Doing Business in Brazil

34. Resoluções de Conflitos

30/06/23

1. Notas Introdutórias.

É direito fundamental, cunhado na Constituição Federal do Brasil, o acesso à justiça, assim devendo ser compreendido tanto o direito de qualquer cidadão ou pessoa jurídica de submeter a resolução de seus conflitos à tutela estatal, bem como o de utilizar-se dos diversos meios de resolução de litígios que não dependem exclusivamente do Poder Judiciário, aí se incluindo o processo arbitral e os meios alternativos (também chamados de “adequados” ou “integrados”) de resolução de conflitos, do que se conclui que o Brasil, alinhado às mais modernas legislações do mundo a este respeito, se vale, para tal fim, de um “sistema multiportas” de resolução de conflitos.

Vale destacar, nesse sentido, que tanto a heterocomposição como a autocomposição são meios válidos perante a legislação brasileira para a resolução de conflitos.

Na heterocomposição, a solução do conflito é transferida para um terceiro imparcial, que estabelecerá uma resposta definitiva e impositiva da questão posta à apreciação, o que se dá através da jurisdição estatal, que ocorre quando uma das partes, utilizando-se do seu direito de ação, acessa o Poder Judiciário no intuito de resolver a questão litigiosa, através de decisão proferida por uma autoridade investida de poder coercitivo (juiz togado), ou através da jurisdição arbitral, quando as partes, por acordo prévio, se submetem à câmaras arbitrais ou mesmo a um árbitro independente,  julgadores estes que comumente possuem bastante expertise no assunto em discussão, para decidir a demanda.

Já na autocomposição, a decisão é tomada pelas próprias partes, sem a imposição de uma solução por um terceiro, como das câmaras arbitrais, árbitros independentes ou mesmo do próprio Estado Juiz. No geral, pode ser dividida em três espécies, quais sejam, a negociação, a conciliação e a mediação.

É de se afirmar, desde já, que não existe um meio de resolução de conflitos melhor que os demais, mas existe, efetivamente, o meio mais adequado àquela situação específica. Assim, cabe a cada parte interessada, com o auxílio de seu advogado, entender as nuances do caso e o custo-benefício envolvido, considerando, entre outras questões, o tempo de resolução, os custos aplicáveis e a complexidade do assunto posto em discussão, para que se eleja qual o meio apropriado àquela situação.

Orienta-se, inclusive, que sempre que possível, tal análise e escolha do meio de resolução de conflitos mais adequado àquela situação em si, se dê de comum acordo entre as partes, antes mesmo de o litígio surgir, como ocorre, por exemplo, num contrato empresarial em que, desde o momento de sua formalização, se prevê a possibilidade da criação de dispute boards para a resolução interna de questões mais comezinhas, e, também, se elege qual a jurisdição aplicável, na hipótese de um conflito maior, normalmente a arbitral ou judicial.

Dito isso, passa-se a explanar as principais características do acesso à jurisdição estatal, com pontuais comentários acerca dos meios que compõem o sistema “multiportas” brasileiro de resolução de conflito.

 

2. Acesso à Jurisdição Estatal.

Em relação ao acesso à jurisdição estatal brasileira, verificar-se-á nos próximos itens que o Brasil segue o sistema do direito positivado, com a indicação de quais as implicações decorrentes de tal sistema, além de como se dá a questão da hierarquia das normas, a divisão da jurisdição estatal (competência), bem como quais são as regras gerais relacionadas ao modelo processual e ao respectivo procedimento – do início ao fim – de um processo judicial, com vistas à uma melhor compreensão panorâmica acerca de como se daria a resolução de conflitos através do poder judiciário brasileiro.

2.1.  Direito positivado.

O ordenamento jurídico brasileiro tem origem na tradição civilista romano-germânica de direito positivado (Civil Law), distinta da tradição da Common Law, dos países de sistema anglo-saxão e da tradição do direito consuetudinário (Customary Law). Assim, a sua principal característica é a utilização de normas escritas, publicadas e documentadas em diplomas próprios, comumente codificadas por assuntos, sendo que todas as normas devem estar em consonância com as disposições previstas na norma fundamental, que, no caso brasileiro, é a Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, com relação às leis gerais ou ordinárias, dividem-se os assuntos de acordo com suas temáticas (Civil, Processual Civil, Penal, Processual Penal, Consumidor, entre outros), criando-se um compilado de regras que formam um Codex para cada temática, nos quais estão previstas as principais regras materiais atinentes, as respectivas formas de reparação ou penalidades em caso de descumprimento de uma norma e, ainda, as normas de procedimento. Além disso, há a possibilidade de cada assunto ser normatizado de modo mais específico através dos seguintes tipos normativos: Leis Complementares, Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos Legislativos e Resoluções.

