Doing Business in Brazil

31. Direito da Moda

26/06/23

O presente capítulo tem por escopo traçar ao empresário que pretende investir no Brasil, um breve panorama acerca dessa nova área mercadológica – a do Direito da Moda. De fato, de alguns anos para cá, é área que vem ganhando maior expressividade e capilaridade. 

Nesse capítulo serão feitos apontamentos sobre as formas de proteção dos artigos de moda, bem como serão indicados ao leitor alguns dos principais contratos e cláusulas que permeiam o universo fashion, ressaltando-se que é mercado complexo e cheio de minúcias e que a intenção nesse capítulo é a de pincelarmos alguns de seus aspectos.

A indústria da moda possui importância socioeconômica para diversos países, tornando-se cada vez mais representativa globalmente. Além de movimentar expressivos valores e abarcar diversos segmentos, tais como o setor têxtil, calçadista, de acessórios, de luxo, de joias, cosméticos, beleza e outros, a indústria da moda gera milhões de empregos. 

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (ABIT) aponta que o setor têxtil é o segundo maior empregador da indústria de transformação, ficando atrás apenas da indústria de alimentos. A cada ano esse mercado tem sido responsável pelo aumento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e fez o Brasil alcançar o ranking do 6º maior produtor têxtil do mundo, representando 3,5% do PIB total brasileiro1.  

Outro fato importante que fomenta o crescimento e a integração vertical desta indústria foi a liberação do comércio internacional de têxteis e de vestuário, que contribuiu para o desenvolvimento de novos modelos de negócio, como por exemplo, o e-commerce e suas variações, que a cada dia está mais presente na jornada do consumidor e se tornou ainda mais forte a partir de 2020, em decorrência da decretação do estado de pandemia e do isolamento social, em virtude da covid-19.

Um dado interessante é que o Brasil é um dos poucos países que possui uma cadeia têxtil completa e complexa. Ou seja, além de produzirmos fibras naturais (como algodão, linho, lã e seda), e químicas (tais como viscose, modal, elastano e poliéster) também realizamos a confecção do vestuário, passando pelo processo de fiação, tecelagem, malharia e beneficiamento, até chegar aos consumidores por meio das vendas, seja no varejo, e-commerce etc.

Oportuno dizer que o Brasil em 2019 respondia por 2,4% da produção mundial de têxteis e por 2,6% da produção mundial de vestuário. Os dados conferem ao Brasil o posto de único país da América do Sul com destaque no setor têxtil2. Ainda, de acordo com os dados gerais do setor, o faturamento da cadeia têxtil e de confecção em 2021 foi de R$ 190 bilhões em 2021, e a produção média de têxtil foi de 2,16 milhões de toneladas em 2021 contra 1,91 milhões em 20203.

Além disso, o país é o quarto maior produtor de malhas do mundo e está entre os cinco maiores produtores e consumidores de denim do mundo sendo igualmente referência mundial em design de beachwearjeanswear e homewear, tendo crescido também nos segmentos de fitness e lingerie4.


1FONSECA, Ana Flávia da. Por que o mercado de design de moda é promissor no Brasil? UNIPE – Centro Universitário de João Pessoa, 09 set. 2015. Disponível em: <http://blog.unipe.br/graduacao/design-de-moda-no-brasil-mercado-promissor>. Acesso em: 08 nov. 2017.

2FEBRATEX. Cadeia têxtil: entenda as oportunidades deste segmento de acordo com a ABIT. Disponível em: <https://fcem.com.br/noticias/cadeia-textil-entenda-as-oportunidades-deste-segmento-de-acordo-com-a-abit/>. Acesso em: 09.nov.2019.

3Dados gerais do setor referentes a 2021 – atualizados em janeiro de 2023. Disponível em: <https://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor>. Acesso em: 03.mar.2023.

4 Idem.

 

É uma indústria que emprega milhares de empregos anualmente, possibilitou em 2022 1,34 milhões de empregos formais e 8 milhões referente aos indiretos, dos quais 60% são de mão de obra feminina. Segundo os dados do IEMI – Inteligência de Mercado – em 2022 o número de empresa do setor era de 22,5 mil unidades produtivas formais5.

