Doing Business in Brazil

27. Direito de Defesa da Concorrência (“Antitruste”)

23/06/23

27.1.  Introdução 

A Constituição Federal (“CF”), em seu art. 1º, eleva os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa como fundamentos da República Federativa Brasileira. Para que tais fundamentos se efetivem e produzam seus efeitos, é necessário que exista sua previsão constitucional, de modo a dispor acerca da ordem econômica, tal como ocorre no art. 170 da CF, que trata, dentre outros, do tema deste capítulo, a Livre Concorrência.

A Livre Concorrência é um princípio constitucional disciplinado pelo art. 170, inciso IV, da CF, que tem por objetivo reprimir “o abuso de poder econômico que vise à dominação do mercado, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Sendo assim, é dever do Estado zelar pela prevenção/repressão de práticas abusivas, exercidas por agentes de mercado com posição dominante, quando trouxerem efeitos prejudiciais à livre concorrência. 

O sistema de defesa da concorrência, portanto, dedica-se a combater as práticas prejudiciais à concorrência, notadamente de acordo com quatro vertentes:

  1. acordos anticoncorrenciais, tendo por objeto ou efeito a restrição da concorrência;
  2. abuso de posição dominante, atuação de uma empresa monopolista ou com poder de mercado suficiente para afetar a concorrência;
  3. concentrações econômicas, operações societárias como fusões e aquisições que possam afetar a concorrência e, logo, o bem-estar do consumidor; e
  4. iniciativas estatais limitadoras da concorrência e ações estatais que restringem ou distorcem a concorrência.

A Lei n° 4.137/1962 – primeira Lei Antitruste Brasileira – foi fortemente influenciada pelas regras norte-americanas e vigorou por quase 30 (trinta) anos. Entretanto, a sua aplicação foi bastante escassa, em razão de a estrutura institucional por ela criada ter sido praticamente inoperante.

Posteriormente, entrou em vigor a Lei n° 8.158/1991, que permaneceu vigente por um curto período, até o advento da Lei nº 8.884/1994. Esta conferiu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, a Agência Antitruste Brasileira, uma nova estrutura, transformando-o em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, com personalidade jurídica e função judicante. Isto proporcionou ao CADE maior autonomia e credibilidade se compararmos com as legislações anteriores. Além disso, a Lei nº 8.884/1994 também consolidou a proteção à defesa da concorrência como um dos pilares da economia do País.

Entretanto, face a algumas ineficiências associadas com a existência de agências sobrepostas, bem como as discussões sobre os requisitos para a notificação de transações, dentre outros, tornou-se urgente discutir alterações na legislação, o que resultou na sua completa reforma.

Finalmente, em maio de 2012, a Lei nº 12.529/2011, atual Lei Antitruste Brasileira, entrou em vigor, estabelecendo uma nova estrutura ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, permitindo uma atuação mais efetiva pelo CADE e introduzindo o sistema de controle prévio de operações. Com a nova Lei, a política de defesa da concorrência, no Brasil, mudou de forma significativa.

Referida lei, além de estruturar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, dispõe também sobre a “prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”, conforme estatui seu art. 1º.

Já pelo parágrafo único do referido artigo, a “coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”.

27.2. Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC

A Lei nº 12.529/2011 estrutura o chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (“SBDC”), formado pelo (i) Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e pela atual (ii) Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac), nos termos de seu art. 2º, vinculada ao Ministério da Fazenda, que sucedeu a extinta Secretaria de Acompanhamento Econômico (“SEAE”), cada qual com funções distintas, conforme mais bem detalhado a seguir. 

27.2.1 Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE

O CADE foi criado com a Lei nº 4.137/1962, conforme seu art. 8º. Já naquela época, tratava-se de um avanço enorme para a proteção da concorrência no Brasil, uma vez que permitiu o acesso a um órgão administrativo altamente técnico na matéria de Direito Concorrencial, dada a sua especialização.

A Lei de Defesa da Concorrência, ademais, dispõe tanto sobre a prevenção, quanto à repressão às infrações contra a ordem econômica, de modo que o CADE atua em duas frentes principais: uma de caráter preventivo, focada no controle e aprovação de atos de concentração; e outra de caráter repressivo, por meio da repressão de condutas anticoncorrenciais que constituam infração contra a ordem econômica.