E, ainda que seja possível falar sobre a prevalência da norma escrita em relação à jurisprudência em países que se valem do direito positivado, como o Brasil, é possível se verificar uma tendência contemporânea de dar maior relevância aos precedentes judiciários, como forma de pacificar os entendimentos sobre um mesmo assunto, visando garantir maior concretude ao Princípio da Segurança Jurídica, isto é, tornando possível que os indivíduos tenham um conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos, através de decisões pretéritas acerca de uma situação semelhante. 

Neste sentido, já é da lei processual civil vigente a obrigação dos tribunais em uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, além da imprescindibilidade dos magistrados e tribunais observarem e respeitarem, no âmbito de suas decisões, certos precedentes jurisprudenciais qualificados, como por exemplo, decisões da Suprema Corte em controle concentrado de constitucionalidade, tese repetitivas e enunciados de súmulas aprovadas seja pelo Supremo Tribunal Federal, seja pelo Superior Tribunal de Justiça, e, ainda, orientações dos órgãos máximos dos Tribunais inferiores.

Ressalta-se, neste aspecto, que tal dever de observância dos precedentes jurisdicionais não significa, em definitivo, que as matérias já decididas não poderão ser reapreciadas sob outro vértice. Todavia, os mecanismos de distinguishing ou overruling são claros e possuem requisitos para sua aplicação, repita-se, com vistas à garantia do princípio da segurança jurídica e do próprio jurisdicionado.

Portanto, tem-se claro que no direito brasileiro as decisões judiciais são sempre pautadas mediante aplicação da norma ao caso concreto e que, diferentemente do Common Law, a observância dos precedentes não é obrigatória em todos os casos, podendo servir, nestas hipóteses, ao menos como uma forma de orientação da decisão, de forma a impedir entendimentos díspares sobre um mesmo assunto.

2.2.  Divisão da Jurisdição Estatal (Competência).

A jurisdição estatal é exercida sobre todo o território nacional e sobre todos os jurisdicionados, o que implica, por óbvio, na necessidade de uma divisão de trabalho entre os órgãos que compõem o Poder Judiciário, o que é feito a partir de atribuições de competências distintas para cada órgão, tal como se verifica das normas de organização judiciária.

Para se definir a competência para julgar determinada demanda, primeiro é necessário verificar se a Justiça Brasileira é competente, seja de forma exclusiva ou concorrente com o juízo estrangeiro. Assim, se o réu está domiciliado em território nacional, se a obrigação deve ser cumprida no Brasil, se o fundamento for relacionado a fato ou ato praticado no Brasil, entre outras hipóteses, a justiça brasileira estará apta a julgar o caso, assim como nas hipótese em que o contrato objeto da disputa, preveja “cláusula de eleição de jurisdição” convencionando ser a jurisdição estatal brasileira o ente competente para a resolução da controvérsia.

Em segundo lugar, é de se verificar se a competência para julgamento é dos Tribunais de Sobreposição, isto é, se a competência originária para julgamento da demanda é do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, ou se da Justiça Comum, que compreende: (i) a Justiça Estadual e a (ii) Justiça Federal; ou, ainda, da Justiça Especial composta pela (i) Justiça do Trabalho; (ii) Justiça Militar e (iii) Justiça Eleitoral. 

Com relação à Justiça Comum, a competência da Justiça Federal, no geral, se refere a ações que envolvem bens ou interesse da União, por exemplo, causas em que uma das partes seja Estado estrangeiro ou organismo internacional; ou que discuta tratados internacionais; crimes políticos, direitos humanos, entre outros. Já a competência da Justiça Estadual é subsidiária e se define por exclusão, cabendo processar e julgar tudo que não for matéria da Justiça Especial nem da Justiça Federal. Via de regra, os litígios de cunho contratual e/ou empresarial, são processados perante a Justiça Comum. 

