Doing Business in Brazil

38. Infraestrutura

30/06/23

O CONTRATO DE SEGURO GARANTIA COMO INSTRUMENTO IMPULSIONADOR DA INFRAESTRUTURA NACIONAL

A necessidade de se desenvolver o setor da infraestrutura no país, aliada à complexidade técnica e jurídica dos projetos relacionados, acaba por exigir das partes envolvidas um estudo pormenorizado dos riscos envolvidos em suas diversas fases.

São necessários, para sua consecução, instrumentos eficientes de gestão, podendo-se afirmar que o maior ou menor sucesso de determinado projeto está diretamente ligado à capacidade dos envolvidos de identificar e mensurar os riscos da operação e de alocá-los corretamente entre os diversos players nela envolvidos.

A mitigação desses riscos, sobretudo daqueles relacionados a um cenário de default, pode ocorrer não só por meio dos mecanismos contratuais e de gerenciamento, mas também por meio de um pacote de seguros estruturado de acordo com as especificidades técnicas e jurídicas do projeto ao qual se destina.

Nesse contexto apresenta-se o seguro garantia como um importante instrumento para o setor, na medida em que tem por objetivo garantir ao contratante, o segurado da apólice, indenização por eventual inadimplemento incorrido pelo contratado, tomador do seguro.

Sua contratação, via de regra, é condicionada à celebração, entre a seguradora e o tomador do seguro, do chamado contrato de contragarantia, que disciplina quais as garantias oferecidas pelo tomador para fins de subscrição daquele determinado risco e que possibilitarão o ressarcimento dos valores a que a seguradora eventualmente vier a indenizar em virtude da ocorrência de risco coberto pela apólice.

Representa, ademais, uma modalidade de garantia menos onerosa se comparada às garantias tradicionalmente exigidas, tais como a fiança ou a caução, na medida em que desonera ativos do contratado que ficariam indisponíveis nas ditas garantias convencionais.

Regulamentação atual

O seguro garantia é atualmente regido pela Circular SUSEP n. 662/2022, que estabelece “regras e critérios para a elaboração e a comercialização” de seguros garantias, que entrou em vigor em 02/05/2022.

Objeto

De acordo com a Circular, o seguro garantia “destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas”. Trata-se, portanto, de seguro pelo qual a seguradora obriga-se ao pagamento da indenização, nos termos do art. 21, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida, conforme estabelecido no objeto principal ou em sua legislação específica, respeitadas as condições e limites estabelecidos no contrato de seguro”.

Nesse particular, destaca-se que o segurado é o “credor das obrigações assumidas pelo tomador no objeto principal”, que pode se tratar de pessoa sujeita ao regime jurídico de direito público ou privado, e o tomador é o “devedor das obrigações estabelecidas no objeto principal perante o segurado”.

Além disso, a Circular prevê a possibilidade de inclusão de beneficiários na apólice, desde que tenham relação com a obrigação garantida, o que ocorre, por exemplo, com agentes financiadores.

O objeto principal, por seu turno, consiste na relação jurídica, contratual, editalícia, processual ou de qualquer outra natureza, geradora de obrigações e direitos entre segurado e tomador, independentemente da denominação utilizada” e a obrigação garantida corresponde à obrigação assumida pelo tomador junto ao segurado no objeto principal e garantida pela apólice de Seguro Garantia”, que pode se limitar a fases, etapas, ou entregas parciais do objeto principal”, de acordo com as disposições do instrumento.

O seguro, portanto, consiste em um contrato vinculado ao objeto principal, que deve respeitar as suas características, dispositivos e legislação específica.

Ainda segundo a Circular, essa modalidade de garante “as obrigações do objeto principal, para as quais o segurado demandar cobertura”. E que, “na hipótese de o seguro garantia não garantir todas as obrigações do objeto principal, a apólice deverá destacar esta informação, além de descrever, de forma clara e objetiva, as exatas obrigações garantidas”.

E ainda a esse respeito, a Circular prevê que são riscos excluídos do seguro, (i) a inadimplência de obrigações garantidas decorrente de atos ou fatos de responsabilidade do segurado que tenham contribuído de forma determinante para ocorrência do sinistro” e “a inadimplência de obrigações do objeto principal que não sejam de responsabilidade do tomador”, além de outras situações devidamente descritas nas condições da apólice.

Principais modalidades

Conforme a Circular SUSEP n. 662/2022, modalidade consiste no conjunto de cláusulas que estabelecem as disposições específicas do Seguro Garantia de acordo com as características, dispositivos e legislação da obrigação garantida”.