Todavia, se de um lado há motivos para comemorar, em razão da representatividade e da beleza desse mercado, de outro, pode-se dizer que é uma indústria com muitas filigranas, que cresce por meio da informalidade, e, portanto, além da imagem de glamour, possui um lado bastante obscuro, exigindo assim um olhar atento e arguto tanto do empresário que está à frente do negócio como também do advogado, que deve estar preparado para descortinar as diversas e complexas questões jurídicas que envolvem o setor. 

A relação entre direito e moda deu seus primeiros sinais no ano de 2000, na França e na Itália6.

Entretanto, a discussão inicial sobre a necessidade de um olhar mais aguçado e crítico por parte da comunidade jurídica para o universo da moda teve início nos EUA, com a professora Susan Scafidi. Sua primeira iniciativa relacionada ao universo da moda e do direito foi em 2005 com a criação do blog denominado Counterfeit Chic7

Posteriormente,  com o propósito de estudar e debater as questões que envolviam essa indústria e, sobretudo com a intenção de alterar a legislação estadunidense de forma a conferir proteção às criações de moda, visto que naquele país os designs têxteis e de vestuário são considerados utilitários, e como tal, não são passíveis de proteção nem pelo copyright, nem pelo regime de proteção industrial, a professora norte-americana, além de criar uma disciplina na Fordham University (NY) denominando-a Fashion Law ou Direito da Moda, fundou o Fashion Law Institute8organização sem fins lucrativos com sede na Fordham University, primeiro centro do mundo dedicado ao direito e aos negócios da moda. 

Atualmente, diversos países e instituições de ensino se dedicam a apoiar e obter os melhores resultados para as empresas desse setor, com o fim de tratar questões sensíveis a essa indústria. A indústria da moda tem quase 200 anos no Brasil e segundo reportagem da Folha de São Paulo em 2019 o país contava com mais de 50 faculdades de moda distribuídas em 11 estados brasileiros. No Brasil, os primeiros estudos sobre direito e moda tiveram início entre os anos de 2011 e 2012. Em 2012, foi fundado o primeiro Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda – Fashion Business and Law9 (FBLI). Anos mais tarde, em 2017, foi criada a primeira pós-graduação brasileira em Fashion Law, na Faculdade Santa Marcelina, sendo reconhecida internacionalmente como uma das melhores faculdades dedicadas ao ensino da moda. Nesse sentido, ressalta-se que diversas subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criaram comissões de estudo para discutir o tema. Em 2019, o renomado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) criou uma comissão de estudos de Fashion Law, com o objetivo de promover cursos, seminários e pareceres envolvendo questões jurídicas do segmento. 

O Brasil, a exemplo das demais legislações mundiais, não possui uma lei específica que trate exclusivamente sobre o direito da moda. Aliás, nesse ponto, há muitas questões que circundam o tema. Indaga-se, por exemplo, se o Fashion Law deveria ser uma disciplina autônoma do direito, em razão, dentre outros, da complexidade e pujança econômica do setor.


5https://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor

6SOUZA, Regina Cirino Alves Ferreira de. Aspectos Jurídicos do Fashion LawJornal Carta Forense, 02 mai. 2018. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/aspectos-juridicos-do-fashion-law/18184>. Acesso em: 26 jun. 2020.

7http://intro.counterfeitchic.com/

8https://fashionlawinstitute.com/about

9https://www.linkedin.com/company/fashion-business-and-law-institute

 

Todavia, ainda que o direito brasileiro não ostente proteção expressa na Lei de Propriedade Industrial para os artefatos provenientes da moda, como é o caso da França, que estabelece em seu Código de Propriedade Intelectual proteção para as criações da moda, é possível a proteção de tais bens pelo sistema jurídico brasileiro, conforme segue abaixo.

