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11.22. Aspectos gerais dos tratados para evitar a dupla tributação

30/06/23

11.22. Aspectos gerais dos tratados para evitar a dupla tributação

O Brasil firmou tratados para evitar a dupla tributação (“TDT”) com determinados países para facilitar o fluxo de capitais em âmbito internacional. Em linhas gerais, os TDT têm por objetivo evitar a dupla tributação jurídica da renda por meio da restrição da competência tributária dos Estados contratantes em relação a determinadas situações e rendimentos envolvendo seus residentes ou pela garantia de concessão de crédito relativo ao imposto pago no exterior – método eleito pelo Brasil para mitigação da dupla tributação internacional. Os TDT podem, ainda, estabelecer restrições de alíquotas de retenção na fonte em relação aos rendimentos por ele tratados. Além disso, os TDT definem regras para determinação da residência fiscal na hipótese de conflito.

11.22.1. Supremacia dos TDT sobre a legislação interna

Pode-se inferir a prevalência dos TDT sobre a legislação interna a partir da análise combinada dos arts. 5º, § 2º, e 150, caput, da Constituição Federal. O § 2º do art. 5º dispõe que os direitos e garantias fundamentais assegurados pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil devem ser observados pela legislação interna infraconstitucional. Já o caput do art. 150, que trata das limitações do poder de tributar, inclui as questões tributárias no conceito de direitos fundamentais. Além disso, o art. 98 do Código Tributário Nacional (“CTN”) determina expressamente que os tratados e convenções internacionais em matéria tributária devem prevalecer sobre a legislação interna. Decisões dos tribunais superiores brasileiros – Supremo Tribunal Federal (“STF”) e Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) – que tratam do art. 98 do CTN reconhecem a prevalência dos TDT em face da legislação doméstica.

Portanto, os TDT devem ser observados pela legislação doméstica brasileira e derrogam a aplicação desta na hipótese de conflito.

11.22.2. Tributos visados pelos TDT

No Brasil, a tributação sobre a renda envolve os seguintes tributos: (i) Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (“IRPF”); (ii) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), que onera os lucros tributáveis da pessoa jurídica; e (iii) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), tributo essencialmente semelhante ao IRPJ, mas com ligeiras variações em sua base de cálculo.

IRPF e IRPJ são expressamente abrangidos pelos TDT. A CSLL, contudo, pode estar expressamente prevista ou não, tendo em vista que ela foi criada após a entrada em vigor de muitos dos TDT celebrados pelo Brasil. Por muitos anos, discutiu-se se a CSLL estaria abrangida pelos TDT que não a mencionassem expressamente, tendo em vista a existência de uma semelhança substancial entre ambos os tributos e a regra prevista nos Artigos 2, parágrafos 2, dos TDT assinados pelo Brasil, que garante a aplicação dos tratados a tributos substancialmente semelhantes – caso do IRPJ e da CSLL.

A controvérsia foi resolvida pelo art. 11 da Lei nº 13.202/2015, o qual estabeleceu, em caráter interpretativo (e, portanto, retroativo), que os TDT são aplicáveis à CSLL. 

Com relação aos demais tributos que oneram receitas (PIS e Cofins) e remessas ao exterior (CIDE-royalties), há um consenso em torno da não aplicação dos TDT a eles, apesar de existir uma corrente que defende sua aplicação à CIDE-royalties. 

11.22.3. TDT firmados pelo Brasil

Atualmente, estão em vigor os TDT firmados pelo Brasil com 36 países: África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Emirados Árabes Unidos, Equador, Eslováquia, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Peru, Portugal, República Tcheca, Rússia, Singapura, Suécia, Suíça, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e Venezuela.

O Brasil celebrou, ainda, TDT com o Paraguai, Uruguai e Reino Unido, todos ainda pendentes de aprovação pelo Congresso Nacional para que possam tornar-se vigentes.

