Doing Business in Brazil

9. Controle Cambial Brasileiro

05/09/25

9. Controle Cambial Brasileiro

Compreender a estrutura de controle de câmbio (FX) do Brasil é fundamental para empresas e investidores. Historicamente caracterizado por um ambiente altamente regulado e frequentemente complexo, o Brasil implementou recentemente mudanças legislativas significativas visando modernizar e simplificar seu cenário cambial, alinhando-o mais de perto às melhores práticas internacionais. Este capítulo fornece uma visão concisa das principais transformações dentro do sistema de câmbio brasileiro.

9.1. Evolução do Controle Cambial

Por décadas, o mercado de câmbio brasileiro operou sob um sistema rigoroso, primariamente regido pela Lei nº 4.131 de 1962 e por várias regulamentações do Banco Central do Brasil (“BACEN”) e do Conselho Monetário Nacional (“CMN”). Essa estrutura frequentemente exigia autorização prévia para transações, impunha limites estritos ao fluxo de capital e demandava extensa documentação. Embora destinada a gerenciar o balanço de pagamentos e proteger as indústrias nacionais, sua complexidade frequentemente desestimulava o investimento estrangeiro direto. Uma mudança fundamental ocorreu com a promulgação da Lei nº 14.286 em 29 de dezembro de 2021 (a “Nova Lei Cambial“). Esta legislação marcante, totalmente efetiva desde janeiro de 2023, representa a reforma mais abrangente em mais de seis décadas. Seus principais objetivos são simplificar as regras, reduzir a burocracia, aumentar a segurança jurídica e integrar ainda mais a economia brasileira ao sistema financeiro global. Resoluções subsequentes do BACEN fornecem diretrizes detalhadas de implementação.

9.2. Regime Cambial do Brasil

O Brasil opera um regime de câmbio flutuante gerenciado, também conhecido como “flutuação suja”. Embora a taxa de câmbio, primariamente em relação ao dólar americano, seja amplamente determinada pelas forças de mercado (oferta e demanda), o BACEN mantém um papel crucial. Ele intervém seletivamente por meio de operações no mercado à vista e instrumentos derivativos (por exemplo, contratos de swap cambial) para mitigar volatilidades abruptas e manter a funcionalidade do mercado, sem fixar diretamente a taxa. Essas intervenções visam alinhar a taxa de câmbio com os fundamentos econômicos, preservar a estabilidade de preços e oferecer previsibilidade aos agentes econômicos.

9.3. A Nova Estrutura Cambial: As Mudanças Mais Importantes

A Nova Lei Cambial remodela fundamentalmente a forma como as operações de câmbio, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no Brasil e o reporte de informações são gerenciados. Seu princípio central é a liberalização do mercado, mudando de uma estrutura proibitiva para uma que permite operações, a menos que explicitamente restritas.

