Doing Business in Brazil

36. Inovação, Startups e Corporate Venture

01/08/25

Desafios da Tributação na Economia Digital

A digitalização da economia é uma realidade inquestionável, fruto do desenvolvimento tecnológico verificado nos últimos anos. No Brasil, tal realidade impõe desafios à aplicação da legislação tributária, principalmente considerando que o sistema tributário é baseado em Constituição Federal rígida, promulgada em 1988, época em que a economia digital era impensável. Nesse sentido, os termos “digital” e “internet” sequer constam do texto constitucional, em quaisquer de suas partes. Assim, verifica-se que o sistema tributário brasileiro tem sua base em uma Constituição “analógica”.

O ambiente inovador da economia digital contribuiu para o nascimento de novos modelos de negócio e relações de consumo, impulsionados pela revolução digital. Essa nova revolução alterou os modos e os meios utilizados na produção, circulação e uso daquilo que a atividade econômica disponibiliza para atender às demandas de consumidores, com a prevalência de ativos intangíveis como grandes componentes de valor das empresas.

Dentre os novos modelos de negócio e relações de consumo destacam-se: a computação em nuvem (cloud computing), as plataformas de mídia digital, as plataformas de economia compartilhada, o e-commerce, o streaming de conteúdo de áudio e vídeo na internet, os marketplaces, as startups e fintechs, além de outros.

Referidas mudanças trazem dificuldades de qualificação desses modelos e relações para fins de definição dos tributos incidentes no âmbito da economia digital. Isso porque, como mencionado, o sistema constitucional tributário brasileiro vigente foi moldado com base na economia “tradicional”, com a prevalência de bases tributárias distintas para a tributação de mercadorias e serviços. Tais mudanças acarretam, ainda, em conflitos de competência entre os entes tributantes, especialmente entre Estados e Municípios.

Especificamente no tocante ao uso da tecnologia nos novos modelos de negócio encontra-se, ainda, a problemática de se definir se ela representa mera ferramenta para o desenvolvimento do negócio (“atividade meio”) ou o objeto de próprio negócio (“atividade fim”). As implicações tributárias nessas situações são distintas.

Espera-se que a Reforma Tributária sobre o consumo, já aprovada e em fase de implementação no Brasil, com vigência a partir de 2027, ao unificar a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”) e o Programa de Interação Social (“PIS”), e, especialmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (“ICMS”) e o Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (“ISS”), traga simplificação ao complexo sistema tributário brasileiro, especialmente em relação aos modelos de negócios da economia digital.

Com a Reforma Tributária, o ICMS e o ISS serão substituídos por um imposto único, o Imposto Sobre Bens e Serviços (“IBS”), o qual incidirá, de forma ampla, sobre qualquer ato de consumo. Assim, a expectativa é de que sejam eliminadas discussões sobre a natureza jurídica dos modelos de negócios associados às novas tecnologias, e que, como regra, todas essas operações passem a ser tributadas pelo IBS.

A seguir, serão apresentados alguns aspectos relacionados à incidência tributária brasileira atual sobre determinados modelos de negócio que surgiram no âmbito da economia digital e uma visão inicial sobre o panorama esperado com a implementação da Reforma Tributária sobre o consumo. O objetivo desta publicação é apresentar considerações gerais sobre o assunto com fins informativos. Ressaltamos que a matéria é complexa e, em razão, disso, não pretendemos esgotar o assunto nesta publicação.

1. Tributação do software

1.1. Regimes tributários básicos

As informações gerais relacionadas aos regimes tributários a que as pessoas físicas e jurídicas podem se submeter no Brasil encontram-se nos itens 11.1 a 11.21 da publicação “Doing Business in Brazil” da Swisscam Brasil1.