Não obstante, o CADE ainda tem uma terceira função: a “função educativa”, cujo propósito é de disseminar a cultura de defesa da concorrência, também chamada de  advocacy, através de atividades para instruir o público sobre a sua atuação e condutas que podem caracterizar infrações contra a ordem econômica.

O CADE é o principal órgão responsável pela proteção da livre concorrência no Brasil, com competência para a instrução de processos administrativos relacionados a violações da ordem econômica, bem como para a análise de atos de concentração econômica (estas competências pertenciam às antigas SDE – Secretaria de Direito Econômico e SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico, sob a égide da Lei nº 8.884/1994).

Atualmente, o CADE é constituído pelos seguintes órgãos, nos termos do art. 5º da referida Lei: (i) Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; (ii) Superintendência-Geral; e (iii) Departamento de Estudos Econômicos.

27.2.1.1. Tribunal Administrativo de Defesa Econômica

O Tribunal do CADE é a autoridade máxima, sendo um órgão judicante, nos termos do art. 6º da Lei de Defesa da Concorrência, composto por 01 (um) Presidente e 06 (seis) Conselheiros, com mandato de 4 anos, nomeados pelo presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal, sendo vedada a recondução.

Ao Tribunal Administrativo compete, em síntese, dentre outros, decidir sobre:

  • decidir sobre a existência de infração da ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; 
  • julgar os processos administrativos relativos a controle de conduta, para imposição de sanções administrativas; 
  • apreciar os recursos contra as medidas preventivas adotadas pelo Conselheiro-Relator ou pela Superintendência-Geral; 
  • analisar os termos do compromisso de cessação de prática e dos acordos em controle de concentração.
  • julgar atos de concentração que tenham sido objeto de recomendação de reprovação ou restrição pela SG, ou avocação por algum de seus Conselheiros, para julgamento.

27.2.1.2. Superintendência Geral do CADE – SG

A Superintendência-Geral do CADE (“SG”), por sua vez, é composta por um Superintendente-Geral, com um mandato de dois anos, que pode ser renovado uma única vez, e por dois Superintendentes-Adjuntos. O Superintendente-Geral é nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovação pelo Senado Federal, ao passo que os Superintendentes-Adjuntos são nomeados pelo Superintendente-Geral.

O papel da SG é de investigação e instrução dos casos, tendo as seguintes principais atribuições: (i) instauração, instrução e emissão de pareceres em processos para investigar condutas anticompetitivas; (ii) instrução e emissão de pareceres em atos de concentração econômica; e (iii) propositura de acordos e medidas preventivas.

27.2.1.3.Departamento de Estudos Econômicos – DEE

O DEE é dirigido por um Economista-Chefe, que é nomeado, conjuntamente, pelo Superintendente-Geral e pelo Presidente do CADE, tendo por principais atribuições (i) o assessoramento ao CADE, em assuntos principalmente econômicos, elaboração de estudos e/ou pareceres econômicos, de ofício ou por solicitação do Tribunal do CADE ou SG, que tratam de atos de concentração econômica e de condutas anticompetitivas; e (ii) elaboração de estudos para assegurar a atualização técnica e científica do CADE. 

27.2.2. Secretaria da Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência – SEPRAC

A Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (“SEPRAC”), sucessora da antiga Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, é responsável pela denominada “advocacia da concorrência” perante os órgãos do governo e a sociedade.

Compete à SEPRAC promover a livre concorrência elaborando estudos que analisam, do ponto de vista concorrencial, políticas públicas, autorregulações e atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários de serviços.

Além de intervir na qualidade de amicus curiae em processos administrativos e judiciais, na maior parte das vezes, a SEPRAC opina em propostas legislativas que tramitam no Congresso Nacional; em proposições de agências reguladoras; e em avaliações solicitadas pelo CADE, pela Câmara de Comércio Exterior ou pelos fóruns nos quais o Ministério da Fazenda participa.

27.3. Funções do CADE 

O CADE, basicamente, desempenha três funções principais, a saber: a preventiva; a repressiva e a educativa. 