Ainda, e terceiro lugar, faz-se necessário verificar se aquela matéria a ser posta em juízo, excepcionalmente, é de competência originária do Tribunal respectivo (Tribunal Regional Federal ou Tribunal de Justiça Estadual), ou seja, da 2ª instância dos respectivos Tribunais, ou se, seguindo a regra comum, é de competência do primeiro grau de jurisdição do respectivo Tribunal, ocasião em que deverá ser verificado, também, qual a unidade territorial (foro) competente, que, em regra geral, se define pelo domicílio do Réu. 

Vale destacar, ademais, acerca da importância dos Juizados Especiais, quer no que se refere à democratização do acesso ao judiciário, quer no que se refere ao incentivo à composição, funcionando o referido órgão, que também tem divisão de competência (cível, criminal, federal e da fazenda pública), como um instrumento propício de busca, pelo jurisdicionados, de soluções para seus conflitos cotidianos de forma rápida, eficiente e gratuita. Neles se julgam as causas consideradas de menor valor e complexidade, de forma mais célere, econômica e efetiva, sempre se incentivando, antes mesmo da instrução da causa, a conciliação entre as partes.

2.3. Modelo Processual Civil Brasileiro.

 

O Modelo Processual adotado pelo Brasil pelo moderno e contemporâneo Código de Processo Civil vigente, é considerado um modelo “cooperativo”, em que o processo não é determinado exclusivamente pelas partes, nem deve ser conduzido de forma assimétrica pelo juiz, tendo por objetivo a condução por todos os partícipes da relação processual de forma cooperada.

Dessa forma, o juiz e as partes têm responsabilidades claras e participam ativamente, cooperando entre si, na busca do resultado-fim do processo, qual seja, a obtenção de uma decisão de mérito justa e efetiva, em tempo razoável.

Valoriza-se o contraditório, permitindo que as partes influam ativamente na formação do convencimento do juiz, e, também, a fundamentação, sendo considerada nula qualquer decisão que não seja devidamente fundamentada, isto é, qualquer decisão em que não sejam demonstradas as razões que conduziram o magistrado àquela decisão.

Por força de Tratado Internacional – Pacto de São José da Costa Rica (Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem), e também por razões históricas, prevê a legislação brasileira a garantia do duplo grau de jurisdição, princípio de direito processual que assegura a todos os jurisdicionados a reanálise de seu processo por uma instância superior, como será melhor abordado a seguir.

2.4.  Procedimento


Para se iniciar um processo judicial no Brasil, salvo na hipótese do sistema dos juizados especiais, é mandatório à parte que pretende levar seu caso ao crivo do judiciário, que constitua um advogado através de uma procuração específica, ad judicia, que outorgará poderes para que seja representada perante o Poder Judiciário.

A porta de entrada no Poder Judiciário é a Petição Inicial, na qual o Autor da demanda narra a sua versão dos fatos, os fundamentos de seu direito, anexa a prova documental que possuir e inclui os seus pedidos, indicando as demais provas que pretende produzir.

Presentes os requisitos da Petição Inicial, o magistrado a recebe e determina a citação da parte contrária, para que apresente sua resposta, que pode se dar em forma de Contestação, apresentando sua defesa, e/ou Reconvenção, na qual poderá incluir pedidos contrários, os quais serão decididos juntamente com os pedidos já apresentados pelo Autor. Neste momento, sob pena de preclusão, deverá ser apresentada toda a prova documental pelo Réu, bem como indicadas as provas que pretende produzir.

Com as duas versões dos fatos, o magistrado estará preparado para sanear o processo, fixando quais são os pontos controvertidos e os pontos que se tornaram incontroversos (admitidos por ambas as partes), bem como determinando quais provas serão produzidas para que se elimine a controvérsia existente.

Sendo possível a decisão acerca do conflito sem a produção de novas provas, e não sendo verificado nenhum vício processual, o magistrado estará apto ao julgamento antecipado do feito, proferindo sua decisão de mérito, dando uma solução ao conflito.

