35.1 INTRODUÇÃO
O setor de Ciências da Vida e Saúde no Brasil é altamente regulamentado e abrange todos os tipos de produtos que representam riscos à saúde, atividades hospitalares, clínicas, bem como demais atividades comerciais relacionadas à saúde, incluindo as mais recentes tendências, como produtos à base de cannabis, software caracterizados como dispositivos médicos e telessaúde.
1. CIÊNCIAS DA VIDA
2.1. VISÃO GERAL DA REGULAÇÃO BRASILEIRA EM SAÚDE
De acordo com a International Bar Association (IBA), o setor de ciências da vida e saúde “preocupa-se com os campos da ciência que envolvem o estudo científico de organismos vivos, com um foco especial em todos os aspectos do direito da saúde, incluindo áreas como o direito da medicina, propriedade intelectual, biotecnologia, bioética, questões regulatórias e desenvolvimentos científicos (…)”1.
Isso significa que, no Brasil, o campo das ciências da vida está diretamente relacionado à regulamentação da vigilância sanitária. De acordo com a Lei Federal n° 8.080/1990, “entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”2.
Nesse sentido, o poder público possui competência para intervir no setor privado, em relação àqueles que fabricam e circulam bens e prestam serviços de interesse em saúde, a fim de evitar riscos e, portanto, danos à saúde humana.
Uma das entidades às quais esse dever / poder foi atribuído é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“Anvisa”), agência reguladora do âmbito de atuação do Ministério da Saúde (“MS”), que tem como finalidade institucional “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias (…)”3.
Esse controle pode ser representado, principalmente, como a necessidade de obtenção de diversas permissões do Estado para a realização de atividades de interesse em saúde (isto é, que pode causar danos à saúde).
Os principais requisitos para que as empresas sujeitas à vigilância sanitária possam realizar suas atividades estão, de forma geral, descritos abaixo. Ressaltamos que esses requisitos podem variar de acordo com as atividades específicas da empresa e/ou com os produtos fabricados. Assim, as medidas abaixo devem ser moldadas a cada situação específica.
1https://www.ibanet.org/unit/Law+and+Individual+Rights+Section/committee/Healthcare+and+Life+Sciences+Law+Committee/3089. Acesso em 13 de setembro de 2021.
2Lei Federal n° 8.080/1990, artigo 6°, § 1°.
3Lei Federal n° 9.782/1999, artigo 6°.
2.2. PRINCIPAIS REQUISITOS SANITÁRIOS
2.2.1. LICENCIAMENTO DA EMPRESA
A permissão para que empresas privadas operem, em nível federal4, com produtos sujeitos à vigilância sanitária é a Autorização de Funcionamento de Empresa (“AFE”), necessária para estabelecimentos que realizam o armazenamento, distribuição, embalagem, expedição, exportação, extração, fabricação, fracionamento, atividades de importação, produção, purificação, reembalagem, síntese, transformação e transporte de medicamentos e insumos farmacêuticos destinados ao uso humano, cosméticos, produtos de higiene pessoal, perfumes, desinfetantes para uso doméstico e embalagens de gases medicinais5. Embora os alimentos sejam sujeitos à vigilância sanitária, as indústrias de alimentos e seus prestadores de serviços são isentos de obter AFE.
Se o estabelecimento também maneja substâncias ou medicamentos controlados, conforme definidos pela Portaria MS n° 344/1998, é necessária a obtenção de Autorização Especial (AE) perante a Anvisa6.
Em nível local, ou seja, estadual e/ou municipal, é necessário o licenciamento7 do estabelecimento que realiza atividades de interesse da saúde, conforme definido por cada lei ou regulação local. Neste caso, o licenciamento também de indústrias de alimentos e prestadores de serviços é obrigatório8.
O motivo para a necessidade de aprovação prévia do estabelecimento pelas autoridades é a preservação da saúde, como prevenção ao risco que as atividades mencionadas acima representam.