Ao contrário do que dispunha a Circular anterior, a regulamentação atual não arrola as modalidades passíveis de comercialização pelas Seguradoras. Estabelece, nesse particular, apenas as necessidade de que cada modalidade comercializada pelas Seguradoras observem as características e legislação específica do objeto principal, além de (i) descrever com clareza o compromisso assumido pela Seguradora perante o Segurado, isso é, o objetivo do seguro, (ii) estabelecer regras referentes à expectativa, caracterização e comunicação do sinistro, conforme o caso, e (iii) esclarecer os valores garantidos pela apólice e os critérios e métodos objetivos para o cálculo do valor da indenização.

Atualmente, as modalidades de seguro garantia mais comercializadas no Brasil para garantia de projetos de infraestrutura são: executante (construtor, prestador de serviço ou fornecedor), adiantamento de pagamentos, retenção de pagamentos e manutenção corretiva.

A executante, via de regra, tem por objetivo garantir cobertura para o sobrecusto decorrente do inadimplemento do tomador, e, com a Nova Lei de Licitações, terá um papel ainda mais importante na entrega de obras relevantes para o desenvolvimento e crescimento do país.

E isso se deve, primordialmente, à possibilidade de que a Administração Pública, nos projetos de engenharia de grande vulto, identificados, pela Lei, como sendo aqueles que envolvem valores superiores a R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)1, exija a cláusula de retomada, que demandará o exercício regular do chamado step in rights, que possibilita a intervenção do garantidor, no caso, da seguradora, diretamente no projeto, senão vejamos:

Art. 99. Nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 desta Lei, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.

Nessa hipótese, portanto, o edital poderá exigir a prestação de garantia na modalidade seguro garantia e prever a obrigação da seguradora de, em caso de inadimplemento pelo tomador, assumir a execução e concluir o objeto do contrato.

A modalidade conhecida como adiantamento de pagamento, por sua vez, garante cobertura para parcelas antecipadas pelo segurado ao tomador para fins de execução do escopo ajustado e que não venham a ser amortizadas por responsabilidade do tomador.


1Art. 6º, XXII, da Lei. 

A de retenção, por sua vez, substitui aquelas retenções previstas em contrato para determinada finalidade e garante o pagamento da indenização no caso de descumprimento, pelo tomador, da obrigação atrelada à retenção. 

A apólice de manutenção corretiva, por fim, garante cobertura para aqueles itens que demandem manutenção após a entrega do projeto e que porventura não sejam executados por responsabilidade do tomador.

Todas, como visto, tem em comum o objetivo primordial de fomentar a conclusão dos projetos por elas garantidos.

Principais características

Valor da garantia

O valor da garantia representa o valor máximo garantido pela apólice e deve ser definido pelo segurado de acordo com a obrigação garantida e sua legislação específica, quando houver.

Vigência

Do mesmo modo, a vigência da apólice deve estar relacionada ao prazo de vigência da obrigação garantida, exceto se o objeto principal ou a legislação aplicável, quando o caso, dispuser de outra forma.

Prêmio

Com relação ao prêmio, a Circular estabelece que a responsabilidade do pagamento do seu prêmio é do Tomador, na medida em que se trata de uma apólice contratada em benefício de terceiro. Também por essa razão, estabelece que a apólice continua em vigor ainda que a Tomadora não tenha realizado o pagamento do prêmio no prazo avençado.

Franquias, participações obrigatórias do segurado e carência

A Circular também prevê o estabelecimento de franquias, participações obrigatórias do segurado e/ou prazo de carência, desde que mediante expressa anuência do segurado.

Concorrência de apólice

Por fim, destaca-se que a Circular prevê a vedação da utilização de mais de um seguro garantia para cobrir a mesma obrigação do objeto principal, exceção feita a apólices complementares.

Contratação

Nesse particular, tem-se que a forma de contratação do seguro garantia é a risco absoluto, ou seja, a seguradora responde integralmente pelo valor do sinistro indenizável, desde que observados os termos e limites da apólice, não se aplicando cláusula de rateio.

Expectativa, sinistro (caracterização) e comunicação

Expectativa de sinistro

Uma vez identificado “fato ou ato que indique a possibilidade de caracterização do sinistro”, e desde que haja disposição na apólice a respeito, a Tomadora é obrigada a comunicar à Seguradora a expectativa de sinistro vislumbrada no âmbito do seguro, sob pena de perder o direito à indenização, nos termos previstos na apólice.