11.22.4. TDT Brasil-Suíça

O tratado foi promulgado pelo Decreto nº 10.714/2021 e passou a produzir efeitos internos em 1º de janeiro de 2022.

O TDT firmado entre Brasil e Suíça reflete as cláusulas-padrão da Convenção-Modelo da OCDE, contempla cláusulas denominadas “antiabuso”, inseridas no contexto da Ação 6 do programa de prevenção a “Base Erosion and Profit Shifting” (“BEPS”). Dentre as previsões do TDT firmado entre Brasil e Suíça, destacam-se:

(a) Dividendos
O TDT prevê a limitação da tributação na fonte de juros à alíquota de 10% caso o beneficiário efetivo seja residente de outro Estado contratante e, pelo período mínimo de 365 dias, detiver diretamente pelo menos 10% do capital da sociedade pagadora dos dividendos. Nas demais hipóteses, tributação na fonte ocorrerá à alíquota de 15% do montante bruto dos dividendos.

(b) Juros
O TDT estabelece a limitação da tributação na fonte dos juros à alíquota de 10% na hipótese de o beneficiário efetivo ser um banco residente do outro Estado contratante, bem como de o empréstimo ser concedido para o financiamento da compra de equipamentos ou de projetos de investimento, por pelo menos 5 anos. Nos demais casos, tributação na fonte ocorrerá à alíquota de 15%.

(c) Royalties
Há previsão de limitação da tributação na fonte à alíquota de 15% no caso de o beneficiário efetivo dos “royalties ser residente do outro Estado contratante e desde que provenientes do uso, ou do direito de uso, de marcas de indústria ou de comércio. Nos demais casos, tributação na fonte ocorre à alíquota de 10%.

(d) Serviço técnico
O Acordo estabelece uma previsão específica para tributação de serviços técnicos (13), não sendo aplicável ao tema, portanto, o artigo referente aos lucros (7) das empresas nem o artigo relativo aos royalties (12). O termo “remunerações por serviços técnicos” restou definido como qualquer serviço de natureza gerencial, técnica ou de consultoria, com algumas exceções. Em relação à tributação, prevê o Acordo que as remunerações por serviços técnicos poderão ser tributadas na fonte (Estado-fonte) à alíquota de 10% se o beneficiário efetivo das remunerações for residente do outro Estado (Estado-residência).

(e) Pessoas visadas e aplicação do Acordo aos entes públicos

O Acordo, de forma inédita no Brasil, prevê que os rendimentos obtidos por meio de uma entidade transparente (tais como partnerships e trusts) e dos veículos de investimento coletivo (como os fundos de investimento), serão considerados como rendimentos do residente de um dos Estados Contratantes, desde que sejam tratados como tal para fins de tributação. Ou seja, o Acordo admite tais entidades como sujeitos (pessoas visadas). Ainda, o Acordo expressamente inclui no termo “residente de um Estado Contratante” os fundos de pensão e as organizações operadas para fins religiosos, caritativos, científicos, culturais, esportivos ou educacionais, desde que estabelecidos nesse Estado.

(f) Indicação da CSLL
O TDT Brasil-Suíça expressamente indica a CSLL no rol de tributos abrangidos pelo Acordo.

(g) Troca de informação
O TDT também determina o intercâmbio de informações relevantes para a aplicação do Acordo ou para a administração e cumprimento da legislação interna dos Estados Contratantes relativas aos tributos visados pelo referido Acordo.

(h) Cláusula Geral Anti-Abuso (“LOB Clause”)
O TDT contém uma Cláusula (27) que veda a aplicação dos benefícios do TDT caso sua obtenção tenha sido um dos principais objetivos de qualquer arranjo negocial ou transação executados para que o TDT fosse aplicado. 