Serão apresentadas, a seguir, algumas particularidades dos regimes aplicáveis a pessoas jurídicas que atuam com a atividade de desenvolvimento e licenciamento de software.

a. Imposto de renda de pessoas jurídicas (“IRPJ”) e Contribuição social sobre o lucro líquido (“CSLL) – regime do lucro presumido nas operações com software

O Imposto de renda de pessoas jurídicas (“IRPJ”) e Contribuição social sobre o lucro líquido (“CSLL”) são tributos federais que incidem sobre o lucro das pessoas jurídicas. O IRPJ incide à alíquota de 15% e, nos casos em que a base de cálculo exceder a R$ 240.000,00 anuais, aplica-se a alíquota adicional de 10%. A alíquota da CSLL é de 9%, exceto no caso de instituições financeiras que se sujeitam a alíquotas específicas.

Como referido nos itens 11.3 e 11.4 da publicação “Doing Business in Brazil” da Swisscam Brasil, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL pode ser apurada mediante a determinação do lucro real (i.e. lucro líquido ajustado por adições e exclusões previstas na legislação) ou do lucro presumido (i.e. aplicação de percentual variável conforme a atividade e aplicável sobre a receita bruta auferida pela pessoa jurídica), conforme o regime escolhido pelo contribuinte.

Pelo regime do lucro presumido, define-se o lucro da pessoa jurídica através da aplicação de um percentual fictício, fixado em lei e variável conforme a atividade desenvolvida pela pessoa jurídica sobre sua receita bruta.

O percentual aplicável no caso de atividades de venda de mercadorias é de 8% para fins de IRPJ e de 12% para fins de CSLL.

No caso de prestação de serviços em geral, o percentual aplicável sobre a receita bruta é de 32%.

Especificamente em relação às atividades de licenciamento de software, conforme recentes orientações da Receita Federal do Brasil (RFB)2, aplica-se o percentual de 32% para:

  1. licenciamento de softwares padronizados (não desenvolvidos por encomenda);
  2. licenciamento de softwares padronizados, adaptáveis e customizáveis, ainda que a adaptação e customização representem meros ajustes no programa;
  3. licenciamento de softwares desenvolvidos por encomenda ao cliente; e
  4. prestação de serviços de suporte técnico em geral relacionado ao software licenciado.

b. Contribuições sociais sobre o faturamento (“PIS/COFINS”) – sistema cumulativo nas operações com software

Como referido no item 11.8 da publicação “Doing Business in Brazil” da Swisscam Brasil, a Contribuição para financiamento da seguridade social (“COFINS”) e o Programa de interação social (“PIS”) incidem sobre as receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, salvo poucas exceções.

Em regra, as pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro real, se sujeitam ao sistema não-cumulativo das contribuições PIS/COFINS3.

De acordo com esse sistema, o contribuinte faz jus ao crédito referente às contribuições apurados sobre determinados custos e despesas elencados em lei. As contribuições incidem à alíquota de 7,6% (COFINS) e 1,65% (PIS).

Já as pessoas jurídicas optantes pelo regime de lucro presumido se sujeitam ao sistema cumulativo das contribuições4. Por esse sistema, não é possível apurar créditos das contribuições, que incidem à alíquota de 3% (COFINS) e 0,65% (PIS).

Ressalta-se que algumas pessoas jurídicas e alguns tipos de receitas se sujeitam obrigatoriamente ao sistema cumulativo das contribuições PIS/COFINS, independente do regime de lucro adotado.

É o caso das receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes das atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso, bem como de análise, programação, instalação, configuração, assessoria, consultoria, suporte técnico e manutenção ou atualização de software, compreendidas ainda como softwares as páginas eletrônicas5.

Ressalta-se que tal obrigatoriedade, no entanto, não alcança a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado6, ainda que obtido sem suporte físico. De acordo com o entendimento da RFB, considera-se software importado aquele produzido por pessoa jurídica cuja sede não está localizada no Brasil. Assim, sobre as receitas dessas atividades há aplicação do regime não cumulativo das contribuições caso a empresa esteja sujeita ao lucro real.