9.3.1. Principais Disposições Legislativas (Lei nº 14.286/2021):

  • Operações Liberalizadas: Operações de câmbio podem agora ser “realizadas livremente, sem limites de valor”, desde que em conformidade com a legislação existente. As taxas de câmbio são “livremente acordadas” entre instituições autorizadas e clientes. A simplificação dos fechamentos de câmbio é notável, com uma redução no número de categorias de câmbio para operações de pequeno valor (até US$ 50.000) de mais de 200 para apenas 8 categorias, e a dispensa da obrigatoriedade de assinatura de contratos de câmbio para certas operações, conferindo maior celeridade às transações.
  • Uso Expandido de Moeda Estrangeira no Brasil: A lei amplia as situações em que as obrigações pagáveis no Brasil podem ser denominadas em moeda estrangeira, incluindo contratos de comércio internacional e transações em que uma das partes é não residente. Também permite contas em moeda estrangeira para setores estratégicos (por exemplo, petróleo, energia).
  • Entrada e Saída de Dinheiro em Espécie: Indivíduos podem agora portar até US$ 10.000 (ou equivalente) em dinheiro em espécie sem intermediação de uma instituição autorizada, alinhando-se aos padrões internacionais. Valores que excedam este limite exigem processamento por meio de instituições cambiais autorizadas e podem exigir prova de origem/destino.
  • Venda Eventual de Moeda entre Pessoas Físicas: A nova legislação passou a permitir a compra e venda eventual de moeda estrangeira em espécie entre pessoas físicas, limitada a US$ 500 por operação, sem necessidade de intermediação de instituição autorizada. A medida flexibiliza o uso da moeda estrangeira em situações cotidianas, como a venda de sobras de viagens, sem configurar atividade profissional de câmbio.
  • Flexibilidade para o Capital Brasileiro no Exterior: Empresas brasileiras estão autorizadas a manter recursos em moeda estrangeira fora do Brasil, incluindo aqueles provenientes de financiamento externo. O pagamento de obrigações — como comissões, tributos ou importações — pode ser feito diretamente da conta no exterior. Contudo, o envio desses recursos para contas de terceiros permanece condicionado à comprovação de conexão com as obrigações contratuais da empresa. Não há mais uma internalização imediata obrigatória dos fundos captados, aprimorando a gestão internacional de caixa.
  • Contas de Não Residentes em BRL: A legislação expande a abertura de contas em Real (BRL) por não residentes, promovendo um uso internacional mais amplo da moeda brasileira.
  • Registro de Operações Financeiras (ROF) Simplificado: O ROF agora é obrigatório apenas para operações que excedam US$ 1 milhão ou com prazos iguais ou superiores a 360 dias, reduzindo significativamente a carga de conformidade para transações menores.
  • Responsabilidade do Cliente pela Classificação: Os clientes são responsáveis por classificar a finalidade das operações de câmbio, com as instituições fornecendo o suporte necessário.

9.3.2. Regulamentações de Implementação: Aspectos Operacionais

A Resolução BCB nº 277/2022 (atualizada pela Resolução BCB nº 337/2023) detalha os principais aspectos operacionais da nova estrutura:

  • Categorias Reduzidas e Transparência Aprimorada: O número de categorias de câmbio para operações de pequeno valor (até US$ 50.000) foi significativamente reduzido, simplificando os processos. A divulgação do “Valor Efetivo Total (“VET”)” garante maior transparência em relação às taxas de câmbio, impostos e taxas. Este valor, expresso em BRL por unidade de moeda estrangeira, considera a taxa de câmbio, os impostos aplicáveis e quaisquer taxas cobradas. Para operações de clientes de até US$ 100.000, as instituições devem informar o VET antes da operação.
  • Autorização Expandida para Instituições: Além dos bancos tradicionais, tipos específicos de instituições de pagamento (por exemplo, emissores de dinheiro eletrônico) estão agora autorizados a realizar operações de câmbio para clientes até limites definidos, promovendo maior concorrência e inovação.
  • Flexibilidade nas Regras de Exportação e Importação: Receitas de exportação e pagamentos de importação podem agora ser feitos em BRL ou moeda estrangeira, com regras específicas para pagamentos antecipados (até 360 dias, ou 1800 dias para certas importações de equipamentos/máquinas de grande porte) independentemente da moeda de negociação comercial, oferecendo maior flexibilidade no comércio internacional.
  • Serviços de Câmbio Eletrônico (“eFX”): Foi introduzida uma estrutura específica para serviços eFX, abrangendo várias soluções de pagamento digital e transferências unilaterais, com requisitos claros de transparência.
  • Contas em Moeda Estrangeira no Brasil: A legislação descreve as entidades específicas autorizadas a manter contas de depósito em moeda estrangeira no Brasil, incluindo agências de turismo, embaixadas estrangeiras, organizações internacionais, prestadores de serviços postais, emissores de cartões de crédito internacionais, não residentes (transitoriamente no Brasil), entidades governamentais federais/estaduais/municipais, empresas do setor de energia, seguradoras, transportadoras não residentes e empresas de exploração de petróleo/gás. Cada categoria possui condições e limitações específicas sobre as movimentações da conta.
  • Documentação e Due Diligence: Embora a nova lei vise a simplificação, as instituições ainda mantêm discricionariedade para solicitar ou dispensar documentos comprobatórios com base em sua avaliação de risco, sempre em conformidade com as regulamentações de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo (AML/CFT), especificamente a Circular nº 3.978 de 2020. As instituições devem reter a prova de consentimento do cliente e os detalhes da operação por pelo menos dez anos.

