Doing Business in Brazil

29. Direito Aeronáutico

29/06/23

29.1. Registro de Direitos de Aeronaves Registradas no Brasil

O Registro Aeronáutico Brasileiro (“RAB”) é o registro público por meio do qual a propriedade e outros direitos relativos a aeronaves registradas no Brasil são registrados. O RAB é operado pela Agência Nacional de Aviação Civil (“ANAC”). 

O RAB tem por atribuição (i) emitir certificados de matrícula e de aeronavegabilidade de aeronaves; (ii) registrar aeronaves; (iii) registrar ônus e gravames sobre aeronaves; e (iv) fornecer certificados que comprovem a titularidade de aeronaves e o registro de ônus e gravames. 

O registro de arrendamentos, subarrendamentos, hipotecas de aeronaves, contratos de novação, cessões de garantias e quaisquer outros ônus e garantias pertinentes relativos a aeronaves registradas no Brasil é uma prática padrão do RAB. A comprovação desses registros é obtida mediante a emissão de um Certificado do RAB. As partes que assinam documentos protocolados junto ao RAB devem apresentar comprovação que certifique seus poderes para assinar documentos em seu nome (tais como procurações ou seus atos societários). 

No caso de transferência de titularidade de uma aeronave registrada perante o RAB, essa transferência de titularidade será eficaz mediante a assinatura de uma nota de venda e seu registro perante o RAB. O registro de documentos que comprovem propriedade perante o RAB, tais como uma nota de venda, constitui prova da propriedade da aeronave, nos termos dos Artigos 72(II), 115(IV) e 116(V) do Código Brasileiro de Aeronáutica (“CBA”). 

Os documentos celebrados no exterior devem ser notarizados e apostilados e traduzidos para o português por um tradutor público juramentado antes de serem protocolados junto ao RAB. Além disso, caso essa transferência deva ser eficaz mediante a celebração de uma nota de venda e caso esse documento deva ser assinado no Brasil, a nota de venda deverá cumprir determinadas normas para que o documento seja protocolado perante o RAB, tais como: (i) ser assinada tanto pela vendedora quanto pela compradora; (ii) incluir as assinaturas de 02 testemunhas; (iii) ter todas as firmas reconhecidas por autenticidade ou assinados digitalmente através da plataforma ICP; e (iv) ser traduzida para o português por um tradutor público juramentado.

Além do registro perante o RAB, o credor/proprietário/arrendador de uma aeronave normalmente efetua o registro de sua garantia internacional para uma operação que envolva aeronaves perante o Registro Internacional.

Além do protocolo dos documentos perante o RAB e do Registro Internacional, os documentos (acompanhados por sua respectiva tradução pública juramentada para o Português) devem ser registrados perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos pertinente da sede do devedor/arrendatário brasileiro para que sejam válidos e exequíveis perante terceiros, incluindo, entre outros, os juízos brasileiros e as autoridades municipais, estaduais ou federais.

29.2. Arrendamentos

O RAB, os juízos brasileiros, o Banco Central do Brasil, a Receita Federal brasileira e outras autoridades reconhecem o conceito de arrendamento de aeronaves.

A escolha de uma lei estrangeira para reger contratos de arrendamento será considerada uma escolha válida de lei em qualquer ação no Brasil, desde que as exigências do Artigo 9 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942) sejam cumpridas. O Artigo 9 do Decreto-lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942, estabelece que as obrigações resultantes de contratos serão regidas e interpretadas em conformidade com as leis do local no qual elas tenham sido constituídas e o segundo parágrafo do mesmo Artigo 9 estabelece que as obrigações resultantes dos contratos reputam-se constituídas no lugar em que residir o proponente. O juízo brasileiro poderá solicitar que a parte que alegar questões de direito estrangeiro comprove sua existência e conteúdo, bem como sua vigência.

