mesma é regida pelo denominado “princípio da legalidade”. Assim, de acordo com o artigo 1º do Código Penal, “não há crime sem lei anterior que o defina (…)”, o que significa que ninguém será punido se não houver previamente uma lei definindo certa situação específica como crime.

O referido princípio está intimamente ligado à doutrina que estipula que o comportamento criminoso deve ser descrito exaustivamente. Em vista disso, de acordo com a Legislação Penal Brasileira, um ato somente será considerado crime se definido de forma específica e detalhada por lei.

Quando as aludidas regras são aplicadas a questões de Propriedade Intelectual, o resultado é que somente atos específicos descritos como crimes pelo Código Penal (no caso de direitos autorais) e pela Legislação Brasileira de Marcas e Patentes (no caso de marcas registradas, patentes e concorrência desleal) devem ser punidos.

A legislação brasileira relativa aos direitos de propriedade intelectual é a seguinte: Lei da Propriedade Industrial n. 9.279/1996 (abrange patentes, desenhos industriais, marcas e concorrência desleal); Lei de Direitos Autorais n. 9.610/1998; Lei do Software n. 9.609/1998; Código Penal (dispõe sobre alguns aspectos de direitos autorais); Código de Processo Penal; e Código de Processo Civil (os dois últimos aplicáveis a todos os direitos de Propriedade Intelectual).

Além da referida legislação, o Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), no âmbito da Receita Federal do Brasil, regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Tal regulamento prevê a retenção, de ofício ou a requerimento de titulares da propriedade intelectual, pela autoridade aduaneira, no curso da conferência aduaneira, os produtos assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas, ou que apresentem falsa indicação de procedência. 

Além disso, o mesmo Regulamento Aduaneiro estabelece que a autoridade alfandegária deve aplicar a pena de perdimento à mercadoria que apresente característica essencial falsificada ou adulterada.

As disposições do Decreto 6.759/2009 e da Lei de Propriedade Industrial (9.279/1996) devem ser observadas em face do mandamento expresso na Seção 4, nos artigos 51 e 52 do Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30/1994 e promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994, que franqueiam ao particular o requerimento da suspensão da importação de mercadorias que violem os direitos de propriedade intelectual dos quais é titular.

Nesse sentido, a Instrução Normativa RFB nº 1.986/2020 estabelece procedimentos especiais de controle, na importação ou na exportação de bens e mercadorias, diante de suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento. 

Assim, o ordenamento pátrio estabelece mecanismos de proteção aos titulares de propriedade intelectual, dispondo de meios para combater irregularidades e pirataria nas operações de comércio exterior. 

Assim, cada espécie de propriedade intelectual é individualmente regulada pelas leis acima destacadas da seguinte maneira:

  • Patentes

Conforme artigos 183 a 186 da Lei da Propriedade Industrial, comete crime de violação de patente quem: fabrica produto objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular; usa meio ou processo que seja objeto de patente de invenção, sem autorização do titular; exporta, vende, expõe ou oferece à venda, tem em estoque, oculta ou recebe, para utilização com fins econômicos, produto fabricado com violação de patente de invenção ou de modelo de utilidade, ou obtido por meio ou processo patenteado; importa produto objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade ou obtido por meio ou processo patenteado no País, para os fins previstos anteriormente, e que não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento; fornece componente de um produto patenteado, ou material ou equipamento para realizar um processo patenteado, desde que a aplicação final do componente, material ou equipamento induza, necessariamente, à exploração do objeto da patente. Sendo certo, ainda, que tais crimes ficam caracterizados mesmo que a violação não atinja todas as reivindicações da patente ou se restrinja à utilização de meios equivalentes ao objeto da patente.