1 Disponível em: https://swisscam.com.br/publicacao/doing-business-in-brazil/

2 Solução de Consulta COSIT n. 19, de 18 de março de 2024; Solução de Consulta COSIT n. 36, de 07 de fevereiro de 2023.

3 Previsto nas Leis n. 10.637/02 e n. 10.833/03.

4 Previsto na Lei n. 9.718/98.

5 Nos termos do inciso XXV, do art. 10, da Lei n. 10.833/03.

6 Nos termos do parágrafo 2º, do art. 10, da Lei n. 10.833/03.

7 Solução de Consulta COSIT n. 218, de 24 de julho de 2024.

 

1.2. Tributação do software – o conflito ISS x ICMS

No tocante à incidência tributária sobre a operação de licenciamento de software, a matéria foi objeto, nos últimos anos, de grande discussão entre autoridades fiscais estaduais, municipais e contribuintes em relação ao imposto incidente sobre a operação, se o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) ou o imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS).

No Brasil, a natureza jurídica do software e sua correspondente incidência tributária é objeto de discussões entre contribuintes e autoridades fiscais, bem como de conflitos relacionados à pessoa política competente para tributar as operações que envolvem a sua disponibilização – se os Estados ou os Municípios.

O conceito de software é complexo, envolvendo, a princípio: (i) o conteúdo intangível, que envolve o código fonte e funcionalidade do software; e; (ii) o corpus mechanicum, ou seja, o suporte físico no qual encontra-se o conteúdo intangível do software.

A grande discussão acerca da competência para tributar tais operações se origina da complexidade em se definir a natureza jurídica da exploração econômica do software: se corresponde a uma circulação de mercadoria, tributável pelos Estados por meio de Imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), a uma prestação de serviços, tributável pelos Municípios por meio de Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), ou uma atividade diferente das duas, não tributável nem pelo ICMS nem pelo ISS.

Com a evolução tecnológica, os softwares, cada vez menos, vêm sendo disponibilizados por meio de suporte físico, o que lhes conferia um aspecto tangível de mercadoria, prevalecendo a disponibilização por meio de transferência eletrônica de dados ou acesso remoto (download ou streaming).

Nesse âmbito, verificamos o surgimento do Software as a Service (SaaS), correspondente a uma solução integrada de software, servidor e processamento de dados. Sua disponibilização não está relacionada à compra de licenças ou download e sim ao seu acesso e uso por meio da internet. Em geral, a disponibilização do uso do SaaS é remunerada por meio de mensalidades ou anualidades.

Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu fim ao conflito de competência instaurado entre Estados e Municípios, ao analisar o mérito de duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas para a declaração da impossibilidade de incidência do ICMS sobre licença de uso de software: a ADI n. 1.945/MT e a ADI n. 5.659/MG.

Discutia-se legislação estadual que pretendia fazer incidir o ICMS em operações com software de prateleira, mesmo que disponibilizado por transferência eletrônica de dados, via download.

Os argumentos pela inconstitucionalidade da incidência do ICMS sobre o licenciamento de software centralizaram-se na inexistência de circulação de mercadorias diante da ausência de transferência da propriedade autoral, bem como que o software não seria mercadoria, visto ser um bem incorpóreo.

Além disso, sustentou-se que, após a edição da Lei Complementar n. 116/2003, que definiu a licença de uso de software como serviço no item 1.05, não seria mais pertinente a distinção entre software padronizado (prateleira) e software por encomenda, pois, em todo caso, haverá licença de uso de software.

Com isso, houve consolidação, pelo STF, do entendimento de que sobre o licenciamento de uso de software deve incidir o ISS, por configurar prestação de serviço de qualquer natureza.

 

2. Publicidade na Internet

A incidência tributária sobre a atividade de veiculação de publicidade foi objeto de questionamentos doutrinários e jurisprudenciais por anos, especialmente no tocante a sua natureza jurídica.

A atividade estava prevista no subitem 17.07 da lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/03 (“veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio”), mas o subitem foi vetado quando da edição da referida lei.