O Controle Preventivo corresponde à análise e às decisões em atos de concentração econômica entre empresas, que podem prejudicar a livre competição (“Atos de Concentração Econômica” – mais bem detalhados na Seção 27.4, abaixo).

O Controle Repressivo corresponde à análise e ao julgamento das condutas infrativas da concorrência, as quais estão previstas no art. 36 e seguintes da Lei nº 12.529/2011 e no Regimento Interno do CADE. O § 3º, inciso I, do referido artigo traz uma lista exemplificativa, e não exaustiva, das condutas que podem ser danosas à concorrência, tais como, cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade, dentre outras. 

O Papel Educativo, por sua vez, volta-se à difusão da cultura da livre concorrência, notadamente, no desenvolvimento da política antitruste, como forma de implementação de políticas públicas, por meio de parcerias com instituições e órgãos governamentais, resultando na consolidação de conceitos, crescente interesse acadêmico pela área, difusão da política concorrencial junto à sociedade e aprimoramento técnico das decisões. 

27.4. Ato de Concentração Econômica

Conforme mencionado, a Lei de Defesa da Concorrência dispõe, nos artigos 89 a 91, da Lei nº 12.529/2011, o chamado controle de estruturas, por meio da análise de atos de concentração. Trata-se de um conceito que se relaciona com o aumento de poder econômico, no mercado, por parte de um ou mais agentes, ao que a doutrina define como “aumento de riqueza em poucas mãos”1.

O art. 90 da Lei de Defesa da Concorrência não conceitua ato de concentração, embora apresente hipóteses nas quais se realiza um ato de concentração, abaixo listadas, exceto em casos destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos dela decorrentes (vide art. 90, parágrafo único):

  1. 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
  2. 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
  3. 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
  4. 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture .

As hipóteses descritas nos incisos I e III, acima, são as típicas operações de fusões e aquisições societárias, também conhecida como operações de M&A (mergers and acquisitions), envolvendo cisão e incorporação, tal qual definidas na Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76).

Já a hipótese delineada no inciso II, apresenta-se bastante ampla, envolvendo tanto a aquisição de participações societárias e de valores mobiliários como, também, de ativos, tangíveis ou intangíveis. Ressalta-se que não há, ainda, normas que façam uma delimitação mais específica sobre o alcance exato do inciso II.


1DA FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 9ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, V.1., p. 71

 

Assim, o referido inciso, ipsis literis, não torna claro quais seriam os ativos que ensejariam a obrigatoriedade de comunicação do ato de concentração perante o CADE. Em razão disso, percebe-se que o CADE vem analisando atos de concentração tão diversos quanto aqueles envolvendo, por exemplo, compra e venda de ativos florestais, direitos de propriedade intelectual, imóveis ou ativos imobiliários, linhas de produção, direitos minerários, torres de comunicação, carteiras de clientes, veículos, entre muitos outros ativos. Na maioria desses casos analisados, embora as partes tenham sido bastante conservadoras ao submeter as operações à análise do CADE, este, em diversas decisões, ratificou seu entendimento de que a submissão de tais atos seria obrigatória.

Já o inciso IV descreve a necessidade de submissão obrigatória do Contrato Associativo, de consórcio ou joint venture.

Ainda no que diz respeito aos atos de concentração, cumpre destacar que existem concentrações classificadas como horizontais, verticais e conglomeradas, para fins de análise. De forma sintética, entende-se:

  • Concentrações Horizontais: são aquelas que ocorrem entre empresas de mesmo nível da cadeia produtiva, sendo as empresas concorrentes diretas.
  • Concentrações Verticais: são aquelas que ocorrem em diferentes níveis de uma cadeia produtiva comum.
  • Concentrações Conglomeradas: são aquelas nas quais ocorre a união entre empresas que, embora não necessariamente possuam produtos ou serviços, ou atuação em mercados similares ou idênticos, possuem uma relação de conglomerado.

Finalmente, as transações acima elencadas devem ser submetidas à análise prévia do CADE. O art. 88 da Lei de Defesa da Concorrência estabelece que serão submetidos ao CADE, pelas partes envolvidas na operação, os atos de concentração econômica em que, cumulativamente, verifiquem-se alguns critérios de faturamento em relação aos grupos envolvidos na operação. Os valores são aqueles que constam da Portaria Interministerial nº  994/2012, a saber:

 

  1. pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais); e 
  2. pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais). 