  • Desenhos Industriais

À luz dos artigos 187 e 188 da Lei da Propriedade Industrial, comete crime de violação de desenho industrial quem: fabrica, sem autorização do titular, produto que incorpore desenho industrial registrado, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão; exporta, vende, expõe ou oferece à venda, tem em estoque, oculta ou recebe, para utilização com fins econômicos, objeto que incorpore ilicitamente desenho industrial registrado, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão; importa produto que incorpore desenho industrial registrado no País, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão, para os fins previstos anteriormente, e que não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular ou com seu consentimento.

  • Marcas

De acordo com os artigos 189 e 190, ambos da Lei da Propriedade Industrial, comete crime de violação de marcas quem: reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado; importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte; ou produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem.

  • Concorrência Desleal

Por sua vez, a concorrência desleal é classificada como crime pelo artigo 195 da Lei da Propriedade Industrial, cujos respectivos atos delituosos são cometidos por quem: publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento; atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve; vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;         dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o dispositivo anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

  • Direitos Autorais

Diferentemente do que ocorre com os demais direitos de propriedade intelectual, no que concerne aos direitos autorais a Lei nº 9.610/98 expressamente declara que a respectiva proteção ocorre independente de qualquer registro anterior, possuindo o correspondente titular direito à proteção contra danos morais e materiais relacionados à obra criada.

No mais, conforme artigo 184 do Código Penal, configura-se como crime quem viola direitos de autor e os que lhe são conexos, ainda mais se: a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente; quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente; a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente. 

Sendo certo, ainda, que o ato não será classificado como crime quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos conforme exceções expressas na Lei nº 9.610/1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.

  • Programas de Computador

A proteção de propriedade intelectual a programas de computador foi, pela primeira vez, regulada no Brasil pela Lei 7.232/1984. Tal lei previu, em seu art. 1º, a proteção integral aos titulares de direitos de programas de computador, de origem estrangeira ou nacional, definindo em seu parágrafo único o conceito de programa de computador como sendo: a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

O advento da Lei nº 9.609/98 (“Lei do Software”), ainda vigente, trouxe nova regulamentação para a proteção da propriedade intelectual de programas de computador, replicando o conceito de programa de computador da lei anterior, com ampliação da proteção também para técnicas análogas às digitais.

Observadas as especificações trazidas na Lei de Software, o regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País.

A Lei nº 9.609/98 tipifica como crime a violação de direitos autorais de software (Art. 12 e §§), protegendo os direitos intelectuais de desenvolvedores e empresas criadoras de programas de computador, prevendo ao infrator a pena de seis meses a dois anos de detenção e/ou pagamento de multa. No caso de a violação consistir na reprodução, total ou parcial, por qualquer meio, de programa de computador, para fins de comércio, a pena ao infrator é majorada para reclusão de um a quatro anos e multa, sendo que na mesma pena incorre quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia do programa de computador com violação de direito autoral.

Ainda, quanto às especificidades relacionadas a essas violações, prevê-se que as diligências preliminares de busca e apreensão serão precedidas de vistoria, podendo o juiz ordenar a apreensão das cópias produzidas ou comercializadas com violação de direito de autor, suas versões e derivações, em poder do infrator ou de quem as esteja expondo, mantendo em depósito, reproduzindo ou comercializando. Independentemente de ação penal, ao prejudicado é prevista ação para proibir ao infrator a prática da violação, com cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento e perdas e danos pelos prejuízos decorrentes da infração.  

Em regra, na esfera criminal, não é possível aplicar uma responsabilidade objetiva por violações de Propriedade Intelectual (diferentemente do que afirma o Código Civil Brasileiro), principalmente considerando que somente atos intencionais (com dolo) são definidos como crimes contra a Propriedade Intelectual. O artigo 18 do Código Penal Brasileiro, por sua vez, estabelece a regra de que se considera-se um crime como doloso quando “o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

Portanto, o dolo é o principal elemento que permite ao Código de Processo Penal processar e punir os infratores. Por esse motivo, ninguém será punido no caso de cometer um crime de propriedade intelectual sem intenção.