Não é necessário que os contratos de arrendamento sejam celebrados em uma forma específica. A arrendadora e a arrendatária são livres para negociar os termos e todas as cláusulas do contrato de arrendamento. Os contratos de arrendamento não precisam ser redigidos em português. Para que sejam válidos e exequíveis no Brasil, os contratos de arrendamento devem ser assinados pela arrendadora, pela arrendatária e por 2 (duas) testemunhas e suas assinaturas devem ser devidamente notarizadas ou assinados digitalmente através da plataforma ICP. Caso sejam celebrados no exterior pela arrendadora, a assinatura da arrendadora deverá ser notarizada e apostilada. Uma vez concluídas a notarização e a apostila, o contrato de arrendamento (caso redigido em qualquer outro idioma que não o português) deverá ser traduzido por um tradutor público juramentado.    

Uma cópia integral dos contratos de arrendamento será protocolada perante o RAB e, uma vez que o RAB é aberto para escrutínio público, qualquer pessoa pode solicitar a emissão de um certificado da aeronave, o qual conterá um resumo dos documentos ali registrados. Para extinguir um arrendamento registrado perante o RAB, a arrendadora e a arrendatária deverão celebrar uma rescisão contratual.

29.3. Rescisão e execução de arrendamentos (presumindo-se que o devedor brasileiro não esteja sujeito a nenhuma forma de proteção à insolvência)

Medidas jurídicas de autoproteção não são permitidas nos termos das leis brasileiras. Mediante a ocorrência de um evento de inadimplemento e na ausência de uma devolução voluntária da aeronave à arrendadora estrangeira pela arrendatária, o processo judicial para reintegração de posse de aeronaves nos termos das leis brasileiras é a ação de reintegração de posse ajuizada pela arrendadora contra a arrendatária.

A reintegração de posse de aeronaves no Brasil será mais fácil caso o contrato de arrendamento contenha disposições expressas que permitam que a arrendadora rescinda unilateralmente o contrato de arrendamento em caso de inadimplemento pela arrendatária que não seja sanado (“cláusula resolutiva expressa”). O passo inicial para o ajuizamento de uma ação de reintegração de posse, nesse caso, é a entrega de uma notificação extrajudicial à arrendatária inadimplente, por meio do Cartório de Registro de Títulos e Documentos pertinente. Essa notificação de inadimplemento deve declarar especificamente os eventos de inadimplemento conforme previstos no contrato de arrendamento e conferir um período curto para que seja sanado o inadimplemento, normalmente de 24 a 48 horas. A notificação também deve declarar que caso a arrendatária não sane o inadimplemento, o contrato de arrendamento será considerado automaticamente rescindido, sem necessidade de qualquer processo judicial para esse fim, nos termos da cláusula resolutória expressa contida no contrato.

Caso o contrato de arrendamento não contenha uma cláusula resolutória expressa, para cumprimento das exigências previstas nas leis brasileiras para tal ação a arrendadora estrangeira deverá protocolar uma interpelação judicial contra a arrendatária, em conformidade com o artigo 474 do Código Civil brasileiro, notificando a ocorrência e persistência de um evento de inadimplemento e, portanto, requerendo que a Arrendatária sane tal evento de inadimplemento sob pena de rescisão do Contrato de arrendamento. 

Em qualquer dessas hipóteses, caso a arrendatária não sane o inadimplemento, uma ação de reintegração de posse será então ajuizada, com base no fato de que a rescisão do contrato de arrendamento tornou ilegal a continuidade da posse da aeronave pela arrendatária. Caso o juiz esteja satisfeito com a documentação apresentada juntamente com a petição inicial, ele poderá conceder a reintegração provisória da aeronave à arrendadora, sem que seja ouvida a arrendatária.

Caso o juiz não esteja satisfeito com a documentação apresentada juntamente com a petição inicial, ele poderá solicitar à arrendadora que justifique suas alegações e intimará a arrendatária para a audiência na qual essa justificativa será apresentada. Caso o juiz esteja satisfeito com a justificativa, ele proferirá uma ordem de reintegração provisória.

Quer a reintegração provisória seja concedida ou não à arrendadora, a reivindicação prosseguirá em conformidade com o rito ordinário, conforme previsto no Código de Processo Civil brasileiro, até que uma decisão final seja proferida pelo juízo.