 

Dessa forma, as transações que estejam sujeitas à notificação obrigatória ao CADE não podem ser consumadas até que este profira uma decisão final. A consumação, parcial ou total, desses atos, sem a aprovação do CADE, resulta na prática conhecida como gun jumping, conforme será mais bem detalhado na Seção 27.6, abaixo. 

27.5. Sistema de Notificação Prévia 

A Lei nº 12.529/2011 introduziu o sistema da análise prévia de atos de concentração econômica, que substituiu o antigo regime da submissão a posteriori no Brasil, consistindo, basicamente, na obrigação de que uma transação notificável de acordo com a definição de um ato de concentração econômica deve ser submetida à análise e aprovação do CADE previamente à sua consumação.

No antigo sistema, um ato de concentração econômica poderia ser notificado ao CADE a posteriori, em até quinze dias úteis depois de consumado. 

O novo sistema de notificação prévia tem por objetivo evitar prejuízos irreparáveis para o mercado e para os consumidores, ao assegurar que as condições de mercado sejam preservadas enquanto a análise pelo SBDC for realizada.

27.6. O Gun Jumping

Com o novo sistema de controle prévio dos atos de concentração econômica introduzido pela Lei nº 12.529/11, surgiu o denominado gun jumping, originário do direito econômico norte-americano, que consiste na consumação prematura do negócio, parcial ou totalmente, pelas partes, sem que o CADE o tenha autorizado, em violação ao regime da notificação prévia.

A consumação prévia é um tema complexo e que demanda atenção, porquanto até mesmo a troca prévia de informações concorrencialmente sensíveis, ou o pagamento antecipado de parte dos valores contratuais, ou sinal em patamares acima de determinada porcentagem do valor do contrato, podem ser enquadrados como consumação prévia do ato de concentração, a ensejar essas penalidades. 

É nesse sentido que o art. 88, § 4º, da Lei de Defesa da Concorrência prevê que “até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3º deste artigo”.

Dessa forma, a empresa que incorrer no gun jumping estará sujeita ao pagamento de multas que podem variar entre R$60 mil e R$60 milhões, além da possível anulação dos atos realizados pelas partes antes da obtenção da aprovação do CADE e de abertura de processo administrativo para apuração de eventual conduta anticompetitiva.

Como consequência, as empresas sujeitas a uma operação notificável devem manter suas estruturas físicas e condições competitivas inalteradas até a decisão final do CADE e não podem trocar informações sensíveis que não sejam estritamente necessárias para a celebração do instrumento formal, antes de proferida a decisão final pelo CADE.

A Resolução nº 24, de 08 de julho de 2019, do CADE, estabelece os procedimentos que deverão ser observados pelas autoridades concorrenciais na análise da prática de gun jumping e, inclusive, os critérios para a dosimetria da penalidade pecuniária aplicável.

27.7. Taxa de Notificação de Atos de Concentração Econômica

Quanto aos custos, o administrado deverá arcar com a Taxa Processual de R$85.000,00, atualmente em vigor, quando notificar uma operação ao SBDC, conforme artigo 23 da Lei nº 12.529/2011.

27.8. Análise de Atos de Concentração Econômica

27.8.1. Procedimento

Inicialmente, no que diz respeito à Análise de Atos de Concentração Econômica, a legislação prevê o processamento sob (i) o rito sumário, que se apresenta mais célere, uma vez que atribui o prazo de 30 (trinta) dias para a Superintendência-Geral (SG) do CADE emitir seu parecer sobre o ato de concentração em apreciação2contados do protocolo da petição ou da emenda; ou (ii) sob o rito ordinário, o qual demanda mais informações e é mais complexo. Para este último, a lei prevê um prazo de apreciação por parte do CADE de até 240 (duzentos e quarenta) dias, nos termos do art. 88, § 2º, da Lei de Defesa da Concorrência, podendo chegar a até 330 (trezentos e trinta) dias, considerando-se recursos e prorrogações.

