Doing Business in Brazil

4.7. Recursos genéticos, conhecimentos tradicionais e biotecnologia

12/06/23

Acesso a recursos genéticos: a nova legislação sobre biodiversidade no Brasil

Impacto nas atividades comerciais e nos pedidos de patente

Duas décadas após o advento das primeiras regras brasileiras que regulam a exploração da biodiversidade brasileira, ou seja, a revogada Medida Provisória nº 2186/2001 (que sucedeu a Medida Provisória nº 2052/2000), uma nova lei (Lei nº 13.123/2015) foi sancionada em 20 de maio de 2015. A nova lei traz muitas mudanças que certamente afetarão uma ampla gama de negócios que lidam com a biodiversidade brasileira.

A nova lei entrou em vigor em 17 de novembro de 2015 e é regulamentada pelo Decreto Federal n. 8.772/2016, publicado em 11 de maio de 2016 – (“Regulamento”), que fornece detalhes relevantes sobre repartição de benefícios, cadastro no banco de dados, definição de acesso, pedidos de patente, dentre outros.

Desde o ano 2000, o principal aspecto das regras brasileiras sobre atividades envolvendo componentes da biodiversidade brasileira gira em torno do conceito de “acesso”. De acordo com as regras anteriores, qualquer acesso ao chamado patrimônio genético e também ao conhecimento tradicional associado estava sujeito a autorização governamental que deveria ser obtida antes do próprio acesso. Além disso, o que constituiria um “acesso” não estava claramente definido.

Sob a nova lei, agora está claramente definido que um acesso sujeito a controle governamental só ocorrerá quando alguém realizar pesquisa ou desenvolvimento tecnológico. Entende-se que o primeiro está relacionado às atividades acadêmicas, enquanto o segundo é definido pela nova lei como um “trabalho sistemático realizado sobre o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional associado … a fim de desenvolver novos materiais, produtos ou dispositivos e melhorar ou desenvolver novos processos de uso econômico”. Essa nova definição provavelmente trará conforto às empresas que operam no Brasil, uma vez que, sob o antigo regime, o mero uso de ingredientes da biodiversidade local, sem qualquer tipo de desenvolvimento tecnológico, poderia às vezes ser considerado um “acesso” e, portanto, sujeito a autorização prévia, repartição de benefícios etc. Na prática, sanções foram impostas a empresas que simplesmente compravam ingredientes no mercado e os usavam na fabricação de produtos comuns.

Outra mudança significativa é uma definição mais clara do que constitui o patrimônio genético. Isso agora é definido como “informações de origem genética’ resultantes de plantas, animais, espécies microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias provenientes do metabolismo desses seres vivos ”. Agora está claro sob a lei que o acesso a substâncias metabólicas – e não apenas à informação genética – está sujeito ao controle governamental.

A nova lei deixa claro que os microorganismos também estão dentro do escopo do controle governamental.

Outra característica da nova lei é que o acesso aos recursos genéticos brasileiros agora está condicionado ao cadastro das atividades em um banco de dados denominado “SisGen” já em operação, no CGEN – Conselho Nacional de Recursos Genéticos – CGEN. Esse sistema será gerenciado pelo CGEN, que emitirá eventualmente um certificado de registro.

A Lei 13.123 e seu Regulamento estipulam, inter alia, que as empresas que desejam acessar (ou seja, a realização de “P&D”) recursos genéticos, registrar pedidos de patentes etc. devem realizar um registro (“cadastro”) diante de um banco de dados eletrônico chamado “SISGEN – Sistema Nacional Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado ”, em operação desde 6 de novembro de 2017. Por favor, confira o artigo 12 §2 da Lei 13.123:

Art. 12. Deverão ser cadastradas as seguintes atividades:

I – acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado dentro do País realizado por pessoa natural ou jurídica nacional, pública ou privada;

II – acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado por pessoa jurídica sediada no exterior associada a instituição nacional de pesquisa científica e tecnológica, pública ou privada;

III – acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado realizado no exterior por pessoa natural ou jurídica nacional, pública ou privada;

IV – remessa de amostra de patrimônio genético para o exterior com a finalidade de acesso, nas hipóteses dos incisos II e III deste caput ; e

V – envio de amostra que contenha patrimônio genético por pessoa jurídica nacional, pública ou privada, para prestação de serviços no exterior como parte de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico.