Isso é evidenciado pelos requisitos para se obter uma AFE: garantir que o estabelecimento possua um sistema de qualidade9, condições de higiene, armazenamento e operação adequados às necessidades do produto, de modo a reduzir o risco de contaminação, o risco de alterar suas características etc.10
4Lei Federal n° 6.360/1976, artigo 50: O funcionamento das empresas de que trata esta Lei dependerá de autorização da Anvisa, concedida mediante a solicitação de cadastramento de suas atividades, do pagamento da respectiva Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária e de outros requisitos definidos em regulamentação específica da Anvisa.
5RDC Anvisa n° 16/2014, artigo 3°.
6RDC Anvisa n° 16/2014, artigo 4°.
7Lei Federal n° 6.360/1976, artigos 51 e 52.
8Decreto Lei n° 986/1969, artigo 46.
9RDC Anvisa n° 16/2014, artigo 27, II, “b”.
10RDC Anvisa n° 16/2014, artigo 27, II, “e”.
2.2.2. REGULARIZAÇÃO DE PRODUTOS: REGISTRO E NOTIFICAÇÃO
Quanto aos produtos de interesse da saúde e, portanto, sujeitos à vigilância sanitária: medicamentos, insumos farmacêuticos, produtos de saúde, produtos de higiene pessoal, perfumes, cosméticos, desinfetantes para a casa, produtos para correção estética11, entre outros, são sujeitos a registro ou notificação perante a Anvisa, dependendo do risco à saúde que representam.
Trata-se de autorizações para que os produtos possam ser colocados no mercado após atestada sua qualidade, eficácia e segurança: o registro se aplica a produtos que representam um risco maior à saúde, enquanto a notificação se aplica a riscos menores, conforme estabelecido por cada norma específica à regulação de tais produtos (por exemplo, quanto a medicamentos, produtos de saúde, cosméticos).
Alguns alimentos podem ser sujeitos a registro na Anvisa, como os pertencentes às categorias de novos alimentos e novos ingredientes, as fórmulas para nutrição enteral, os alimentos infantis12. No entanto, os alimentos em regra são isentos de registro ou notificação sanitários e sujeitos apenas a comunicado prévio de fabricação à autoridade sanitária local antes de serem fabricados13.
11Lei Federal n° 6.360/1976, artigo 25.
12Decreto-Lei n° 986/1969, artigo 3°. RDC Anvisa n° 27/2010, Anexo II.
13Conforme determinado pelas RDC Anvisa n° 27/2010 (alterada pelas RDC Anvisa n° 240/2018, n° 319/2019, e n° 460/2020) e n° 23/2000 (revogada parcialmente pelas RDC Anvisa n° 278/2005 e n° 27/2010).
2.2.3. CERTIFICADO DE BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO
Dependendo do potencial risco à saúde, também é necessária a obtenção de certificação específica para a fabricação de determinados produtos (como medicamentos, insumos farmacêuticos ativos e produtos de saúde de alto risco), concedida pela Anvisa, que atesta que a unidade fabril cumpre com as Boas Práticas de Fabricação (“BPF”).
Para a concessão do Certificado de Boas Práticas de Fabricação (“CBPF”), há inspeção pela Anvisa das instalações da planta fabril para verificar se o regulamento técnico referente às BPF do produto em questão está sendo integralmente observado. A inspeção para atestar BPF em estabelecimentos situados no Brasil pode também ser feita pela vigilância sanitária local (do respectivo Estado ou Municipío).
No caso de produtos importados ao país, a Anvisa geralmente se locomove até o local de fabricação no exterior. Embora vários países exijam um CBPF local (GMPc), os requisitos de BPF definidos por cada país são diferentes, apesar de, nos últimos anos, a Anvisa ter adotado ações para padronizar critérios.