Sendo necessária a produção de novas provas, o magistrado irá determiná-las, sendo os meios mais comuns: o depoimento pessoal das partes; a exibição de documento ou coisa; a oitiva de testemunhas, a realização de prova pericial e a inspeção judicial. Não existindo novas provas a serem produzidas, o magistrado, após dar a oportunidade para que as partes se manifestem, irá proferir a sua decisão de mérito.

Essa decisão é proferida em primeira instância por um juiz togado e é chamada de ‘sentença’. Em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, é possível apresentar recurso de apelação requerendo a reanálise de todos os fatos e provas pela instância superior, em julgamento por painel de três juízes, que emitem sua decisão e os motivos do seu convencimento em um ‘acórdão’, contendo seu voto escrito.

Há previsão de novos recursos, porém com cabimento mais restrito, como, por exemplo, Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, para discussão de violação à lei federal, e Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, para casos de ofensa à Constituição Federal, desde que preenchidos os requisitos de forma atinentes a cada espécie recursal.

Decorridos os prazos processuais para a interposição de recursos, sem que nenhuma parte tenha recorrido, é certificado o trânsito em julgado da demanda, formando-se assim, a chamada coisa julgada material, isto é, a decisão, via de regra, se torna imutável, não sendo possível nova discussão acerca da mesma controvérsia, momento a partir do qual a parte vencedora pode dar início à fase de execução da decisão e satisfação do pleito.

Ressalta-se que a lei processual civil vigente no Brasil, faculta às partes uma maior autonomia relacionada ao rito processual, prevendo a possibilidade da realização de negócios jurídicos processuais, por meio dos quais se pode alterar o procedimento, convencionando, por exemplo, sobre os prazos processuais, sobre a quem recai a produção da prova, sobre as faculdades e deveres processuais das partes, entre outras questões, cabendo ao magistrado, todavia, o controle da legalidade de tais disposições, à vista do ordenamento jurídico. Essa faculdade conferida pelo código de processo civil vigente, cria uma cláusula geral de negociação processual, que pode ter como objeto as situações processuais das partes e o procedimento, modernizando o processo e carreando a ele maior efetividade.

Destes breves apontamentos acerca do acesso à jurisdição estatal brasileira, verifica-se que o judiciário pode ser sim um bom meio de resolução de conflitos, por exemplo, já que sua organização é clara, seus custos são bastante inferiores ao de uma arbitragem, por exemplo, e seu corpo técnico é bastante competente, por vezes divididos por especialidade, à facilitar e melhorar a qualidade das decisões prolatadas.  

3.0. Meios alternativos de resolução de conflitos.

Em que pese a suficiência da jurisdição para resolução de conflitos que surgem na sociedade, torna-se cada vez mais latente a necessidade de utilização de meios alternativos para resolvê-los – ou até mesmo, evitá-los – haja vista a morosidade que assombra o sistema judiciário brasileiro e a insatisfação das partes com a burocratização da via jurisdicional.

E nesse sentido, hoje, no Brasil, é possível observar a presença de diversos meios alternativos de resolução de conflitos se desenhando e ganhando forma, merecendo destaque: (i) a Arbitragem; (ii) a Autocomposição (mediação e conciliação); e (iii) o Comite de Resolução de disputas (Disput Board), que conforme se verá adiante, estão ganhando cada vez mais espaço no cenário nacional, especialmente após a edição da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e alteração dada pela Resolução n. 326/20 à Resolução 125 do CNJ.

 

3.1.  Arbitragem.

A arbitragem é caracterizada como um meio de heterocomposição de resolução de conflitos, todavia, diferente da via judicial, é privada. Nesse meio de resolução de conflitos  há a figura do árbitro (uma ou mais pessoas), que figura como  terceiro imparcial escolhido livremente pelas partes ou indicados pelas câmaras arbitrais responsáveis pelo processamento da arbitragem, dotado de poder e autoridade conferidos pelas próprias partes, para proferir a decisão, seguindo os ditames da lei processual e da lei material escolhidas também de modo prévio pelas partes, no bojo da cláusula compromissória existente em um contrato ou em função de um compromisso arbitral firmado após a instauração do litígio. As câmaras arbitrais, em que pese não obrigatórias, por vezes desempenham papel importantíssimo na condução processual da arbitragem, conferindo segurança e lisura ao procedimento.