A notificação de pedidos de aprovação de atos de concentração econômica sob o rito ordinário deverá ser acompanhada dos documentos e informações relacionados no Anexo I da Resolução nº 02, de 29 de maio de 2012, com as alterações introduzidas pela Resolução nº 09, de 1º de outubro de 2014.

A Resolução nº 02 também dispõe de um formulário a ser preenchido pelas partes para as operações notificáveis de acordo com o procedimento sumário (Anexo II). O CADE utilizará o procedimento sumário nos casos em que as operações possuam um impacto competitivo menor, por serem consideradas simples, cujas decisões são usualmente proferidas em menos de 30 (trinta) dias da data do protocolo da notificação.


2Resolução Cade nº 33/2022. Art. 7º – A decisão de enquadramento do pedido de aprovação de ato de concentração em Procedimento Sumário é discricionária, e será adotada pelo Cade conforme os critérios de conveniência e oportunidade, com base na experiência adquirida pelos órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência na análise de atos de concentração e na identificação daqueles que tenham menor potencial ofensivo à concorrência. §1ºOs atos em análise com base no Procedimento Sumário serão objeto de decisão simplificada […]. § 2º A Superintendência-Geral deve observar o prazo de 30 (trinta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda, para decidir os atos de concentração enquadrados em Procedimento Sumário e que não sejam reclassificados para análise em Procedimento Ordinário (destaques acrescidos).

 

A notificação deverá ser apresentada, sempre que possível, em conjunto pelas partes da operação, as quais deverão informar, imediatamente, qualquer alteração posterior dos dados constantes do pedido inicial.

Concluída a instrução complementar, a SG deverá manifestar-se sobre seu satisfatório cumprimento, recebendo-a como adequada ao exame de mérito ou determinando que seja refeita, por estar incompleta. No exame de mérito, a SG poderá emitir um parecer, que poderá seguir três sentidos diferentes de recomendação:

  1. aprovação da operação, sem quaisquer restrições;
  2. aprovação da operação, condicionada a restrições estruturais ou comportamentais recomendadas pela SG, mas não se limitando a: desinvestimento de ativos, assunção de obrigações de acesso e não discriminação de concorrentes, entre outros remédios concorrenciais;
  3. “reprovação” total da operação (veto à operação).

 

Ainda, caso seja aprovado sem restrições o ato de concentração, conforme parecer da SG, o Tribunal Administrativo poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo ao Tribunal do próprio CADE, para que seja procedida uma análise pormenorizada do Tribunal, sendo que o Conselheiro que avocá-lo será considerado o Conselheiro-Relator. 

Nesse caso, o Conselheiro-Relator proferirá decisão determinando a inclusão do processo em pauta para julgamento, caso entenda que se encontra suficientemente instruído, ou determinará a realização de instrução complementar, se necessário, podendo, a seu critério, solicitar que a SG a realize, indicando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas, dentro de até 30 (trinta) dias, contados da data do despacho de aprovação pela SG. 

Não avocado dentro de 15 (quinze) dias corridos, o ato de concentração aprovado sem restrições pela SG poderá ser consumado pelas partes.

Nas demais hipóteses de recomendação de aprovação com restrições ou veto à operação, o Tribunal do CADE passará a analisar o caso, podendo (i) manter o veto ou a aprovação com restrições, mediante a celebração de Acordo em Controle de Concentrações – ACC, por meio do qual serão previstos remédios concorrenciais estruturais e/ou de conduta que deverão ser observadas, como condição para a validade e eficácia da operação; ou (ii) aprovar sem restrições a operação.

Ainda, no prazo de quinze dias, contados a partir da publicação da decisão da SG que aprovar o ato de concentração, no rito sumário ou ordinário, caberá recurso ao Tribunal Administrativo, que poderá ser interposto por terceiros interessados ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora.

Julgado o processo no mérito, o ato não poderá ser novamente apresentado, nem revisto no âmbito do Poder Executivo.

27.9. Consulta 

A lei nº 12.529/2011, em seu artigo 9º, parágrafos 4º e 5º, com a disciplina dada pela Resolução CADE nº 12/2015, permite que qualquer parte interessada possa formular Consulta ao Tribunal Administrativo do CADE, solicitando seu posicionamento sobre a aplicação da legislação concorrencial a determinada hipótese de fato específico.