E isso se deve primordialmente porque: 

O fim precípuo do seguro garantia não é o pagamento da indenização ou a execução do contrato no lugar do tomador, e sim, buscar evitar o sinistro, por meio do gerenciamento do risco efetuado pela seguradora, que acompanha, através de equipe própria ou de terceirizados, o andamento contratual. (ALMADA, 2010)2.  

Desse modo, sendo comunicada sobre fatos que podem vir a comprometer o cumprimento da obrigação garantida, poderá a seguradora atuar de modo a, de forma colaborativa, vir a evitar o sinistro ou a minimizar suas consequências.

 

Caracterização e Comunicação do Sinistro

O sinistro, por seu turno, é caracterizado “quando comprovada a inadimplência do tomador em relação à obrigação garantida”, e deve ser imediatamente comunicado à Seguradora, na forma da lei, para início do processo de regulação, sob pena de perda de direitos.

Indenização

Uma vez regulado o sinistro e aferida existência de cobertura securitária para o sinistro comunicado, a Seguradora pode indenizar o segurado mediante (i) pagamento em dinheiro dos prejuízos, multas e/ou demais valores devidos pelo tomador, decorrentes do inadimplemento do Tomador, ou (ii) execução da obrigação garantida.

Nesse particular, a Circular estabelece que, no caso de extinção do objeto principal decorrente do sinistro, “eventuais saldos de crédito do tomador apurados juntado ao segurado” devem obrigatoriamente ser “utilizados para amortização do valor da indenização”, o que está em consonância com o princípio indenitário, segundo o qual o segurado não pode lucrar com a ocorrência do sinistro.

Extinção

Já no tocante à extinção da apólice, a Circular prevê que ocorrerá na ocorrência de um dos eventos relacionados abaixo, o que ocorrer primeiro: (i) cumprimento das obrigações garantidas pelo Tomador e concordância expressa do Segurado; (ii) acordo entre segurado e seguradora; (iii) esgotamento do valor da garantia; (iv) extinção do objeto principal; e (v) término de vigência da apólice.

Grandes riscos

Por fim, insta destacar que a aplicação da Circular SUSEP n. 662/2022 é facultativa aos contratos de seguro garantia de grandes riscos, contratados à esteira das disposições da Resolução CNSP n. 407/2021, que, de modo geral, prevê que as apólices poderão ser “livremente pactuadas” entre Segurado, Tomador e a Seguradora, desde que respeitados “os princípios e valores básicos” relacionados pelo normativo: (i) liberdade negocial ampla; (ii) boa-fé; (iii) transparência e objetividade nas informações; (iv) tratamento paritário entre as partes contratantes; (v) estímulo às soluções alternativas de controvérsias; e (vi) intervenção estatal subsidiária e excepcional na formatação dos produtos.

CONCLUSÃO

O seguro garantia se afigura como um instrumento importante para o desenvolvimento do setor de infraestrutura do País, constituindo uma boa alternativa de garantia contratual, na medida em que desonera ativos do contratado que ficariam indisponíveis nas garantias convencionais, possibilitando a continuidade de um projeto quando esse mesmo contratado deixa de executar suas obrigações.

 


2ALMADA, Beatriz de Moura Campos Mello. “O Seguro Garantia como mitigador de riscos nos grandes projetos”. Seguros e Resseguros – Aspectos Técnicos, Jurídicos e Econômicos. São Paulo: Saraiva, 2010. 

 

Para sua plena eficácia, contudo, é importante a correta compreensão do produto e alcance de suas respectivas coberturas, devendo ficar claro que nem sempre o seguro garantia terá o condão de sanar todas as consequências do inadimplemento do tomador.

A gestão das apólices, em termos de vigência, coberturas e boa comunicação com a seguradora, para fins de mantê-la informada acerca de fatos relevantes que possam impactar no risco objeto da garantia e até mesmo como forma de se contar com sua expertise para evitar um sinistro, contribuirá para o bom funcionamento do seguro, minimizando, ainda, o risco de ocorrências que possam conduzir à perda do direito indenizatório.


Autores: Débora Schalch, Tatiana Algodoal Rosa, Juliana Zukauskas

Schalch Sociedade de Advogados – SSA

Av. Brig. Faria Lima, 4.509 – 3º andar
Itaim Bibi
BR-04538-133 São Paulo – SP
Tel (11) 3889 8996
www.ssaadv.com.br