Ainda no que tange à responsabilidade criminal por violações de Propriedade Intelectual, é possível que uma pessoa física (por exemplo, um diretor ou funcionário) seja pessoalmente processada e responsabilizada por infração cometida por uma pessoa jurídica, diferente do que ocorre na responsabilidade civil.

Como explicado anteriormente, as violações de marcas, desenhos industriais e patentes são processadas criminalmente por meio de uma Ação Penal Privada, processo este iniciado após a apresentação de uma Notícia Crime (Notitia Criminis) perante a Delegacia de Polícia local.

Ainda, a investigação para apuração de crimes contra a propriedade intelectual e colheita provas de autoria e de materialidade são etapas essenciais a possibilitar o posterior exercício do direito de queixa pela vítima junto ao juízo criminal. 

Por outro lado, as violações de direitos autorais são processadas criminalmente por meio de uma Ação Penal Pública, cujo processo é iniciado após a apresentação de uma Medida Preparatória perante o Tribunal local, sendo impulsionada diretamente pelo Ministério Público.

Seguem, abaixo, dois fluxogramas que bem ilustram ambos os procedimentos:

 

No âmbito criminal, o processo e o julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial, que são classificados como crimes que deixam vestígios, têm regras procedimentais especiais à matéria e que, além de exigir a prova de direito à ação por parte do ofendido, também exige a realização de exame pericial técnico (exame do corpo de delito) e a homologação do laudo pericial confeccionado pelo juiz competente.

Assim sendo, o laudo provando a infração é condição de procedibilidade para a ação penal envolvendo tais crimes. Após a homologação do laudo, o Código de Processo Penal prevê o prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da ciência da homologação judicial para que a vítima (pessoa física ou pessoa jurídica representada por seus administradores) possa exercer o seu direito de ação (ajuizar queixa crime contra o infrator), no caso de crimes que deixam vestígios.

Alternativamente, para crimes que se procedem mediante iniciativa da vítima, a lei prevê o prazo de 06 (seis) meses, contados do dia em que veio a saber a autoria do crime. Tal prazo está previsto na regra geral para as ações penais privadas relacionadas a condutas que independem de materialidade e, em tese, não se confundiria com aquele prazo especial de 30 dias.

Contudo, apesar do regramento específico à matéria, os prazos acima podem ser aplicados concomitantemente, a depender da interpretação do Juízo ou Tribunal, exigindo-se que a vítima tome iniciativa, obtenha provas .

Ademais, cabe destacar que os crimes contra registro de marca e concorrência desleal são classificados como crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, crimes cujas penas máximas previstas na lei não ultrapassam o patamar de 02 (dois) anos. 

Em vista disso, conforme previsto na Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), compete aos Juizados Especiais Criminais a observância do procedimento célere e dos institutos despenalizadores previstos lei, com promoção de conciliação, julgamento e execução das infrações penais. 

Ao analisar o caso, a Autoridade Judicial poderá aplicar institutos relacionados à justiça consensual entre as partes, como a transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95) ou até mesmo acordos de não persecução penal (art. 28-A do Código de Processo Penal).

Caso a somatória das penas cominadas para os crimes supere o patamar de dois anos, a competência para processar e julgar o caso será da Justiça Comum, na qual o processo contará com mais etapas.

Todas as espécies de acordo previstas em lei possibilitam a aplicação antecipada de pena e o cumprimento de condições que têm caráter educativo e podem, inclusive, envolver a reparação do dano à vítima.

Por fim, vale destacar que, conforme ditames do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, quando o juiz condenar o infrator, deverá ele também estipular na sentença um valor mínimo de indenização pelos danos civis. No entanto, caberá ao interessado ingressar judicialmente com a competente ação cível para reivindicar eventual compensação financeira em montante superior àquele previamente estabelecido na seara criminal, mediante a produção das provas cabíveis.


Autores: Nathália Gonzalez Conde e José Henrique Vasi Werner

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