Ainda assim, alguns municípios, como São Paulo8, tentaram tributar a atividade enquadrando-a em outros itens da lista de serviços, como o de “propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários” (subitem 17.06). Em geral, discute-se se a atividade tem a natureza de:

  1. prestação de serviço de comunicação tributável pelo ICMS, de competência dos Estados;
  2. prestação de serviços tributável pelo ISS, de competência dos Municípios; ou
  3. locação/cessão de espaço publicitário, atividade não sujeita a nenhum dos impostos, por se tratar de locação de bem móvel. A não incidência do ISS sobre a atividade de locação de bens móveis foi reconhecida pelo STF que editou a Súmula Vinculante 31 nos seguintes termos: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. O Tribunal reconheceu posteriormente que o mesmo entendimento se aplica para a atividade de cessão de espaço publicitário, mesmo a considerando como cessão de direitos9.

Com o advento da Lei Complementar n. 157/2016, que incluiu na lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/03 o subitem 17.25 – Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio – os Municípios passaram a ter fundamento legal para exigir o ISS sobre a atividade. Tal alteração legislativa afetou especialmente o setor de mídia online.

Em 9 de março de 2022, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.034, por meio da qual definiu que há incidência de ISS e não ICMS sobre serviços de “inserção de publicidade”.

Apesar disso, há fundamentos para se questionar judicialmente a incidência do ISS na atividade, especialmente se considerarmos a atividade como a locação/cessão de espaço publicitário online.

Ressalta-se que a veiculação de publicidade realizada em jornais, revistas, rádio e TV abertos, não é tributada, em razão da imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal.


8 Parecer Normativo SF n. 1/2016.

9 AI 854553 ED, julgado em 2012.

 

3. Disponibilização de conteúdos de vídeo, áudio, texto, por streaming

Com o surgimento do modelo de negócios de “streaming” de áudio e vídeo pela internet, em 2016, a legislação do ISS foi alterada e passou a incluir a atividade na lista de serviços tributáveis pelo imposto, em seu subitem 1.09: disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei n. 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).

4. Operações Cross-Border de Tecnologia

A seguir serão apresentados os tributos incidentes em algumas operações internacionais envolvendo transações com serviços e direitos no âmbito da tecnologia.

4.1. Importação de serviços técnicos e assistência técnica e administrativa

As remessas internacionais para pagamento pela importação de serviços técnicos e de assistência técnica e administrativa estão sujeitas aos tributos elencados abaixo. Para maiores detalhes a respeito dos referidos tributos, consulte a publicação “Doing Business in Brazil” da Swisscam Brasil.

  • Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF): Incidente à alíquota geral de 15%, exceto se os rendimentos forem auferidos por pessoa física ou jurídica domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, hipótese em que a alíquota aplicável é de 25% (não é o caso da Suíça). Sobre rendimentos auferidos por residentes ou domiciliados na Suíça a alíquota do IRRF é limitada a 10%, em razão da aplicação do acordo para evitar a dupla tributação firmado entre Brasil e Suíça, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 202210. O acordo prevê a possibilidade de deduzir o imposto pago no Brasil do devido na Suíça. Em regra, o IRRF é ônus do beneficiário do rendimento, sendo descontado do rendimento a ser pago. Desta forma, em uma remessa de valor de R$ 1.000,00 será devido R$ 10,00 de IRRF e o beneficiário no exterior receberá R$ 90,00. A fonte pagadora e o beneficiário do rendimento podem estabelecer que o ônus do imposto fique a cargo da fonte, caso em que o rendimento pago é considerado líquido, cabendo o reajustamento do rendimento bruto (gross up), sobre o qual recairá o IRRF. Considerações sobre a aplicação de tratados para evitar a dupla tributação podem ser encontradas no item 11.22 da publicação “Doing Business in Brazil” da Swisscam Brasil.
  • Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE): Incidente à alíquota de 10%. A CIDE é considerada custo do importador dos serviços e não é um tributo creditável11.
  • Contribuições PIS/COFINS-Importação: Incidentes à alíquota de 7,6% (COFINS) e 1,65% (PIS). Caso o importador esteja sujeito ao sistema não-cumulativo das contribuições, ele poderá apurar créditos das contribuições pagas na importação, cumpridos alguns requisitos previstos em lei.
  • Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF): Incidente à alíquota de 3,5% sobre o valor efetivamente remetido ao exterior para pagamento dos serviços12.
  • Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS-Importação): Incidente à alíquota variável de 2% a 5%, dependendo do município onde localizado o importador e do tipo de serviços prestado.