Desse modo, o empresário que deseja investir no País, consoante a análise do objeto que pretende proteger, poderá se valer da Lei nº 9.610 de 1998, que disciplina os direitos autorais e conexos, e/ou da Lei nº 9.279 de 1996, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

Ainda, para ter exclusividade sobre o sinal distintivo que identifica um serviço ou produto, é recomendado ao empresário o registro a fim de gozar de proteção legal e assim impedir que terceiros façam uso indevido de sua marca registrada. E não é só isso. A marca registrada pode vir a ser tornar um dos maiores ativos da empresa, agrega valor aos produtos e serviços, transmitindo credibilidade junto ao mercado e ao público consumidor, eis que indica procedência e qualidade permitindo assim que a empresa possua vantagem competitiva em relação à concorrência. Além disso, o registro da marca possibilita que os consumidores diferenciem produtos ou serviços semelhantes, confere direitos de propriedade exclusivos ao titular e possibilita que o seu titular licencie para outras empresas, gerando uma receita ao seu negócio, ou ainda, possibilita que o empresário expanda o seu negócio por meio de uma rede de franquia.

Desse modo, para proteger a marca de sua empresa de moda no Brasil, o empresário, por intermédio da Lei de Propriedade Industrial, deverá depositá-la no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que é um instituto semelhante ao Escritório de Marcas e Patentes dos EUA – USPTO e aguardar o trâmite de deferimento ou indeferimento, a depender do caso. Se a marca for concedida o registro vigorará por um prazo de 10 anos, a contar da data da concessão, sendo prorrogável por períodos iguais e sucessivos, desde que haja o pagamento da taxa. Atualmente o processo de registro dura em média 2 anos.

Com o passar do tempo, além da necessidade de conferir proteção às criações dos designers, verificou-se a necessidade de o Direito dedicar atenção a outros problemas decorrentes dessa indústria: problemas ambientais, tais como o descarte incorreto de resíduos têxteis; problemas trabalhistas  frente à exploração das relações laborais, havendo casos até mesmo de submissão a escravidão; questões tributárias, haja vista a alta incidência de carga tributária; problemas penais decorrentes da prática de plágio e contrafação, dentre outros crimes; questões contratuais, em consequência da pluralidade de instrumentos contratuais envolvidos e portanto a necessidade de análise de todo o conjunto contratual; além de questões consumeristas e de propaganda e marketing, dentre outras. 

Assim, podemos dizer que o Direito da Moda é inter e multidisciplinar, o que significa dizer que o Direito da Moda “flerta” e acaba por envolver os mais diversos ramos jurídicos do direito: propriedade intelectual e industrial, societário, internacional, trabalhista, tributário, ambiental, criminal, digital, concorrencial e contratual.

No que tange especificamente ao direito contratual, os contratos entram como um elemento importante no segmento da moda, pois, como foi dito acima, num mercado cercado pela informalidade e muitas vezes sem um plano de negócio claro e objetivo, um contrato bem redigido e em harmonia com os outros contratos dentro de um mesmo negócio, é instrumento eficaz para mitigar riscos e evitar conflitos futuros, muitas vezes decorrentes de uma relação comercial malconduzida. 

Temos uma gama de contratos já existentes, e outros que se desenham a cada dia, guiados por novas relações que surgem nessa dinâmica indústria. Desse modo, exemplificativamente, ressaltam-se os seguintes contratos: i) dentre os de Prestação de Serviços, citamos : a) Contratos de Personal Stylist; b) de Consultoria de Moda; c) com designers; d)  com digital influencers; e) com modelos; f) com fotógrafos; ii) Contratos de Fabricação por Encomenda; iii) Contratos de Facção; iv) Contratos de Intermediação e Representação; v) Contratos de Patrocínio; vi) Termos de Confidencialidade; vii) Contratos de Licença de Uso de Imagem; viii) Contratos de Importação e Exportação de Mercadorias; ix) Contratos de Fusões e Aquisições; x) Contratos de Locação de Espaço para Eventos, tais como desfiles; xi) Contratos de Aluguel em shopping centers; xii) Contratos de Transferência de Tecnologia; xiii) Contratos de Licença e Cessão de Marcas, Patentes e Desenho Industrial; xiv) Contratos de Franquia, etc.

Cada um desses tipos contratuais possui suas especificidades, porém, no geral, os principais itens que devem ser observados quando da elaboração de uma minuta na área da moda são: a) partes; b) considerandos; c) objeto; d) obrigações das partes; e) remuneração; f) territorialidade, exclusividade e preferência; g) propriedade intelectual; h) penalidades pelo descumprimento ou pelo cumprimento de forma diversa da pactuada; i) formas de extinção e causas de rescisão contratual; j) confidencialidade; k) anticorrupção – compliance; l) responsabilidade social (aplicação de normas que estejam de acordo com sustentabilidade, contra o trabalho escravo etc.); m)  cláusulas de proteção, como por exemplo, a de hardship – quando o contrato for internacional; n) forma de solução de conflitos – eleição de foro judicial ou câmara arbitral. 

