Doing Business in Brazil

32.4. Consumidor

04/08/25

32.4.1. Introdução

O Estado Brasileiro reconheceu a necessidade de tutela legal do consumidor a partir da Constituição Federal de 1988, que, ao assegurar os direitos fundamentais, determinou que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal Brasileira), uma vez que se verificou que o consumidor, via de regra, se apresenta em condição de vulnerabilidade em relação ao fornecedor, devido, em grande parte, à dinâmica do mercado contemporâneo, caracterizado por um número crescente de produtos e serviços que impõe celeridade nas contratações em massa, fundamentalmente, por meio de contratos de adesão.

Desta forma, foi criado o Código de Defesa do Consumidor, sob o intuito de conferir mecanismos aos consumidores que permitam reequilibrar a relação mantida com os fornecedores, sempre buscando conciliar o princípio da legalidade – princípio típico de sistemas jurídicos de civil law, que parte da premissa de que o Poder Judiciário (juízes) somente podem decidir de acordo com as leis positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, – e o equilíbrio entre as partes.

Atualmente, o regime do Código de Defesa do Consumidor se mostra aplicável aos consumidores pessoas físicas ou jurídicas, quando tais sujeitos figurarem como destinatários finais dos produtos/serviços adquiridos (conforme artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor). No tocante às pessoas jurídicas, nas hipóteses em que não figurem como destinatárias finais, a jurisprudência dos tribunais (especialmente do Superior Tribunal de Justiça3) tem entendido pela aplicabilidade da denominada teoria finalista mitigada, que estabelece que, caso não seja destinatária final, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor estará condicionada à demonstração de situação de vulnerabilidade da empresa frente ao fornecedor. O que se buscou com a legislação protetiva do consumidor foi envidar todos os esforços no sentido de assegurar que os riscos existentes se mantenham num limite razoável, que não ameacem a segurança social. Esta, aliás, a função do direito, que não tendo força suficiente para eliminar inteiramente os riscos, procura controlá-los, dentro de uma margem que considera razoável para a sobrevivência do corpo social. Tal finalidade é sumamente observada na denominada teoria da qualidade, segundo a qual a lei impõe a toda a cadeia de fornecedores um dever de qualidade dos produtos que são colocados no mercado e dos serviços que são prestados1.

Pensando nisso, o legislador elencou uma série de situações que, por causarem prejuízos ao consumidor, devem ser indenizadas pelo fornecedor, normalmente em pecúnia – a chamada responsabilização civil.

32.4.2. Responsabilidade Objetiva dos Fornecedores como Regra do Código de Defesa do Consumidor

Nesse ponto, importante fazer uma breve, porém importante ressalva, de uma das principais diferenças existentes entre a responsabilidade civil prevista no Código Civil, e na prevista no Código de Defesa do Consumidor. Quanto ao segundo ordenamento legal – objeto deste artigo – a responsabilidade do fornecedor será, sempre, objetiva, isto é, independe da comprovação de culpa do agente causador do dano (conforme previsão dos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor).

Um dos fundamentos para a adoção da responsabilidade objetiva na legislação consumerista tem relação com a teoria do risco do empreendimento2, que parte da premissa de que todo fornecedor é obrigado a reparar eventuais danos causados por bens ou serviços que venha a fornecer, uma vez que sua atividade está, naturalmente, sujeita a criar riscos ao consumidor, sendo a sua obrigação fornecer, tão somente, produtos ou serviços de qualidade, a fim de garantir a saúde do consumidor, sob pena de ter que indenizar eventuais danos causados.

Dessa forma, o fornecedor deverá responder juridicamente por situações em que se configure uma das hipóteses de acidente de consumo, decorrente de algum tipo de defeito no produto ou prestação de serviços, visando, assim, reparar a ofensa à incolumidade física e/ou psíquica do consumidor.


1 A respeito do tema, a doutrina acrescenta que “o CDC impõe uma teoria da qualidade: os produtos e serviços colocados no mercado pelos fornecedores deverão ter uma ‘qualidade-segurança’ e uma ‘qualidade-adequação’”. (BENJAMIM, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.)2 Conforme entendimento doutrinário: “Em se tratando de relação de consumo, o risco funda-se no ‘risco-proveito’, já que o fornecedor, v.g., o fabricante, tem o proveito econômico da comercialização de seus produtos ou serviços. Logo, deve também responder por todos os riscos derivados do consumo desses bens.” Khouri, Paulo R. Roque A. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo – 7. ed. – São Paulo: Atlas, 2021.