No Brasil, a execução da sentença arbitral – a qual frisa-se ter a mesma força que a judicial – é realizada perante o Poder Judiciário, que detém o monopólio das medidas coercitivas para fazer com que a decisão seja cumprida. Tal execução se dará pelo procedimento de cumprimento de sentença, sob pena de expropriação de bens, entre outros, na hipótese de descumprimento, assim como nos casos de títulos proferidos pelo próprio Judiciário

Para casos decorrentes de conflitos empresariais complexos, a arbitragem se revela como interessantíssimo meio de resolução, quer em razão da especialidade dos árbitros naquela matéria em discussão, quer em razão da celeridade do procedimento e decisão ou em razão do sigilo, em que pese seus custos comumente se revelem bastante elevados em comparação aos outros meios de resolução de conflitos.

Recentemente, a Lei de Arbitragem (Lei n.º 12.129/2015) passou por modernização por meio da Lei n.º 13.129/2015, trazendo diversos avanços no que atinge a Administração Pública; a interrupção da prescrição; e ao explicitar a possibilidade de o árbitro proferir sentenças parciais. Questões que antes eram controvertidas e foram pacificadas pela modernização da lei.

 

3.2 Autocomposição

Partindo para os demais meios de resolução de conflito, há, ainda, no Brasil, a possibilidade da autocomposição, meio alternativo de resolução de conflito que ganhou força com a alteração dada pela Resolução n. 326/20 à Resolução 125 do CNJ, a qual institui a “Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de interesse”, garantindo o oferecimento de outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, instituindo também a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou CEJUSCs), que ficaram responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores que atuam nos Tribunais.

E assim sendo, cumpre dizer que a autocomposição pode ser dividida em três espécies, quais sejam, (i) a negociação: quando as partes chegam consensualmente a uma solução, sem que haja a intervenção de terceiros; (ii) a conciliação: quando existe a presença de um terceiro imparcial, interferindo com fatos e informações relevantes sobre o litigio, buscando a melhor forma de solucionar o impasse; e (iii) a mediação: quando a solução, de forma voluntária,  é firmada na presença de um terceiro imparcial, que ajudará na manutenção da relação entre as partes e do diálogo, deixando que as próprias partes encontrem a melhor solução para o conflito. Seja na hipótese de conciliação, seja na hipótese de mediação, importante destacar que o terceiro imparcial funcionará como ferramenta propiciadora dos debates e da composição, sem qualquer atribuição coercitiva ou decisória, diferenciando-se as modalidades apenas no grau de intervenção do terceiro.

De um lado, enxerga-se a negociação como um excelente meio de pacificação social, porque inexiste no caso concreto a intervenção de terceiros e nem uma decisão impositiva, como ocorre na jurisdição estatal ou arbitral, valorizando-se a autonomia da vontade das partes na transação e resolução dos conflitos, sem a intervenção de um terceiro.

Por outro lado, na conciliação ou mediação há necessariamente a presença de um terceiro imparcial, intermediador do conflito. Na conciliação, que pode se dar extrajudicialmente ou até no curso de processo judicial, vale ressaltar que este terceiro, o conciliador, assume posição ativa e participativa, agindo como facilitador e podendo sugerir os termos do possível acordo, sem, todavia, capacidade decisória. 

E em se tratando de conciliação judicial, o código de processo civil brasileiro vigente tornou mandatória a designação de audiência prévia de conciliação, o que se dá após o recebimento da petição inicial pelo magistrado e antes do oferecimento da defesa pelo Réu. Referida audiência somente não será obrigatória na hipótese de ambas as partes manifestarem desinteresse na realização do ato ou nos casos em que o direito em discussão não admitir autocomposição. Procedimento parecido já é adotado pela Lei dos Juizados Especiais há mais de 20 (vinte) anos, todavia, naquela seara, a audiência de conciliação é sempre obrigatória antes da apresentação da defesa pelo Réu.