Tanto o rol dos contratos citados acima, quanto o das cláusulas mencionadas, não são taxativos. Cada negociação deve ser muito bem pensada e planejada, e fazer uso dos instrumentos adequados, com cláusulas bem redigidas e inter-relacionadas, de maneira a contemplar todas as peculiaridades e necessidades do negócio, traduzindo de maneira fiel a real intenção das partes contratantes.

Nesse cenário, vale ressaltar que um dos modelos de negócios que cresce a cada ano é o sistema de franquia. Podemos dizer que o Brasil é um mercado maduro acerca desse modelo, principalmente na área da moda, sendo a Lei nº 13.699/19 que regula esse nicho, a qual trouxe mais segurança jurídica às partes e traz como corolário a transparência, o que atrai mais investidores e empreendedores10. Assim, muitos empresários do ramo da moda, que buscam expandir, seja em território brasileiro ou no comércio internacional, optam pelo franchising. Pode-se dizer que o atrativo do sistema de franquia é o fato de o negócio estar totalmente pronto, não havendo qualquer preocupação por parte do franqueado em desenvolver ou formatar o negócio para início das atividades, trazendo um pouco mais de segurança em relação ao sucesso do negócio11.

Segundo os dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), o faturamento do setor referente ao quarto trimestre do ano de 2022 demonstrou um crescimento de 12,6% quando comparado ao último trimestre de 2021, demonstrando melhor performance dos últimos 3 anos, isso significa dizer que os números retratam que o setor além de se recuperar do período vivenciado pela pandemia, também demonstra claramente sinais de crescimento. As projeções para o ano de 2023 são: crescimento de 9,5 a 12% no faturamento; que as redes obtenham um crescimento de 4%; e gere um crescimento em torno de 10% no setor de empregos12.

Ressalta-se que, das 50 maiores redes de franquias do país (em número de unidades), 14% são voltadas à moda e ao vestuário13. Vale ressaltar, que os modelos de menor investimento vêm crescendo em uma velocidade vertiginosa, tendo como destaque as operações virtuais e home based14. Já em relação a marcas estrangeiras com atuação no Brasil em 2020, o último dado disponibilizado pela ABF, totalizava 205 marcas de 30 países, sendo que saúde, beleza e bem estar ocupava o 2º lugar e moda o 3º lugar com 28 marcas.

Nota-se, portanto, ser essencial, tanto ao empresário quanto ao operador do direito que estejam à frente dessa indústria, conhecerem bem as demandas e a realidade das empresas de moda, de sorte que possam traçar a melhor estratégia a fim de preservar a reputação das marcas e mitigar os problemas, riscos e as contingências que despontam nesse mercado. 

Por fim, em razão do olhar cada vez mais atento e exigente dos consumidores, preocupados com questões éticas, ambientais, morais e de transparência, há necessidade de uma nova postura frente a essa indústria. Vislumbram-se novos modelos e oportunidades de negócio, com a necessidade de um trabalho jurídico multidisciplinar.


10FAVARETTO, Daniela. Contratos da Moda. Franquia e Licenciamento de marca. Editorial Casa, 2022, pg.106.

11FAVARETTO, Daniela. Contratos da Moda. Franquia e Licenciamento de marca. Editorial Casa, 2022, pg.108/109.

12https://www.abf.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Apresentacao_Coletiva_1302_Diagrama.pdf

13FAVARETTO, Daniela. Contratos da Moda. Franquia e Licenciamento de marca. Editorial Casa, 2022, pg.18.

14https://www.abf.com.br/estudo-abf-retrata-50-maiores/

 


Autora: Daniela Favaretto, sócia da área de Fashion Law, com ênfase em contratos, de Chiarottino e Nicoletti Advogados

Chiarottino e Nicoletti Advogados

Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1.700 – 5º e 11º andares – Vila Olímpia
BR-04543-000 São Paulo – SP
Tel (11) 2163 8989

[email protected]
www.chiarottino.com.br