3 A exemplo, destaca-se o seguinte precedente: STJ – AgInt no AREsp: 1076242 SP 2017/0068623-3, Relator.: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 08/08/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/08/2017

 

32.4.3. Excludentes de Responsabilidade do Fornecedor e Responsabilidade Subjetiva do Profissional Liberal.

A despeito da positivação da responsabilidade objetiva no âmbito das relações de consumo, oportuno destacar que o Código de Defesa do Consumidor capitula hipóteses excludentes de responsabilidade do fornecedor, quais sejam: (i) se o fornecedor provar que não colocou o produto no mercado2,  (ii) que mesmo tendo colocado o produto no mercado ou fornecido o serviço, não existe o defeito apontado3 e (iii) ou ainda, que o dano  decorre de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro4.

Ainda, oportuno destacar que a responsabilidade objetiva, ou seja, aquela que independe da comprovação de culpa, não se aplica aos profissionais liberais, conforme preceitua o § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

E tal aspecto tem justificativa no fato de que, com exceção dos profissionais liberais, a responsabilidade objetiva dos demais fornecedores se caracteriza porque eles se obrigam a alcançar um determinado resultado ou a transmitir um produto com certas características de qualidade, quantidade etc.

Logo, nas obrigações de resultado, o devedor (fornecedor) se compromete e o credor (consumidor) pode exigir o atingimento daquele resultado esperado, sob pena de se considerar a obrigação inadimplida. Daí pouco interessa a culpa e, sim, a inocorrência do resultado prometido e contratado.

Já no que diz respeito ao profissional liberal, via de regra, a obrigação é de meio e não de resultado. Espera-se, portanto, que o profissional adote todas as cautelas e exerça a obrigação assumida com a mais escorreita perícia, prudência e diligência. E apenas a partir da comprovação de que o profissional liberal agiu com culpa ou dolo e o respectivo nexo causal com o dano reclamado pelo consumidor, a sua responsabilizada poderá ser cogitada.


2art. 12, § 3°, I.

3art. 12, § 3°, II e 14, § 3°, I.

4art. 12, § 3°, III e 14, § 3°, II

 

31.4.4. Responsabilidade Civil do Fornecedor na pessoa dos seus sócios, administradores ou dirigentes. Desconsideração da Personalidade Jurídica.

A legislação consumerista brasileira também prevê um rol de situações em que os fornecedores, na pessoa dos seus sócios, administradores ou dirigentes também respondam judicialmente pelos danos causados ao consumidor, por meio da chamada desconsideração da personalidade jurídica. Tal instituto, possibilita que as pessoas físicas e/ou jurídicas que figurem como sócios da empresa passem a integrar o polo passivo de um processo judicial, sendo-lhes atribuída responsabilidade patrimonial solidária por todos os danos causados (assim, como via de consequência, os bens particulares dos sócios da pessoa jurídica também são passíveis de atingimento para possibilitar o adimplemento de indenizações devidas aos consumidores prejudicados).

Nesse contexto, é importante destacar que, diferentemente do que ocorre no regime geral do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica no regime do Código de Defesa do Consumidor possui requisitos menos rígidos. Enquanto no regime do Código Civil se exige, necessariamente, a demonstração de atos de abuso da personalidade jurídica (ou seja, atos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial – previstos no art. 50 do Código Civil), no regime do Código de Defesa do Consumidor tal requisito é dispensado, sendo a desconsideração da personalidade jurídica cabível “sempre que sua personalidade [da empresa] for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” (art. 28, §5º do Código de Defesa do Consumidor).

Dessa forma, a previsão legal do art. 28, §5º do Código de Defesa do Consumidor resulta na implicação de que, caso a empresa não possua bens suficientes a adimplir as indenizações frente aos consumidores, sua personalidade jurídica poderá ser desconsiderada (mediante incidente próprio em processo judicial1), possibilitando que o consumidor direcione sua pretensão de ressarcimento frente aos sócios da pessoa jurídica, independentemente da demonstração de qualquer ato fraudulento por parte destes.