Para fins de incidência dos tributos, considera-se:

  • Serviço técnico: a execução de serviço que dependa de conhecimentos técnicos especializados ou que envolva assistência administrativa ou prestação de consultoria, realizado por profissionais independentes ou com vínculo empregatício ou, ainda, decorrente de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico13; e
  • Assistência técnica: a assessoria permanente prestada pela cedente de processo ou fórmula secreta à concessionária, mediante técnicos, desenhos, estudos, instruções enviadas ao Brasil e outros serviços semelhantes, os quais possibilitem a efetiva utilização do processo ou fórmula cedidos14.

Dada a definição ampla de “serviço técnico” estabelecida pela RFB, em geral, a maior parte dos serviços importados de prestadores no exterior são considerados serviços técnicos.

Nesse conceito inclui-se o desenvolvimento de softwares por encomenda do importador.


10 Promulgado pelo Decreto n. 10.714, de 08 de junho de 2021.

11 A constitucionalidade da contribuição é objeto de ação judicial no Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento.

12 O IOF é um imposto de natureza extrafiscal, estando sujeito a alterações de alíquotas mais frequentes. Recomenda-se seja verifica a alíquota vigente quando da realização da transação.

13 Art. 17, II, a, da Instrução Normativa RFB n. 1.455/14.

14 Art. 17, II, b, da Instrução Normativa RFB n. 1.455/14.

 

4.2. Remessas para pagamento de licença de uso de software de prateleira

Apoiando-se na decisão do STF que configurou o licenciamento de uso de software de prateleira como prestação de serviços, a RFB atualizou o seu entendimento no sentido de que as remessas internacionais para pagamento das licenças de uso desses softwares se sujeitam aos seguintes tributos15:

  • Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF): Incidente à alíquota geral de 15%, exceto se os rendimentos forem auferidos por pessoa física ou jurídica domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, hipótese em que a alíquota aplicável é de 25% (não é o caso da Suíça). Sobre rendimentos auferidos por residentes ou domiciliados na Suíça a alíquota do IRRF é limitada a 10%, em razão da aplicação do acordo para evitar a dupla tributação firmado entre Brasil e Suíça, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 202216. O acordo prevê a possibilidade de se deduzir o IRRF pago no Brasil do imposto devido na Suíça.
  • Contribuições PIS/COFINS-Importação: Incidentes à alíquota de 7,6% (COFINS) e 1,65% (PIS). Caso o importador esteja sujeito ao sistema não-cumulativo das contribuições, ele poderá apurar créditos das contribuições pagas na importação, cumpridos alguns requisitos previstos em lei.
  • Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF): Incidente à alíquota de 3,5% sobre o valor efetivamente remetido ao exterior para pagamento das licenças17.
  • Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS-Importação): A incidência do imposto sobre a licença de direitos pode ser questionada judicialmente, tendo em que vista que o licenciamento de uso de um software não configura efetiva prestação de serviços. No entanto, em geral, o imposto é exigido pelas autoridades fiscais municipais competentes18. A alíquota do imposto varia de 2% a 5%, dependendo do município onde localizado o licenciado.

Em relação à contribuição CIDE, a RFB apresentou o entendimento já consolidado no sentido de que a contribuição não incide sobre a remuneração a residente ou domiciliado no exterior pela licença de uso de software, incluindo a aquisição de versão de atualização do software, através de nova licença ou prorrogação do prazo da licença original, salvo quando envolver a transferência da correspondente tecnologia. O entendimento se baseia na previsão expressa do §1º-A, do artigo 2º da Lei n. 10.168/2000, que trata da contribuição.

Há argumentos para se questionar o entendimento apresentado pela RFB, considerando as diferentes naturezas jurídicas atribuídas pela RFB para fins de definição da incidência de IRRF e PIS/COFINS, bem como o próprio precedente do STF.