A Anvisa tem aceito relatórios e pareceres emitidos por entidades internacionais para determinadas situações. Nesse sentido, a Anvisa é uma agência certificada pelo Medical Device Single Audit Program (“MDSAP”), “um programa que permite a realização de uma auditoria regulatória única do sistema de gerenciamento de qualidade de um fabricante de dispositivos médicos que atenda aos requisitos de várias jurisdições reguladoras”14: Austrália, Brasil, Canadá, Japão e Estados Unidos.
Logo, se uma empresa localizada em qualquer um dos países acima desejar exportar seus dispositivos médicos para o Brasil, poderá estar sujeita a uma auditoria local única, também válida no Brasil, ou seja, a Anvisa não precisaria inspecionar a planta fabril.
Justamente, a norma atual sobre concessão ou renovação do CBPF para produtos médicos15 traz critérios especiais em razão do MDSAP, do sistema Mercosul e do International Medical Device Regulators Forum (IMDRF).
Desde janeiro de 2021, a Anvisa é também membro do Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S), cujo objetivo institucional é a cooperação entre autoridades regulatórias em matéria de BPF de medicamentos para uso humano ou veterinário.
Em agosto de 2022 foi publicada a RDC Anvisa n° 741/2022, estendendo a possibilidade de aplicação de mecanismos de validação internacional a todas as categorias de produtos, sujeita à publicação de normas específicas para cada caso16.
No entanto, a Anvisa continua sendo a autoridade competente para conceder o CBPF às fabricantes de produtos inseridos ao mercado brasileiro.
O CBPF é aplicável à maioria dos setores de produtos de interesse para a saúde, mas na maioria dos casos não é uma licença obrigatória, como exposto acima. No entanto, dadas as diferenças inerentes a cada categoria de produto, existem várias regras que definem quais são as BPF relacionadas a diferentes produtos com as quais as indústrias precisam cumprir.
14https://www.fda.gov/media/90179/download?source=govdelivery&utm_medium=email&utm_source=govdelivery. Acesso em 13 de setembro de 2021.
15RDC Anvisa n° 687/2022.
16A referida resolução ainda dispõe que poderão ser adotadas outras práticas de confiança regulatória estabelecidas por regulamentos específicos, inclusive por meio de práticas de harmonização e convergência regulatória acordadas e operacionalizadas entre autoridades estrangeiras; assim como poderá ser utilizada documentação proveniente de organismos multilaterais, instituições internacionais ou de organismo terceiro, de acordo com as diretrizes e normativas de programas e mecanismos específicos dos quais a Anvisa seja parte.
2.2.4. DEFINIÇÃO DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS PELA CMED
Para serem comercializados no Brasil, medicamentos devem ter seu preço máximo aprovado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (“CMED”). A CMED é a autoridade federal responsável pela regulação econômica do mercado de medicamentos pelo estabelecimento de critérios para a fixação e ajuste de preços de medicamentos17.
O detentor do registro deve submeter documentação relativa ao preço de cada novo medicamento ou apresentação18.
As empresas são responsáveis por cumprir com os preços máximos aprovados pela CMED. O descumprimento das regras da CMED sujeitará a empresa às penalidades administrativas do Código de Defesa do Consumidor19.
Em março de 2021, a Anvisa publicou RDC relativa ao monitoramento econômico de dispositivos médicos estratégicos para a saúde pública. Por meio da norma, a Anvisa visa a contribuir com a redução da assimetria de informação no mercado de dispositivos médicos, fornecendo estatísticas dos preços históricos dos produtos20.
2.3. NOVOS PRODUTOS E DIRETRIZES
A regulação brasileira de vigilância sanitária é muito ampla e, à medida que os produtos e a tecnologia evoluem, a Anvisa regulamenta novos assuntos. Listamos a seguir algumas das tendências e os assuntos mais recentes relacionados à vigilância sanitária no Brasil.
2.3.1. PRODUTOS DERIVADOS DE CANNABIS
A Lei de Drogas (Lei Federal n° 11.343/2006) sedimentou a pedra fundamental para que produtos à base de cannabis pudessem ser utilizados para fins médicos no Brasil.