O parágrafo 2 da Cláusula também prevê a não aplicação das limitações de tributação caso um dos estados contratantes deixar de tributar ou reduzir substancialmente (abaixo de 60% da tributação da renda ordinária) os rendimentos de uma sociedade decorrentes de: (a) transporte marítimo; (b) atividades bancárias, financeiras, de seguros, de investimento ou similares; ou (c) ser a sede, centro de coordenação ou entidade similar que ofereça serviços administrativos ou outro suporte para um grupo de sociedades que exerçam suas atividades empresariais principalmente em terceiros Estados.

O parágrafo 3 da Cláusula veda a aplicação dos benefícios a pessoas jurídicas caso mais de 50% de seus direitos de participação e voto sejam detidos, direta e indiretamente, por pessoas residentes fora dos estados contratantes. Essa regra deixa de ser aplicável nos casos em que a pessoa jurídica que quer se beneficiar do TDT tenha suas ações negociadas em Bolsa de Valores ou exercer uma atividade negocial substancial que não seja a mera posse de valores mobiliários ou quaisquer outros ativos, ou a mera realização de atividades auxiliares, preparatórias ou outras atividades similares relativamente a outras entidades relacionadas.

Por fim, o parágrafo 4 da Cláusula contém regras para evitar a utilização abusiva de um estabelecimento permanente.

11.22.5. Tratados para troca de informações firmados pelo Brasil

Dentro do contexto da política mundial de integração de informações financeiras e fiscais, o Brasil firmou acordos multilaterais e bilaterais para trocas desse tipo de informações. Em 2011, o Brasil firmou a Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais, que prevê o compartilhamento de informações e documentos fiscais, bem como a cooperação em procedimentos de fiscalização e a assistência na recuperação de créditos tributários entre os diversos países signatários. A Convenção, aprovada pelo Congresso Nacional em abril de 2016 e ratificada, em âmbito internacional, em junho do mesmo ano, entrou em vigor em outubro de 2016. Com amparo em tal instrumento, o Brasil comprometeu-se a adotar padrões internacionais de trocas de informações, o que permite a troca automática de informações.

Bilateralmente, existem acordos para troca de informações vigentes com Argentina, Estados Unidos, Jersey, Reino Unido e Suíça. O Brasil também assinou acordos para troca de informações com outras jurisdições, os quais ainda não estão vigentes devidos a trâmites internos necessários nos países signatários.

Troca de Informações entre Brasil e Estados Unidos

O Brasil firmou o Acordo para Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos (“TIEA”) e o Acordo para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA (“IGA”). O TIEA, que vige desde 19.3.2013, objetiva a assistência mútua para a troca de informações que possam ser pertinentes à administração e ao cumprimento das leis tributárias internas dos países, inclusive no que se refere à determinação, ao lançamento e à cobrança de tributos, ou, ainda, à investigação e à instauração de processos relativos a questões tributárias de natureza criminal. O Acordo foi aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 211/13 e promulgado pelo Decreto nº8.003/13. Já o IGA, celebrado em 23.9.2014, prevê o compartilhamento automático, entre as autoridades fiscais brasileiras e americanas, de informações referentes às contas de nacionais ou residentes do Brasil e dos Estados Unidos em instituições financeiras do outro país contratante. Em âmbito interno, referido Acordo foi aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 146/15 e pelo Decreto nº 8.506/15.

Troca de Informações entre Brasil e Suíça

Em 23.11.2015, Brasil e Suíça firmaram Acordo para o Intercâmbio de Informações sobre Matéria Tributária, o qual prevê o compartilhamento de informações fiscais e financeiras entre as autoridades fiscais dos dois países. Referido o Acordo condiciona a troca de informações ao pedido específico das autoridades fiscais, dispensando-se, contudo, a necessidade de autorização judicial para a disponibilização dos dados. O acordo foi promulgado em 30.05.2019, por meio do Decreto nº 9.814/2019. Assim, desde 1º de janeiro de 2020, Brasil e Suíça podem intercambiar informações relativas a todas obrigações tributárias ocorridas a partir de 1º de janeiro de 2020. 

O TDT vigente desde janeiro de 2022 (item 11.22.4) também prevê regras para troca de informações.


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