15 Solução de consulta COSIT n. 107/2023.

16 Promulgado pelo Decreto n. 10.714, de 08 de junho de 2021.

17 O IOF é um imposto de natureza extrafiscal, estando sujeito a alterações de alíquotas mais frequentes. Recomenda-se seja verifica a alíquota vigente quando da realização da transação.

18 Com fundamento no subitem 1.05 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/03: licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

 

4.3. Remessas para pagamento pelo direito de uso de Software as a Service (SaaS)

De acordo com o entendimento da RFB19, as remessas internacionais para pagamento por Software as a Service (SaaS) são tributadas da mesma forma que os serviços técnicos. Referido entendimento pode ser questionado judicialmente, tendo em vista que a disponibilização de um SaaS não se configurara necessariamente uma prestação de serviço.

4.4. Remessas para pagamento de royalties pelo direito de comercialização de SaaS

Royalties correspondem a rendimentos decorrentes do uso, fruição e exploração de direitos, tais como os direitos de comercialização de software, direitos de uso de software, direitos de uso de plataformas tecnológicas, direito de uso de marcas e patentes, dentre outros.

As remessas internacionais para pagamento por royalties pelo direito de comercialização de SaaS e de software em geral, estão sujeitas aos tributos abaixo. O tratamento tributário está em linha com o entendimento apresentado recentemente pela RFB sobre a tributação federal de royalties devidos em razão do direito de comercialização de SaaS20.

Assim, trata-se de alternativa viável às empresas que pretendem disponibilizar SaaS no mercado brasileiro, com carga tributária reduzida quando comparada com a incidente na importação direta das licenças de uso de SaaS21.

  • Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF): Incidente à alíquota de 15%, exceto se os rendimentos forem auferidos por pessoa jurídica domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, hipótese em que a alíquota aplicável é de 25% (não é o caso da Suíça). Sobre rendimentos auferidos por residentes ou domiciliados na Suíça a alíquota do IRRF é limitada a 10%, em razão da aplicação do acordo para evitar a dupla tributação firmado entre Brasil e Suíça, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 202222. O acordo prevê a possibilidade de se deduzir o IRRF pago no Brasil do imposto devido na Suíça.
  • Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE): A contribuição não incide sobre a remuneração pela licença de direitos de comercialização ou distribuição de software, exceto quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia, hipótese em que há incidência à alíquota de 10%.
  • Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF): Incidente à alíquota de 3,5% sobre o valor efetivamente remetido ao exterior para pagamento dos royalties23.
  • Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS-Importação): A incidência do imposto sobre a licença de direitos pode ser questionada judicialmente, tendo em que vista que o licenciamento de direitos não configura efetiva prestação de serviços. No entanto, em geral, o imposto é exigido pelas autoridades fiscais municipais competentes24. A alíquota do imposto varia de 2% a 5%, dependendo do município onde localizado o licenciado.

19 Solução de Consulta COSIT n. 191/2017 e COSIT n. 9.901/2021.

20 Solução de Consulta COSIT n. 177, de 25 de junho de 2024.

21 Tributação de importação de serviços técnicos, nos termos do entendimento da RFB.

22 Promulgado pelo Decreto n. 10.714, de 08 de junho de 2021.

23 O IOF é um imposto de natureza extrafiscal, estando sujeito a alterações de alíquotas mais frequentes. Recomenda-se seja verifica a alíquota vigente quando da realização da transação.

24 Com fundamento no subitem 1.05 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/03: licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

 

4.5. Remessas para pagamento por espaço publicitário online

A compra e venda de publicidade ou mídia online é modelo de negócio que se fortaleceu com o crescimento da economia digital. Muitos fornecedores de espaços de publicitários na internet não possuem subsidiárias no Brasil, razão pela qual as remessas para pagamento por esses espaços tornam-se necessárias.