Em 2014, o Conselho Federal de Medicina (“CFM”) regulamentou a prescrição de produtos à base de canabidiol por meio da Resolução CFM n° 2.113/2014, o que desenvolveu o assunto no Brasil e abriu caminho para mais avanços.
Em 2015, a Anvisa regulamentou, pela primeira vez, a importação direta de produto derivado de cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A norma foi atualizada em 2022, na forma da RDC Anvisa n° 660/2022.
A principal medida para a criação do mercado de produtos derviados de cannabis no Brasil foi a publicação da RDC Anvisa n° 327/2019 em dezembro de 2019, que regulamenta o procedimento de autorização para fabricação e importação nacional de produtos de cannabis para fins medicinais, conforme conceito específico criado pela norma. A RDC Anvisa n° 327/2019 entrou em vigor em 10 de março de 2020 e está sob revisão pela Anvisa.
Esta norma criou uma nova categoria na regulação, os produtos de cannabis, regularizáveis por meio de Autorização Sanitária, sujeita a menos requisitos em comparação com os medicamentos. Porém, os produtos de cannabis são sujeitos a registro como medicamentos após 5 anos da publicação da Autorização Sanitária no Diário Oficial da União.
Ainda é aguardada uma nova norma, inclusive pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (“Mapa”), especialmente no que se refere ao cultivo de cannabis para fins medicinais, o que é proibido no Brasil neste momento.
Atualmente, cosméticos e alimentos à base de cannabis não são permitidos no Brasil.
17Lei Federal n° 10.742/2003, art. 6°, I e II.
18Lei Federal n° 10.742/2003, art. 7°.
19Lei Federal n° 10.742/2003, art. 8 e Lei Federal n° 8.078/1990, art. 56.
20RDC Anvisa n° 478/2021, artigo 4°, I.
2.3.2. SOFTWARE
Os software em saúde estão cada vez mais presentes em nossas vidas, como por meio de programas que processam exames médicos de rotina e aplicativos em nossos smartphones que visam a aprimorar ou a manter nossa condição de saúde.
Ainda assim, Software como Dispositivo Médico (SaMD) passou a ser regulado pela Anvisa apenas recentemente, por meio da RDC Anvisa n° 657/2022. Após longa espera pelo setor, foi elevada a status normativo orientação anterior na forma da Nota Técnica Anvisa n° 4/2012, que servia como base de interpretação regulatória a respeito de software em saúde até então.
Segundo a norma, um SaMD é um software que atende à definição de dispositivo médico e que pode realizar uma ou mais indicações médicas (por exemplo, prevenção, diagnóstico, tratamento ou reabilitação), sem fazer parte de hardware de dispositivo médico – caso específico do software embarcado21.
A RDC Anvisa n° 657/2022 não é aplicável a software (i) para bem-estar22; (ii) relacionado em lista de produtos não regulados disponibilizada pela Anvisa; (iii) utilizado exclusivamente para gerenciamento administrativo e financeiro em serviço de saúde; (iv) que processa dados médicos demográficos e epidemiológicos, sem qualquer finalidade clínica diagnóstica ou terapêutica; e (v) embarcado em dispositivo médico sob regime de vigilância sanitária23.
Os produtos que se enquadram na categoria de SaMD estão sujeitos ao mesmo procedimento de regularização que os dispositivos médicos em geral, através do regime de registro para as classes de risco III e IV e do regime de notificação para as classes de risco I e II24.
Software desenvolvidos internamente por um serviço de saúde para seu uso exclusivo, incluindo de suas filiais, não estão sujeitos a registro na Anvisa caso se enquadrem nas classes de risco I e II e não interfiram com o funcionamento dos dispositivos médicos sujeitos a regularização, respeitados os critérios fixados pela norma25.
21RDC Anvisa n° 657/2022, art. 2°, VII e VIII.