A reintegração provisória pode ser obtida em 3 (três) dias, por meio de medida liminar, caso o juiz esteja satisfeito com a documentação e os argumentos apresentados pela arrendadora. A reivindicação então prosseguirá em conformidade com o procedimento ordinário. Normalmente, a decisão sobre a reivindicação no primeiro grau de jurisdição é proferida em aproximadamente um ano. Os prazos para julgamento de apelação às instâncias superiores são muito difíceis de se prever, pois frequentemente eles dependem da pauta do juízo naquele momento.

O ordenamento jurídico brasileiro é complexo e praticamente todas as decisões proferidas por um juízo estão sujeitas a agravos e recursos de apelação. A impetração de recursos pode provocar atrasos em qualquer estimativa de duração de processos judiciais.

As custas relacionadas ao ajuizamento de ações no Brasil dependem essencialmente da lei estadual do Estado no qual a ação seja ajuizada. Em geral, as custas judiciais iniciais variam de 0,5 a 1% do valor da causa. O valor da causa corresponderá ao benefício econômico pleiteado pelo autor (aqui, a arrendadora). Em caso de ações de reintegração de posse fundadas em dívidas, os juízos tendem a entender que o valor da causa é o valor da dívida. Em caso de recurso, os juízos cobrarão outra taxa, normalmente entre 1 a 4% do valor da causa.

Ainda, em conformidade com as disposições do Artigo 83 do Código de Processo Civil brasileiro, um autor que não seja residente no Brasil é obrigado a prestar caução em favor do juízo. A caução poderá ser prestada em dinheiro ou alguma outra forma de garantia (sujeita à aprovação do juízo) para cobrir as custas judiciais e os honorários dos advogados, normalmente em um valor equivalente a 10% a 20% do valor da causa.

Para que sejam reconhecidas e executadas no Brasil, as sentenças estrangeiras devem se sujeitar a um exequatur conduzido perante o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”). 

Os pré-requisitos para a execução de sentenças estrangeiras no Brasil são os seguintes, em conformidade com o artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 217 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e Resolução nº. 9 do STJ:

(a) A sentença deve ter sido proferida por um juízo competente;

(b) As Partes da ação devem ter sido legalmente citadas perante o juízo estrangeiro (caso a parte a ser citada seja domiciliada no Brasil, a citação deverá ser efetuada por meio de Cartas Rogatórias ou pela citação de um procurador devidamente constituído;

(c) A sentença deve ser irrecorrível e cumprir todas as formalidades exigidas para sua exequibilidade no país no qual foi proferida;

(d) A sentença deve ter sido apostilada e ser acompanhada de uma tradução para o português feita por tradutor juramentado; e

(e) A sentença não pode ofender a soberania nacional do Brasil, a política pública ou os bons costumes.

Em conformidade com as disposições do Artigo 221 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o processo de exequatur perante o STJ não implica reanálise das questões. A defesa da arrendatária nesse caso será limitada à autenticidade dos documentos, à interpretação da decisão estrangeira e à inobservância das exigências referidas acima.

O processo judicial para cobrança de valores devidos nos termos de um contrato de arrendamento é a ação de cobrança, também denominada ação ordinária. Nesse tipo de processo, as partes têm ampla oportunidade para produzir provas e recorrer de decisões judiciais interlocutórias ou definitivas. Dependendo das características do contrato de arrendamento, ele pode permitir o ajuizamento de uma ação de execução, que é um processo mais célere.

29.4. Falência

No Brasil, a falência envolve tanto a recuperação (judicial ou extrajudicial) de um devedor quanto a liquidação da sociedade.

A Lei de Falências e Recuperação de Empresas (“Lei de Falências”) estabelece que os direitos da arrendadora não serão afetados pela recuperação judicial ou liquidação da arrendatária, quer a aeronave esteja sujeita a um arrendamento operacional ou arrendamento financeiro. 

Em caso de recuperação judicial, os juízos brasileiros já entenderam que direitos decorrentes de contratos de arrendamento (de qualquer tipo de ativos) poderiam ser suspensos por um período de 180 (cento e oitenta) dias caso o ativo arrendado fosse absolutamente necessário para preservar a atividade da empresa durante esse período. Esse é o período concedido pela lei para que o devedor apresente e obtenha a aprovação de um plano de recuperação aprovado por seus credores. Independentemente do acima exposto, as condições dos contratos de arrendamento de aeronave não podem ser afetadas por planos de recuperação.