A disponibilização de espaços publicitários na internet pode ser considerada como cessão/locação de bem móvel, não configurando, assim, prestação de serviços. Com efeito, as remessas para pagamento por essa disponibilização se sujeitam aos seguintes tributos:

  • Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF): Incidente à alíquota geral de 15%, exceto se os rendimentos forem auferidos por pessoa jurídica domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida (não é o caso da Suíça), hipótese em que a alíquota aplicável é de 25%. Sobre rendimentos auferidos por residentes ou domiciliados na Suíça a alíquota do IRRF é limitada a 10%, em razão da aplicação do acordo para evitar a dupla tributação firmado entre Brasil e Suíça, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 202225. O acordo prevê a possibilidade de se deduzir o IRRF pago no Brasil do imposto devido na Suíça.
  • Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF): Incidente à alíquota de 3,5% sobre o valor efetivamente remetido ao exterior para pagamento do espaço publicitário26.

Ressalta-se a importância de se formalizar a relação entre o locador e o locatário do espaço por meio de contrato de locação específico para que se possa dar o tratamento tributário correspondente e sustentar que não se trata de importação de serviços.


25 Promulgado pelo Decreto n. 10.714, de 08 de junho de 2021.

26O IOF é um imposto de natureza extrafiscal, estando sujeito a alterações de alíquotas mais frequentes. Recomenda-se seja verifica a alíquota vigente quando da realização da transação.

 

4.6. Remessas para pagamento de data center

De acordo com o entendimento da RFB27, as remessas internacionais para pagamento em decorrência de disponibilização de infraestrutura de data center (armazenamento e processamento de dados para acesso remoto), são consideradas para fins tributários remuneração pela prestação de serviços e não remuneração decorrente de contrato de aluguel de bem móvel. Assim, são tributadas da mesma forma que os serviços técnicos.


27 Ato Declaratório nº 7/2014.

 

5. Principais impactos e desafios da Reforma Tributária sobre o consumo na Economia Digital

A Reforma Tributária sobre o consumo foi aprovada pela Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, e é regulamentada pela Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. A principal alteração trazida pela Reforma Tributária sobre o consumo consiste na criação de um IVA dual, que será composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”), em substituição às contribuições PIS e COFINS, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”), em substituição ao ICMS e ao ISS.

A CBS será de competência Federal, e, assim como o PIS e a COFINS, permanecerá sendo arrecadada pela União Federal e administrada pela Receita Federal do Brasil. Já o IBS passará a ser de competência compartilhada entre Estados e Municípios, e será administrado por um Comitê Gestor, composto por representantes dos Estados e dos Municípios, até o momento, ainda pendente de criação formal.

A substituição dos tributos atualmente vigentes (ISS, ICMS, PIS e COFINS) pela CBS e IBS alterará de forma substancial a lógica de incidência e arrecadação aplicável às operações com bens e serviços digitais.

No regime anterior, os conflitos de competência entre os entes federativos, especialmente no que tange à tributação do licenciamento de software, SaaS, publicidade online e streaming de conteúdo, geravam significativa insegurança jurídica.

Tais conflitos decorriam, em grande parte, da dificuldade de enquadramento jurídico das operações digitais nos moldes tradicionais de tributação, com distinções artificiais entre mercadoria e serviço, bem corpóreo e intangível, suporte físico e transmissão eletrônica.
A nova sistemática tributária se propõe a mitigar esses entraves por meio de uma base de incidência ampla e uniforme, que será comum à CBS e ao IBS.

Nos termos da nova redação constitucional, IBS e CBS incidirão sobre operações com bens materiais e imateriais, inclusive direitos, bem como sobre a prestação de serviços, independentemente de sua denominação ou forma de disponibilização. Isso abarca, portanto, desde o licenciamento de software e o acesso a plataformas tecnológicas até a cessão de direitos de uso de algoritmos, bases de dados e ativos digitais correlatos.

Ou seja, com a Reforma Tributária, a base de incidência dos novos tributos abrangerá todas as prestações de serviços, fornecimento de bens e de direitos. De um lado, espera-se reduções de conflitos de competência e discussões sobre a incidência dos tributos. De outro lado, algumas atividades da economia digital que até então não são tributadas pelo por falta de previsão expressa de tributação na legislação tributária, passarão a ser.

As alíquotas de IBS e CBS serão fixadas por lei específica de cada ente Federativo, sendo, como regra, a mesma para todas as operações com bens ou serviços. O setor digital, predominantemente de serviços, estará sujeito a uma alíquota uniforme, o que poderá vir a resultar em um aumento da carga tributária para algumas empresas.