22Software para o bem-estar são aqueles destinados a encorajar e manter o bem-estar, incluindo atividades saudáveis como exercícios físicos, ou a encorajar e manter o controle da saúde e um estilo de vida saudável, que não são destinados a prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou anticoncepção. RDC Anvisa n° 657/2022, art. 2°, IX.
23RDC Anvisa n° 657/2022, art. 1°, § 2°.
24RDC Anvisa n° 657/2022, arts. 9° e 10. RDC Anvisa n° 751/2022.
25RDC Anvisa n° 657/2022, art. 5°.
2.3.3. TELESSAÚDE
A prestação de serviços de saúde à distância é, atualmente, regulamentada pela Lei Federal n° 14.510/202226. A previsão expressa dessa modalidade na legislação brasileira decorreu da evolução normativa desencadeada pela pandemia da Covid-19, a partir de 2020.
Apesar de a telessaúde abranger hoje a prestação remota de serviços relacionados a todas as profissões da área da saúde regulamentadas pelo Poder Executivo federal27, é interessante notar que no início de 2020 apenas a Resolução CFM n° 1.643/2002 dispunha sobre o tema, aplicável somente à prática médica. Além disso, a norma apenas regulamentava a telemedicina como interação entre médicos, não envolvendo pacientes.
Com o advento da pandemia da Covid-19, fez-se necessária a flexibilização dos atendimentos médicos presenciais para evitar exposição desnecessária a possíveis infecções. Sendo assim, a Portaria MS n° 467/2020 e, posteriormente, a Lei Federal n° 13.989/2020 autorizaram o uso da telemedicina durante a pandemia de Covid-19 até o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (“ESPIN”) correspondente.
No ano de 2022, antes do fim da ESPIN, entrou em vigor a Resolução CFM n° 2.314/2022, que revogou a Resolução CFM n° 1.643/2002. Assim, hoje é permitida a realização de consulta médica com pacientes, de forma não presencial, tanto de forma síncrona (em tempo real) como assíncrona (off-line).
Finalmente, após a publicação da Lei Federal n° 14.510/2022, ficou definitivamente autorizada a prática da telessaúde em todo o território nacional. Sendo assim, não somente a prática da medicina ficou permitida, mas também a prática de outros serviços de saúde que haviam sido regulamentados apenas durante o período de pandemia provocada pelo coronavírus, como atendimento remoto por psicólogo, nutricionista, fonoaudiólogo, entre outros.
26A Lei Federal n° 14.510/2022 alterou a Lei Federal n° 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
27Lei Federal n° 8.080/1990, art. 26-A.
2. ASSISTÊNCIA EM SAÚDE
3.1. VISÃO GERAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO EM ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Embora inexista uma definição legal do termo “assistência à saúde”, este geralmente é entendido como os serviços prestados por organizações públicas ou privadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde humana.
De acordo com a Lei Federal n° 8.080/1990, as ações e os serviços públicos voltados à proteção da saúde humana são realizados por entidades públicas federais, estaduais e municipais que devem garantir o bem-estar físico, mental e social à coletividade. Entidades privadas podem participar do Sistema Único de Saúde (SUS) realizando atividades complementares.
A Constituição Federal estabelece que “é vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei”28.
Desde 2015, quando da entrada em vigor da Lei Federal n° 13.097/2015, a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde foi permitida nos seguintes casos29: (i) doações de organismos internacionais relacionados à Organização da Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos; (ii) pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar: (a) hospitais gerais, incluindo hospitais filantrópicos, especializados, policlínicos, clínicas gerais e clínicas especializadas e (b) ações e pesquisa de planejamento familiar e (iii) serviços de saúde mantidos pelas empresas, sem fins lucrativos, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.
28Constituição Federal, art. 199, § 3°.
29Lei Federal n° 13.097/2015, art. 142.