Um exemplo que pode ser observado é o da aérea AVIANCA Brasil (Oceanair Linhas Aéreas) que entrou com pedido de recuperação judicial em dezembro de 2018, após acumular dívidas de aproximadamente R$ 2,7 bilhões. Após 4 (quatro) meses do pedido, 10 (dez) aeronaves foram reavidas pelo arrendador  fundamentada em decisão favorável em processo de reintegração de posse. Outras 8 (oito) aeronaves foram devolvidas aos arrendadores, mas de forma amigável. Em 14 de julho de 2020, a Avianca teve a sua falência decretada.

Em caso de liquidação, a arrendadora poderá reivindicar a posse da aeronave imediatamente, na medida em que ela cumpra as exigências legais e o processo judicial para fazê-lo (ação de reivindicação de posse). O administrador judicial poderá discutir com a arrendadora a manutenção do contrato de arrendamento, desde que o juízo autorize a continuidade provisória das atividades da sociedade falida.

A classificação dos créditos em caso de liquidação é prevista no Artigo 83 da Lei de Falências, como segue:

(i) os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho; 

(ii) os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado;

(iii) os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias;

(iv) os créditos quirografários;

(v) as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias;

(vi)  os créditos subordinados; e

(vii) os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no art. 124 da Lei de Falências.

29.5. Exportação e cancelamento de registro de aeronaves registradas no Brasil

Mediante a rescisão do contrato de arrendamento, mediante término da vigência ou de outra forma, a arrendadora estrangeira poderá: (i) reintegrar-se na posse da aeronave com a cooperação da arrendatária ou, na ausência dessa cooperação, por meio da ação judicial adequada; (ii) cancelar o registro da aeronave perante o RAB, em conformidade com as disposições do Artigo 75 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986; e (iii) exportar a aeronave para fora do Brasil. A aprovação das autoridades alfandegárias e da ANAC é exigida para exportação da aeronave. 

Desde 1º de março de 2012, a Convenção da Cidade do Cabo sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis (a “Convenção da Cidade do Cabo”) e o respectivo Protocolo Relativo a Questões Específicas ao Equipamento Aeronáutico (o “Protocolo Aeronáutico”) estão em vigor no Brasil. Apesar disso, para questões locais, a Convenção da Cidade do Cabo e o Protocolo Aeronáutico estão em vigor desde 16 de maio de 2013, nos termos do Decreto nº. 8008, de 15 de maio de 2013. O Protocolo Aeronáutico foi integralmente implementado em 21 de março de 2014 nos termos da Resolução 309 da ANAC (“Resolução”), de 18 de março de 2014 e, na qualidade de ponto de entrada autorizador designado para fins de registro perante o Registro Internacional, o RAB emitiu um regulamento interno estabelecendo essa mecânica que permite o registro de garantia sobre aeronaves e motores registrados no Brasil perante o  Registro Internacional. 

Nos termos da Declaração feita pelo Brasil nos termos do Artigo XXX, parágrafo 1, com relação ao Artigo XIII do Protocolo Aeronáutico, uma autorização irrevogável para o cancelamento de registro e solicitação de exportação (“IDERA”) emitido na forma exigida pela Convenção da Cidade do Cabo e registrada perante o RAB é plenamente eficaz para autorizar a arrendadora a agir em conformidade com os termos ali previstos e pleitear o cancelamento de registro da aeronave perante o RAB, bem como providenciar a exportação e transferência física da aeronave do Brasil, observados os termos do Artigo IX do Protocolo Aeronáutico. A IDERA não poderá ser revogada pela arrendatária sem o consentimento por escrito da arrendadora. 

Um exemplo a ser citado foi o caso da AVIANCA Brasil em que, os proprietários da aeronaves objetivando reaver a posse, solicitaram a ANAC o cancelamento de 10 (dez) aeronaves através do IDERA e após alguns contratempos no Judiciário Brasileiro, obtiveram sucesso em tal empreitada. Assim como exposto no tópico anterior, outras 8 (oito) aeronaves foram devolvidas de forma amigável, após decisão judicial. 