Em contrapartida, esse aumento pode ser mitigado pela simplificação do sistema e pelo fim da cumulatividade, em especial com previsão de direito de crédito amplo, o que diminui o custo final ao consumidor e evita distorções no mercado, promovendo maior competitividade e abrindo espaço para que as pequenas empresas se desenvolvam.

O modelo de não cumulatividade plena previsto na reforma permitirá a apropriação de créditos sobre todos os insumos adquiridos ao longo da cadeia econômica, incluindo bens imateriais e serviços digitais, o que tende a reduzir a incidência de tributação em cascata, atualmente comum em operações envolvendo tecnologia e propriedade intelectual.

Essa modificação confere maior neutralidade fiscal e favorece o desenvolvimento de cadeias produtivas mais complexas, especialmente em setores de inovação, onde os custos com licenças de software, APIs, servidores em nuvem e publicidade digital são relevantes.

Para alguns poucos setores, haverá regimes específicos, com possíveis alíquotas reduzidas e base de cálculo diferenciadas, como é o caso do serviços financeiros.

Outro ponto de elevada importância diz respeito à figura do sujeito passivo. A nova redação constitucional admite expressamente a possibilidade de responsabilização solidária de adquirentes de serviços, plataformas digitais, incluindo marketplaces, aplicativos e outros intermediários eletrônicos, operadoras de cartão e instituições de pagamento, pelo recolhimento dos tributos sobre o consumo intermediado.

Tal previsão, portanto, pode ensejar a atribuição de responsabilidade tributária às empresas de tecnologia que atuam como facilitadoras de operações econômicas, ainda que não sejam as fornecedoras diretas dos bens ou serviços tributáveis.

Haverá, ainda, a implementação do mecanismo de “split payment” – pelo qual os tributos são desmembrados automaticamente no momento do pagamento – o que modificará substancialmente o fluxo de caixa das empresas.

Essas mudanças vão impor desafios adicionais às plataformas digitais, que precisarão adequar seus sistemas de compliance tributário e de repasse financeiro às exigências do modelo de “split payment” à eventual responsabilidade solidária pela apuração e recolhimento do IBS e da CBS.

Por fim, a adoção do princípio do destino como critério de repartição da arrecadação, ou seja, a concentração da receita tributária no ente federativo em que ocorre o consumo efetivo. Para o setor digital, isso significa que o imposto será recolhido na localidade onde o usuário acessa ou utiliza o serviço digital, não mais no local da sede da empresa ou do fornecedor do serviço ou dos bens.

Isso é particularmente relevante para os negócios digitais, cujas operações tendem a ser desconcentradas geograficamente e com elevada pulverização de clientes em múltiplas jurisdições.

A alteração do local da tributação para o destino tendo a reduzir guerras fiscais, garantindo maior isonomia entre empresas que operam em diferentes localidades, ao mesmo tempo em que exige que empresas ajustem suas operações e sistemas para rastrear e reportar o local de consumo com precisão. Haverá, também, benefício aos consumidores, que estarão sujeitos a uma tributação mais justa e alinhada ao seu local de consumo.

Desse modo, além do possível impacto em suas cargas tributárias, o setor digital enfrentará desafios sobretudo no cumprimento de novas obrigações fiscais a na adaptação ao princípio da tributação no destino. Porém, a Reforma Tributária sobre o consumo trará maior uniformidade e tributária e simplificação, criando um ambiente mais jutos e adequado à nova realidade econômico, favorecendo investimentos no setor digital no Brasil.

Em 2026, haverá uma fase teste do IVA, que se tornará efetivamente vigente a partir de 2027. Em 2027, o PIS e a COFINS serão extintos. Em 2032, o ICMS e o ISS serão extintos. Até lá, haverá uma transição gradual dos tributos, ou seja, durante o período de 2026 a 2032, o regime tributário atual e o novo regime tributário coexistirão.

 


Autores: Marcelo Coimbra e Julia Lima

Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados

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