3.2. REQUISITOS DA REGULAÇÃO SANITÁRIA
Considerando que os hospitais realizam atividades que podem representar riscos à saúde pública e ao meio ambiente, estão sujeitos a diversos requisitos antes e durante sua operação regular, a fim de atestar que as atividades realizadas estão em conformidade com as determinações legais aplicáveis.
Nesse sentido, listamos abaixo alguns dos principais requisitos aos quais os hospitais são sujeitos no Brasil, de acordo com a legislação e regulação brasileiras:
3.2.1. INDICAÇÃO DE UM RESPONSÁVEL TÉCNICO E REGULARIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS PERANTE OS CONSELHOS PROFISSIONAIS APLICÁVEIS
Em atendimento ao Decreto n° 20.931/193230, hospitais públicos e privados de qualquer natureza, bem como laboratórios de análises, de ensaios clínicos, entre outros estabelecimentos que realizam atividades de saúde, apenas podem operar se estiverem sob a responsabilidade e a gestão técnica de médicos ou farmacêuticos, conforme aplicável, de acordo com as atividades realizadas.
Logo, os hospitais devem nomear um médico para ser o responsável técnico do estabelecimento. O responsável técnico deve estar devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina (“CRM”) do Estado em que está localizado o hospital.
Após ser devidamente nomeado, o responsável técnico deve supervisionar e coordenar todos os serviços médicos prestados pelo hospital31.
Outras atribuições do responsável técnico são: (i) solicitar o registro da empresa perante o CRM (conforme explicado no item 3.2.2. abaixo)32, (ii) informar o CRM de quaisquer modificações em relação à sua condição de responsável técnico, bem como (iii) informar anualmente ao CRM sobre todas as alterações do estatuto da empresa e sobre as mudanças na equipe clínica do hospital.
Dependendo das atividades realizadas pela empresa, que devem ser descritas nos procedimentos internos do hospital, poderá ser necessário obter também certificações e autorizações perante outros conselhos profissionais.
Assim, outros profissionais de saúde (como enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos) que trabalham no hospital também devem ser registrados perante seus conselhos profissionais correspondentes, e o hospital deve nomear um técnico responsável para cada uma dessas áreas, sempre que aplicável.
3.2.2. CADASTRO DA ENTIDADE PERANTE O CRM E OUTROS CONSELHOS PROFISSIONAIS
É obrigatório o cadastro dos estabelecimentos de saúde e de suas filiais, divisões e subsidiárias no CRM onde estão localizados (como pessoas jurídicas)33.
Esse cadastro também é necessário perante outros conselhos profissionais aplicáveis, dependendo dos outros profissionais que trabalham no hospital, conforme explicado acima.
30Decreto n° 20.931/1932, arts. 24 e 28.
31Resolução CFM n° 997/1980, art. 11.
32Resolução CFM n° 997/1980, art. 3°.
33Resolução CFM n° 997/1980, art. 2°.
3.2.3. OBTENÇÃO DE LICENÇAS SANITÁRIAS
Conforme mencionado anteriormente, a vigilância sanitária é responsável por fiscalizar as atividades e produtos considerados “de interesse para a saúde” no Brasil, incluindo, portanto, o funcionamento e a infraestrutura dos estabelecimentos de assistência à saúde e a operação de farmácias e drogarias.
As autoridades sanitárias estaduais e municipais são responsáveis pelas inspeções locais e pela supervisão do cumprimento da legislação e regulamentação federal e local, inclusive no que refere às atividades hospitalares.
Os hospitais devem obter licenças da autoridade sanitária local correspondente (Estado ou Município, dependendo do local)34, juntamente com as demais licenças necessárias para suas atividades específicas, que se referem a especialidades médicas e suas instalações e regulamentos internos (por exemplo, para UTIs – Unidades de Terapia Intensiva, sujeitas a regras da Anvisa, do MS e dos conselhos profissionais).