As consultas podem versar sobre: (i) a interpretação da legislação ou da regulamentação do CADE atinentes ao controle de atos de concentração, em relação a certas operações ou situações de fato adequadamente definidas; (ii) a licitude de atos, contratos, estratégias empresariais ou condutas de qualquer tipo, já iniciadas pela parte consulente; ou (iii) a licitude de atos, contratos, estratégias empresariais ou condutas de qualquer tipo, já concebidas e planejadas, mas ainda não iniciadas pela parte consulente.

Para apresentação da Consulta, o administrado deverá observar os requisitos dispostos na legislação pertinente, bem como recolher a taxa processual, atualmente no valor de R$15.000,00, nos termos do artigo 23 da Lei nº 12.529/2011, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.196/15. 

27.10. Práticas Infrativas à Concorrência 

27.10.1. Artigo 36 da Lei nº 12.529/2011

O art. 36 da Lei nº 12.529/2011 estabelece que uma conduta é considerada infração da ordem econômica quando sua adoção tiver por objeto ou puder acarretar os seguintes efeitos, ainda que estes sejam potenciais: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência; (ii) aumentar arbitrariamente os lucros do agente econômico; (iii) dominar mercados relevantes de bens e serviços; e (iv) quando o agente econômico exercer seu poder de mercado de forma abusiva. 

A caracterização de uma infração da ordem econômica ocorre independentemente de culpa do agente e pode ser configurada, ainda que os efeitos nocivos sejam somente potenciais. 

Ainda nesse sentido o artigo 36, §3º, incisos III a XI, apresenta um rol de condutas praticadas unilateralmente, de caráter exemplificativo conforme artigo 36, inciso X, da Lei de Defesa da Concorrência. 

Trata-se de rol exemplificativo, uma vez que há a possibilidade de determinadas condutas unilaterais que, não obstante não se amoldarem àquelas previstas no artigo 36, §3º, incisos III a XI, possam ser enquadradas nos incisos do caput do artigo 36. As condutas unilaterais mais comuns, encontradas na prática do Direito da Concorrência, são:

  • criação de mecanismos para excluir os concorrentes:
  • fixação de preços de revenda;
  • restrições territoriais e de base de clientes;
  • acordos (contratos/cláusulas) de exclusividade;
  • recusa de negociação;
  • venda casada;
  • discriminação de preços;
  • fechamento do mercado,
  • cartel.

27.10.2.Pena 

No âmbito administrativo, as condutas caracterizadas como infração da ordem econômica estão sujeitas à aplicação das seguintes penalidades:

  • Empresa: multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.

O CADE também poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.

Demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto: a multa será entre R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);

  • Administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos acima descritos.

Não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa para as demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, poderá variar entre R$50.000,00 e R$2.000.000.000,00.

Quando se tratar de prática reincidente, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

Sem prejuízo das penalidades pecuniárias acima, poderão ser aplicadas as seguintes penalidades, isolada ou cumulativamente, a depender da gravidade dos fatos ou do interesse público geral:

  • Publicação, em jornal indicado na decisão, do extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas;
  • Proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos;
  • Inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;
  • Recomendação aos órgãos públicos competentes para que: (a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito; e (b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos;
  • Cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade; 
  • Proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos.

 

A Lei nº 12.529/2011, com as alterações dadas pela Lei nº 14.470/2022, também passou a prever o direito ao ressarcimento em dobro àquele que comprovar ter sido prejudicado pela conduta caracterizada como infração da ordem econômica, em contrapartida pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do §3º do art. 36 da referida Lei, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas administrativa e penal.

 

Já na esfera criminal, tal conduta é tipificada no artigo 4º da Lei nº 8.137/1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, como Crime Contra a Ordem Econômica, cuja pena prevista é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa.

 

Serão levados em consideração, na aplicação das penas, os seguintes fatores: (i) o dolo do agente e a gravidade da infração; (ii) a boa-fé do infrator e a vantagem por ele auferida/pretendida; (iii) a consumação da infração; (iv) o grau de lesão ou perigo de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; (v) os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; (vi) o porte das empresas ou a situação econômica do infrator; e (vii) a reincidência.