Há ainda a mediação, que busca resolver de forma mais abrangente o conflito das partes. Neste caso, o terceiro imparcial é o mediador, que apesar de também não deter poder decisório, diferentemente do conciliador, nunca interfere nos termos do acordo, não toma qualquer iniciativa de proposição da composição e não faz qualquer comentário referente ao mérito da discussão, deixando às partes a solução do conflito sem a sua intervenção direta. Funciona o mediador como um moderador e o seu objetivo é facilitar a comunicação das partes, as conduzindo a um entendimento sobre a questão conflituosa. A mediação possui lei própria que a disciplina e, assim como a conciliação, pode se dar em âmbito judicial ou extrajudicial. Há controvérsias acerca da medição judicial, vez que quando praticada no âmbito do poder judiciário, não se observam dois dos princípios basilares do instituto: a voluntariedade (haja vista a previsão de obrigatoriedade) e a confidencialidade – em vista do auto lavrado com acesso público. 

Atualmente, no âmbito dos conflitos empresariais, é possível observar grande avanço na resolução de conflitos no que diz respeito a Recomendação n. 71/2020 do CNJ, que recomendou aos Tribunais a implementação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania Empresariais (CEJUSC Empresarial), com intuito de dar tratamento adequado aos conflitos envolvendo matérias empresariais de qualquer natureza e valor, na fase pré-processual ou em demandas já ajuizadas.

Nessa mesma toada também se observou alteração significativa no âmbito da autocomposição empresarial no que diz respeito a atualização da lei de recuperação judicial e falência, alterada pela lei n.º 14.112/2020 que incentivou e positivou o cabimento de técnicas de resolução consensual dos conflitos na insolvência empresarial, inclusive nas fases antecedente ao processo de recuperação judicial. 

 

3.3.  Comite de Prevenção e solução de Disputas (Dispute Board Resolution).

Por fim, é necessário dar destaque aos chamados dispute board resolution (ou comitê de prevenção e solução de disputas), que figuram como um mecanismo alternativo de resolução de conflitos, consistente na formação de um comitê  formado por especialistas – imparciais – que acompanharão um projeto de longa duração desde o seu princípio até o término, objetivando a prevenção e auxiliando na solução de controvérsias que possam surgir durante a difusão de determinado projeto – normalmente obras de engenharia civil.

O dispute board é a modalidade mais recente de resolução de conflito e pode ser considerado como um meio alternativo, que além de resolver determinada controvérsia, busca justamente a prevenção dos conflitos e, em última análise, até mesmo facilitar o julgamento de demanda judicial ou arbitral que venha a ser proposta. Os membros do dispute board podem, a depender do caso concreto e dos poderes que lhes forem outorgados pelas partes, emitir recomendações ou tomar decisões.

Referida modalidade confere força aos contratos, garantindo que a atividade econômica representada pelo instrumento contratual seja devidamente implementada, sempre considerando a sua finalidade. No Brasil, um exemplo de aplicação dessa modalidade de resolução de conflitos foi a atuação do “Comitê de Resolução de Disputas” nos contratos de construção da Linha 4 Amarela do metrô de São Paulo.

E nesse sentido, na I Jornada de “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios” realizada pelo Conselho da Justiça Federal, foi editado o enunciado n. 49 que prediz: “Os Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) são método de solução consensual de conflito, na forma prevista no § 3º do art. 3º do Código de Processo Civil Brasileiro”, sendo considerada a 1ª observância da modalidade no âmbito legislativo nacional.

De outra banda, recentemente no Brasil, referida modalidade de resolução de conflito foi reconhecida pela nova lei de licitações (Lei n.º 14.133/2021), que admitiu em seu art. 151 a utilização de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias nos contratos administrativos, fazendo expressa menção ao comitê de resolução de disputas, o que garante maior aplicação desta modalidade alternativa.

Também vale apontar que o Regulamento da Câmara de Comércio Internacional – ICC sobre os dispute boards prevê três diferentes modalidades de dispute board: (i) dispute review boards (DRBs): os quais emitem recomendações sem caráter vinculante; (ii) dispute adjudication boards (DABs): os quais são formados para decidir as disputas decorrentes do contrato, sendo a decisão obrigatória para as parte, e (iii) combined dispute boards (CDBs) comitês que possuem as características de ambas as espécies.