  • 1º O cadastro de que trata este artigo terá seu funcionamento definido em regulamento.
  • 2º O cadastramento deverá ser realizado previamente à remessa, ou ao requerimento de qualquer direito de propriedade intelectual, ou à comercialização do produto intermediário, ou à divulgação dos resultados, finais ou parciais, em meios científicos ou de comunicação, ou à notificação de produto acabado ou material reprodutivo desenvolvido em decorrência do acesso.
  • 3º São públicas as informações constantes do banco de dados de que trata o inciso IX do § 1º do art. 6º, ressalvadas aquelas que possam prejudicar as atividades de pesquisa ou desenvolvimento científico ou tecnológico ou as atividades comerciais de terceiros, podendo ser estas informações disponibilizadas mediante autorização do usuário.
    Se um novo produto for criado como resultado de um acesso aos recursos genéticos brasileiros, ele deverá ser cadastrado junto à agência governamental designada (CGen) e o correspondente acordo de repartição de benefícios deverá ser apresentado dentro de 1 ano. A participação nos benefícios pode assumir várias formas, mas acredita-se que a forma mais comum seja o pagamento de até 1% do preço líquido de venda mundial do produto a um fundo governamental (Fundo Nacional de Participação nos Benefícios – FNRB), que já está em operação.

Qualquer pessoa que tenha realizado acesso ao patrimônio genético brasileiro após 30 de junho de 2000 deve estar em conformidade com a nova lei dentro de prazos específicos. A principal avaliação a esse respeito é se as atividades realizadas no Brasil podem ser caracterizadas como um “acesso” ou não. Isso pode ser particularmente crítico quando, no passado, essas atividades eram consideradas um “acesso” e até resultavam na imposição de multas como resultado das chamadas Operações Novos Rumos I e II (Operações de Novos Caminhos I e II).

Qualquer violação à nova lei, em especial: (i) acesso irregular ao patrimônio genético e conhecimentos tradicionais associados, (ii) venda irregular de produtos derivados desse acesso e (iii) falta de pagamento de repartição de benefícios, dentre outros, está sujeito a várias sanções administrativas previstas na nova lei, como multas, apreensão de produtos, interdição da empresa infratora e outras. A lei não prevê sanções penais.

A nova lei também define condições para a remessa ao exterior de material derivado da biodiversidade brasileira.

Também deve ser esclarecido que a referida lei traz impactos nos pedidos de patentes decorrentes do acesso ao patrimônio genético brasileiro ou ao conhecimento tradicional associado, protocolados perante o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Referindo-se à lei de patentes brasileira, o requerente deve indicar no formulário de depósito se a invenção reivindicada deriva de um acesso aos recursos genéticos brasileiros.

Considerando que as empresas já realizaram atividades de acesso que envolvam patrimônio genético brasileiro ou conhecimento tradicional associado e pretendem requerer direitos de patente envolvendo esse produto, deverão cumprir a Lei 13.123 e as disposições do Regulamento. Observe que todo o registro e regularização necessários perante o CGEN e seu banco de dados SisGen devem ocorrer antes do depósito do pedido de patente, de acordo com os artigos 109 e 118 do Regulamento:

Art. 109. Para atender ao disposto no § 2º do art. 12 da Lei nº 13.123, de 2015, o usuário, no ato de requerimento de direito de propriedade intelectual, deverá informar se houve acesso a patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, como também se há cadastro de acesso realizado nos termos deste Decreto.

Art. 118. O usuário que requereu qualquer direito de propriedade intelectual, explorou economicamente produto acabado ou material reprodutivo, ou divulgou resultados, finais ou parciais, em meios científicos ou de comunicação, entre 17 de novembro de 2015 e a data de disponibilização do cadastro, deverá cadastrar as atividades de que trata o art. 12 da Lei nº 13.123, de 2015 e notificar o produto acabado ou o material reprodutivo desenvolvido em decorrência do acesso.

  • 1º O prazo para o cadastramento ou notificação de que trata o caput será de 1 (um) ano, contado da data da disponibilização do cadastro pelo CGen.
  • 2º Realizado o cadastramento ou notificação tempestivamente, o usuário não estará sujeito a sanção administrativa.

Concluindo, é importante analisar cada atividade específica realizada no Brasil a partir de junho de 2000, a fim de determinar quais medidas devem ser tomadas – se houver – a fim de estar em conformidade com a nova Lei e seu Regulamento, e se a empresa deverá firmar um Termo de Compromisso com o Governo Federal para regularizar as atividades pretéritas de acesso.

É importante ter em mente que o Brasil ratificou o Protocolo de Nagoya em 04 de maio de 2021 e os possíveis impactos desta adesão sobre a atual legislação brasileira de biodiversidade devem ser avaliados.


Autores:

Ana Claudia Mamede Carneiro – [email protected]

Walter Basílio Bacco Jr. – [email protected]

Dannemann Siemsen
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