27.10.3. Termo de Cessação de Conduta

Em determinadas situações nas quais se verificam condutas que constituem infração contra a ordem econômica, ante a presença de fortes elementos aptos a uma condenação dos agentes investigados, surge a figura do Termo de Cessação de Conduta.

Trata-se de termo a ser celebrado entre as partes envolvidas na infração e o CADE, como meio de garantir importantes benefícios tanto para os seus aderentes, como a contribuição perante o CADE, para permitir a investigação e a punição de mais agentes infratores não identificados inicialmente.

O Termo de Cessação de Conduta está previsto no artigo 85 da Lei de Defesa da Concorrência, nos seguintes termos:

Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art. 48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei.

 

As disposições do referido artigo 85 devem, ainda, ser complementadas com as disposições do Regimento Interno do Cade (RICADE), em especial em sua seção III, que apresenta os procedimentos e requisitos para a apresentação do requerimento pelos representados, o processo de negociação e o julgamento da proposta final, conforme os artigos 179 a 183 do Ricade.

27.11. Revisão Judicial das Decisões do CADE

O CADE é a última instância, na esfera administrativa, responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial. Porém, as decisões do CADE podem ser contestadas na esfera judicial, conforme preconiza o art. 5°, XXXV, da CF, c/c art. 109, I. 

Nas ações em que o CADE figurar como autor ou réu ou na condição de assistente ou oponente, o foro competente é a Seção Judiciária do Distrito Federal. Por outro lado, nas causas em que se cuida da execução judicial das decisões do CADE, cominando multa ou impondo obrigação de fazer ou não fazer, o CADE poderá optar em propor a ação na sede do domicílio do executado. 

Ressalte-se que as decisões do CADE que impõem multa são títulos executivos extrajudiciais, de acordo com art. 93 da Lei n° 12.529/2011, devendo as multas ser inscritas na dívida ativa da União Federal. 

Não obstante o tempo despendido para análise de determinada transação/conduta na esfera administrativa, o processo também pode perdurar durante anos na esfera judicial, em razão da morosidade da Justiça. 

27.12. Relação entre o SBDC e Outras Instituições 

O SBDC atua em conjunto com órgãos federais e agências reguladoras, que são responsáveis por certos setores da economia, principalmente por infraestrutura e serviços públicos. 

Exemplo disso está no acordo de cooperação firmado em 2014 entre o CADE e a Controladoria-Geral da União (CGU), visando à cooperação técnica e operacional em relação à repressão a fraudes em licitações. 

Há diversos outros acordos firmados entre o CADE e órgãos governamentais, dentre os quais se destacam aqueles celebrados com a União Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Ministério Público de diversos estados brasileiros, INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, ICC Brasil – Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional e SNC – Secretaria Nacional do Consumidor.

O CADE possui, ainda, acordos internacionais com diversas nações, além de Tratados e Protocolos de Cooperação com países do MERCOSUL. O SBDC também participa de diversos encontros internacionais para troca de experiências da política antitruste, tais como, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e ICN (International Competition Network).

27.13. Incentivo a Programas de Compliance

Em vista dos riscos associados à prática de condutas anticoncorrenciais, tem sido incentivada a adoção de programas de compliance, inclusive pelo CADE, que publicou o “Guia – Programas de Compliance – Orientações Sobre Estruturação e Benefícios da Adoção dos Programas de Compliance Concorrencial”, estabelecendo diretrizes para as empresas a respeito desses programas, especificamente no âmbito da defesa da concorrência.

Não há um modelo único para programas de compliance, os quais podem ser mais ou menos complexos, a depender do porte, posição de mercado, atividades de cada empresa, dentre outros fatores.

Dentre os benefícios desses programas, podem ser citados os seguintes: prevenção de riscos de violação da legislação, identificação antecipada de problemas, reconhecimento de ilicitudes em outras organizações (concorrentes, fornecedores, distribuidores ou clientes), benefício reputacional, conscientização do quadro de pessoal e redução de custos e contingências.


Autoras: Sonia M. G. Marques Döbler, Fabiana Nitta e Graziella Dell´Osa

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