Por fim, importante ainda destacar, no contexto atual do Brasil, a existência de Ferramentas Online de Resolução de Disputas (Online Dispute Resolution – ODR). Tais mecanismos foram desenvolvidos por grandes empresas do setor privado que, pela própria natureza do negócio, normalmente vinculados à mercados de consumo em larga escala, sofrem com o elevadíssimo número de conflitos e demandas judiciais, cujo custo operacional de administração de tal passivo impacta severamente nas provisões e resultados das companhias. 

 

Diante de tal cenário e da incapacidade dos métodos existentes de resolução de conflitos em absorvê-los com baixo custo e operação facilitada, pois demandam os meios já tratados da intervenção humana em um número muito grande de conflitos, passaram a investir na criação de tais ferramentas, personalizadas para as necessidades e características próprias das corporações.

 

Essas ferramentas, mesclando inteligência artificial e ciência de dados, aliam regras de administração desse passivo com técnicas de negociação e mediação, tudo no formato de um software, tornando a gestão do volume de reclamações e conflitos muito menos onerosa e sua resolução muito mais célere, já que o fluxo informacional é gerenciado pela plataforma online, deixando para a intervenção humana um número reduzido de casos que fogem aos filtros pré-determinados, gerando uma grande quantidade de acordos, minimizando custos e garantindo a satisfação dos envolvidos.

4. Escolha do Meio Mais Adequado de Resolução do Conflito

Da exposição de todos os meios de resolução de conflitos listados, surge a dúvida: como escolher o meio mais adequado?

Para solucionar a questão, deve-se ter em mente a análise do caso concreto e quais as características dos modelos que melhor atendem os interesses fundamentais das partes que devem sempre ser preservados e observados.

É fundamental que o meio de resolução seja célere? Seja econômico? Seja sigiloso? Preserve a relação empresarial? Necessite da análise técnica de um especialista? Disponha de amplos meios de defesa/recursos? Disponha de medidas coercitivas ou provisórias? Disponha de decisões vinculativas e definitivas?

Como exemplo, o método da conciliação deve ser escolhido preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes. Logo, a conciliação é mais adequada para conflitos de interesses que não envolvam relação continuada entre as partes, que passaram a manter um vínculo justamente em razão da lide instaurada, como ocorre numa colisão de veículos. Ou ainda para aquelas partes que têm uma relação anterior pontual, tendo a lide surgido justamente desse vínculo, como ocorre num contrato celebrado para a compra de um produto ou para a prestação de um serviço.

Noutro giro, a mediação deve ser eleita preferencialmente nos casos em que tiver havido liame anterior entre as partes. São casos em que as partes já mantinham alguma espécie de vínculo continuado antes do surgimento da demanda judicial, o que caracteriza uma relação continuada e não apenas instantânea entre elas. Assim é mais aconselhada a sua utilização em casos decorrentes de direito de família, de vizinhança e societário.

Já nos casos em que estão envolvidos grande projetos, propiciamente do setor da construção civil e que estejam envolvidos valores muitos altos, aconselha-se a criação dos comitês de prevenção e solução de disputas, a fim de que se minimizem as chances de eventuais conflitos. 

Por sua vez, empresas de prestação de serviços ou fornecedoras de produtos com grande atuação no mercado e que estabelecem inúmeras relações comerciais com seus consumidores devem analisar o emprego de ferramentas online de resolução de disputas, por ser um meio célere e econômico com maior probabilidade de preservação da relação empresarial, diante do pronto atendimento ao cliente sem a necessidade de busca da tutela estatal para casos menos complexos.

Se o interesse da empresa for pela busca de um método de resolução de casos complexos, sigilosos, altamente especializados por terceiro com know how, de forma rápida, sem formalidades de procedimentos, sem a possibilidade, a rigor, de reversão da decisão por meio de recursos, sem se importar necessariamente com os custos do procedimento, o meio mais adequado é a arbitragem.

Por fim, caso o interesse primordial da instituição privada seja a disponibilidade de recursos para reversão de uma decisão desfavorável, possibilidade de obtenção de medidas provisórias que antecipam os resultados da decisão final ou medidas coercitivas para cumprimento de decisões, o poder judiciário mostra-se a melhor opção.

 


Autores: João Paulo Balthazar Leite e Giovanna Rocha de Castro

Schalch Sociedade de Advogados

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