Temos ciência de precedentes no Brasil com relação ao uso ou aceitação de uma autorização irrevogável para o cancelamento de registro e solicitação de exportação pelo RAB em casos nos quais as reintegrações de posse não foram hostis (reintegrações amigáveis). Nesses casos, embora a exportação e o cancelamento de registro de uma Aeronave registrada no Brasil exigiriam a emissão de uma autorização de Exportação pela Secretaria da Receita Federal (“SRF”), o RAB aceitou o cancelamento de registro da aeronave com base unicamente em uma autorização irrevogável para o cancelamento de registro e solicitação de exportação e permitiu que o proprietário da aeronave fosse imitido na posse e voasse com a aeronave para o exterior. Entretanto, considerando que as normas aplicáveis do RAB exigem a exportação anterior da aeronave e que a SRF não emitiu nenhum regulamento reconhecendo os termos da Convenção da Cidade do Cabo, não é possível garantir que em casos futuros o RAB não irá solicitar a documentação de exportação antes de realizar o cancelamento de registro com base em autorizações irrevogáveis para o cancelamento de registro e solicitação de exportação. 

29.6. Detenção de aeronaves registradas no Brasil

O Artigo 303 do CBA estabelece que uma aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou pela polícia federal nos seguintes casos:

(i) se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções internacionais ou das autorizações aeronáuticas brasileiras exigidas para que voe no espaço aéreo brasileiro;

(ii) se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

(iii) para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;

(iv) para verificação de sua carga em caso de restrição legal, tais como substâncias perigosas para a segurança pública;

(v) para averiguação de ilícito.

Além disso, em conformidade com as disposições dos Artigos 305 e 306 do CBA, uma aeronave pode também ser interditada (“interdição”) pela autoridade aeronáutica que a proíbe de voar, mas permite que ela opere apenas caso exigido para fins de manutenção. A interdição poderá ocorrer nas seguintes situações:

(i) Quando uma aeronave violar as normas relativas a seu uso;
(ii) Durante a investigação de um acidente em que a aeronave estiver envolvida.

Além disso, o Artigo 308 do Código Brasileiro de Aeronáutica prevê a apreensão de uma aeronave para preservar a eficácia da detenção ou interdição referidas acima, o que significa que caso o proprietário ou operador de uma aeronave detida ou interditada não cumprir a determinação, essa aeronave será apreendida pela autoridade competente, até que suas demandas sejam cumpridas.

O proprietário ou operador da aeronave terá o direito de ser indenizado caso qualquer dos atos acima seja realizado com abuso de poder. De outra forma, nenhuma indenização será devida.

Exceto nos casos acima, os quais dizem respeito a operações irregulares, a interferência governamental é rara. A requisição da aeronave/motor poderá ser exigida em caso de guerra efetiva ou iminente ou de grande emergência nacional.

Aeronaves usadas para contrabando ou tráfico de drogas podem ser confiscadas, após o devido processo legal, conforme previsto no Artigo 91, item II (a) do Código Penal brasileiro e no artigo 34 da Lei de Drogas (Lei 6.368/76, conforme alterada).

A lei brasileira estabelece ainda que aeronaves podem ser objeto de penhora ou arresto como resultado de execução fiscal, por meio da inclusão da dívida tributária devida por seu proprietário em relação aos créditos da União (Lei de Execuções Fiscais, artigo 2, parágrafo1).

29.7. Capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras

Em 17 de junho de 2019, o governo brasileiro editou a Lei nº. 13.842/2019, a qual alterou o Código Brasileiro Aeronáutico – CBA permitindo que 100% (cem por cento) do capital com direito a voto de uma companhia aérea brasileira seja detido por uma sociedade estrangeira. Até então, o CBA promulgado em 1986 limitava o percentual de ações com direito a voto que os investidores podem deter em companhias aéreas brasileiras a 20% (vinte por cento).  Referido aumento do limite de investimento estrangeiro em companhias aéreas brasileiras estava sendo amplamente discutido desde 2009. 