9.4. Investimentos de Não Residentes

A Resolução Conjunta nº 13/2024 (BACEN/CVM), com vigência a partir de 1º de janeiro de 2025, atualiza significativamente a estrutura para investimentos de não residentes nos mercados financeiro e de valores mobiliários brasileiros:

  • Acesso Unificado e Igualitário: Investimentos de não residentes podem agora acessar os “mesmos instrumentos financeiros e modalidades disponíveis para investidores residentes”, promovendo um campo de atuação nivelado.
  • Isenções de Representação: Crucialmente, a resolução introduz importantes isenções da exigência de nomear um representante no Brasil e obter registro na CVM para certos investidores corporativos e individuais não residentes, particularmente para investimentos menores ou aqueles realizados por meio de contas em BRL.
  • Exigência de Fluxo de Fundos Locais: Uma proibição geral é estabelecida contra a realização de pagamentos e movimentações financeiras de contas no exterior para investimentos abrangidos por esta resolução; os fundos devem tipicamente fluir para e do Brasil através do sistema financeiro doméstico.

9.4.1. Obrigações de Reporte ao BACEN

Apesar da liberalização, o reporte robusto permanece vital para estatísticas macroeconômicas, supervisão e conformidade com as regulamentações de Prevenção à Lavagem de Dinheiro/Combate ao Financiamento do Terrorismo (AML/CFT).

  • Mandato Geral: O BACEN mantém ampla autoridade para solicitar dados de instituições autorizadas e residentes em relação a operações de câmbio, fluxos de capital e compensação privada de créditos.
  • Reporte de Operações de Câmbio: As instituições autorizadas devem reportar dados detalhados das operações de câmbio ao Sistema Câmbio do BACEN, com horários de corte diários, embora operações de até US$ 50.000 tenham prazos de reporte mensais estendidos.
  • Reporte de Contas de Não Residentes: Instituições que mantêm contas em BRL para não residentes devem reportar as movimentações até o quinto dia do mês subsequente, com requisitos mais rigorosos para transações de alto valor.
  • Reporte de Investimentos de Não Residentes: Representantes e instituições que lidam com investimentos de não residentes são obrigados a manter registros atualizados, fornecer informações ao BACEN e à CVM mediante solicitação e reter a documentação por pelo menos dez anos. O papel do cliente na classificação das transações permanece essencial.

A nova estrutura cambial no Brasil marca uma transição significativa em direção a um sistema financeiro mais aberto, moderno e internacionalmente alinhado.

9.5. Referências Bibliográficas:

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020. Dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados pelas instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil com vistas à prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 24 jan. 2020.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 277, de 31 de dezembro de 2022. Dispõe sobre a prestação de serviços de câmbio por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 2 jan. 2023.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 337, de 4 de agosto de 2023. Altera a Resolução BCB nº 277, de 31 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a prestação de serviços de câmbio por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 7 ago. 2023.

BANCO CENTRAL DO BRASIL; COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Resolução Conjunta nº 13, de 11 de março de 2024. Dispõe sobre investimentos no País por investidores não residentes. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962. Dispõe sobre o capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 5 set. 1962.

BRASIL. Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021. Dispõe sobre o mercado de câmbio, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no País e a prestação de informações ao Banco Central do Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 30 dez. 2021.

CARRETE, Liliam S. Mercado Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. E-book. p.iv. ISBN 9788597021394. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788597021394/. Acesso em: 24 jul. 2025.

REIS, Felipe José Geromim dos; SILVEIRA, Andréa Oliveira da; CAMPOS, Elizama do Nascimento O.; ET. Finanças internacionais e câmbio. Porto Alegre: SAGAH, 2023. E-book. p.76. ISBN 9786556903705. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556903705/. Acesso em: 24 jun. 2025.


Autores: Analice Hegg Amaral Lima e Ellen Porto Gomes

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