A legislação, regulação, licenças e requisitos necessários variam em razão de cada Estado e Município. Assim, é necessário estudar as regras estaduais e municipais às quais o hospital é ou será sujeito, considerando suas atividades e instalações internas. Com essas informações, o hospital pode avaliar quais são as licenças aplicáveis, bem como quais são os requisitos e procedimentos para obter tais autorizações.
Caso o hospital terceirize parte de suas atividades, as empresas terceirizadas também deverão possuir as licenças necessárias, sempre que aplicável.
3.2.4. INSCRIÇÃO NO CADASTRO NACIONAL DE ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE (“CNES”)
Todos os hospitais também devem ser inscritos no CNES, um banco de dados público mantido pelo MS com o objetivo de compilar informações gerais de hospitais e clínicas médicas no país, incluindo atividades e especialidades realizadas, tamanho, número de leitos e funcionários.
Os hospitais se enquadram na definição determinada pela Portaria de Consolidação do MS n° 1/201735: um estabelecimento de saúde é um “espaço físico delimitado e permanente onde são realizadas ações e serviços de saúde humana sob responsabilidade técnica”.
O objetivo do CNES é a estruturação e a elaboração de políticas públicas em saúde. Conforme explicado em 3.1, os hospitais privados também fazem parte do sistema de saúde brasileiro como estabelecimentos de saúde suplementares.
Portanto, a inscrição no CNES é necessária antes da operação do estabelecimento de saúde. Essa inscrição precisa ser atualizada com frequência, como condição para a manutenção das atividades.
34Decreto n° 20.931/1932, art. 24.
35Portaria de Consolidação do MS n° 1/2017, art. 360, II.
3.2.5. REGULAÇÃO DE FARMÁCIAS E DROGARIAS
No Brasil, farmácias e drogarias estão sujeitas à: (i) legislação federal de saúde; (ii) regulação da Anvisa; (iii) legislação estadual e municipal (local); e (iv) regulamentação e padrões éticos editados pelo Conselho Federal de Farmácia (“CFF”).
A legislação federal de saúde estabelece que as farmácias e drogarias devem deter licenças para operação36, que são a Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE) e Autorização Especial (AE), esta última devido a drogas ou substâncias controladas, nos termos da RDC Anvisa n° 275/2019, além de licença sanitária local.
Além disso, a farmácia ou drogaria deve estar cadastrada no Conselho Regional de Farmácia onde está localizada (“CRF”), além de ter um responsável técnico devidamente registrado nesse CRF37.
Se as atividades de farmácia ou drogaria envolverem substâncias controladas pela Polícia Federal, pela Polícia Civil ou pelo Exército Brasileiro, além da obtenção de AE perante a Anvisa, poderão ser necessárias licenças adicionais.
3.2.6. PROJETO BÁSICO DE ARQUITETURA
Antes da construção, expansão, reforma e/ou adaptação, todas os estabelecimentos de saúde precisam ter o correspondente Projeto Básico de Arquitetura (“PBA”), aprovado pelas autoridades locais de vigilância sanitária.
A RDC Anvisa n° 51/2011 e a RDC Anvisa n° 50/2002 listam os requisitos técnicos do PBA com relação aos padrões de arquitetura e engenharia, e determinam que o PBA precisa ser arquivado nas autoridades competentes do Estado ou Município, dependendo do local, para a emissão de um parecer técnico.
A construção, expansão, reforma ou adaptação deve ser realizada de acordo com o PBA aprovado pelas autoridades. Ao final da construção/reforma, a pessoa responsável pela sua execução e o representante legal do estabelecimento devem assinar um Termo de Responsabilidade, alegando que a construção foi realizada em conformidade com o PBA. As autoridades de vigilância sanitária podem fazer inspeções a qualquer momento para verificar o cumprimento destas medidas.
36Lei Federal n° 13.021/2014, art. 6°.
37Resolução CFF n° 638/2017, art. 43 e seguintes.
Autores: Marcio Mello Baptista e Bárbara Bassani de Souza
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