A permissão para que o investimento estrangeiro de 100% em companhias aéreas brasileiras já trouxe reflexos positivos pois está atraindo a atenção de diversas aéreas low cost para o mercado aéreo brasileiro, sendo que algumas delas para cá já começaram a voar. 

Espera-se também que tal medida, torne o setor aéreo brasileiro mais competitivo e leve a um aumento de voos domésticos, bem como a uma expansão das rotas internacionais ofertadas por companhias aéreas brasileiras.

29.8. Proteção aos consumidores no setor aéreo

A Resolução ANAC nº. 400, de 13 de dezembro de 2016, conforme alterada de tempos em tempos, teve por objetivo a proteção de passageiros em caso de atraso ou cancelamento de voos ou preterição de embarque. Em caso de atraso do voo, a companhia aérea deverá notificar os passageiros sobre o atraso e a previsão do horário de partida. Caso o voo atrase por mais de quatro horas ou caso o voo seja cancelado ou um passageiro não seja capaz de embarcar em um voo de conexão em razão do atraso, a companhia aérea deverá oferecer as seguintes alternativas: (i) embarque em outro voo; (ii) reembolso da tarifa efetivamente paga, incluindo impostos e taxas aeroportuárias; ou (iii) realização do transporte por meio de outros meios de transporte.

Em caso de atrasos e cancelamentos de voo, assistência relevante deve ser oferecida da seguinte forma: (i) superior a uma hora: acesso a meios de comunicação; (ii) superior a duas horas: uma refeição compatível com o horário do dia ou um vale-refeição; (iii) superior a quatro horas: acomodação em hotel em caso de espera durante a noite e transferências em solo.

A Resolução ANAC nº. 280, de 11 de julho de 2013, tem por finalidade a proteção de passageiros com necessidades de assistência especial. De acordo com essa Resolução, passageiros com necessidades de assistência especial incluem: (a) pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos; (b) gestantes e lactantes; (c) pessoas acompanhadas por crianças de colo; (d) pessoas com mobilidade reduzida; ou (e) qualquer pessoa que por alguma condição específica tenha limitação na sua autonomia como passageiro.

Com relação à responsabilidade das companhias aéreas perante os juízos brasileiros, com base em uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a Convenção de Montreal será aplicada pelos juízos brasileiros em lugar do Código de Defesa do Consumidor em casos como o de perda de bagagem.  Antes dessa decisão, os juízos brasileiros inclinavam-se a negar exequibilidade à Convenção de Montreal e costumavam adotar o Código de Defesa do Consumidor na grande maioria dos casos. Acreditamos que essa mudança terá um grande impacto sobre a forma como os processos judiciais são julgados, em razão das limitações a indenização e das disposições de prescrição estabelecidas nas convenções.

29.9. Serviços de transporte aéreo

Os serviços de transporte aéreo no Brasil são regulados. Para prestar serviços de transporte aéreo, uma sociedade deve obter uma licença para operar como companhia aérea. Essa licença é emitida pela ANAC para serviços de transporte de carga e serviços de transporte de passageiros regular e não regular.

As companhias aéreas que pleiteiem autorização para operar no Brasil devem iniciar o processo mediante submissão, à ANAC, de pedido de autorização para praticar suas atividades no Brasil, em conformidade com as disposições do Artigo 205 do CBA. Basicamente, companhias aéreas estrangeiras devem (i) ser designadas para operar no Brasil pelo governo de seu respectivo país, (ii) obter da ANAC autorização de funcionamento no Brasil e (iii) obter da ANAC autorização para operar os serviços aéreos no Brasil.

Companhias aéreas internacionais devem nomear um representante legal permanente no Brasil e comprovar sua constituição, bem como apresentar seus atos constitutivos. Além disso, companhias aéreas estrangeiras devem apresentar à ANAC (a) seus planos técnico e operacional; (b) as tarifas que pretendem aplicar; (c) as cidades nas quais pretende parar no Brasil e as demais escalas no exterior e (d) os horários específicos nos quais planeja voar para dentro ou fora do Brasil.

 


Autoras: Ana Luisa Castro Cunha Derenusson e Rita de Cassia Fernandes de Godoy

De Luca, Derenusson, Schuttoff e Azevedo Advogados – DDSA Advogados

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