E mesmo que não haja insolvência por parte da empresa, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sob o regime do Direito do Consumidor, também se mostra aplicável nas hipóteses em que haja comprovação de: [i] abuso de direito; [ii] excesso de poder; [iii] infração de lei; [iv] fato ou ato ilícito; [v] violação dos estatutos ou contrato social (art. 28 do Código de Defesa do Consumidor).

Assim, o que se nota é que a proteção ao consumidor conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro não se limita apenas à proteção jurídica de forma abstrata e contratual, mas também à disponibilização de meios para a satisfação concreta dos direitos pecuniários dos consumidores frente aos fornecedores, sendo um deles a desconsideração da personalidade jurídica.


1 Sobre o tema: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – 66. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2025.pg. 359

32.4.5. Responsabilidade Penal do Fornecedor na pessoa dos seus sócios, administradores ou dirigentes. Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Não obstante o que até aqui se expôs, o Código de Defesa do Consumidor também prevê hipóteses de responsabilização penal dos fornecedores, estabelecendo diversas condutas, como infrações penais contra o consumidor.

Sob uma análise macro, a Constituição Federal traz a previsão de responsabilização penal da pessoa jurídica em dois dispositivos (art. 225 § 3º e 173 § 5º), contudo, ainda que haja imputação aos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, o referido diploma carece de regulamentação dessa punição e não se estende ao âmbito específico do consumo.

Nesse sentido, Tartuce frisa que a Constituição Federal não prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas que cometem crimes contra as relações de consumo, sendo que tal questão já foi debate no Supremo Tribunal Federal1, que decidiu que a responsabilidade penal em crimes desta natureza, “somente pode ser atribuída ao homem, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, a presentifique na ação qualificada como criminosa ou concorra para a sua prática”.

É nesse cenário de ausência de especificações que o Código de defesa do consumidor se insere enquanto importante, mas não único regulador das hipóteses de responsabilização penal dos fornecedores.

Sob essa ótica, vale mencionar que há previsões de crimes em sede das relações de consumo em outros diplomas, como no próprio Código Penal, que, por exemplo, criminaliza a conduta daquele que “fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal” (art. 278 do Código Penal).

Em suma, a tipificação dessas condutas visa tutelar os bens jurídicos que são classificados como de natureza coletiva ou difusa, como por exemplo: a vida, a saúde pública, a economia popular e a integridade corporal.

Desta forma, por se tratar de crimes contra a vida e a segurança do consumidor, o legislador fez constar que esse tipo de conduta merecia uma penalidade mais severa, demandando a intervenção estatal para coibir sua prática, e por essa razão, possuem previsão tanto no CDC quanto no próprio Código Penal.

Portanto, nos crimes praticados em sede de relações de consumo, a conduta do agente, por si só, é capaz de colocar em risco o bem jurídico tutelado pelo tipo penal, ou seja, existe uma presunção absoluta de perigo, não sendo necessária a efetiva comprovação de que a ação do agente colocou concretamente em risco o bem jurídico tutelado, muito menos que resultou em um dano efetivo a alguém.

Em assim sendo, a legislação consumerista estabelece, expressamente, a possibilidade de responsabilização do fornecedor na figura dos sócios, dirigentes e administradores das empresas, na expectativa de que, desta forma, os cuidados para inibição de tais condutas criminosas sejam potencializados.

Nesse cenário, antes que se adentre ao aspecto estrito da penalização dos sócios, dirigentes e administradores, cumpre destacar que a previsão das infrações penais aplicáveis aos fornecedores pode ser observada em alguns dispositivos do Código. Cita-se, a título de exemplo, o art. 63, que suscita o dever do fornecedor de informar ostensivamente qualquer informação importante acerca da periculosidade/nocividade do produto/serviço ofertado, a fim de não causar prejuízos aos consumidores.

Em um outro contexto, o art. 69 destaca o dever do fornecedor em manter a base de dados que sustentam a publicidade realizada, sob pena de incorrer em crime punido com pena de detenção.

Sob o aspecto estrito, o Código de Defesa do Consumidor ampliou, ainda que de forma breve, a responsabilização às pessoas físicas que contemplam a pessoa jurídica “fornecedor”. Nesse sentido, é importante ressaltar que para incidir a responsabilidade criminal na pessoa física -seja ela sócia, diretora, administradora ou gerente -não basta simplesmente que o agente ocupe alguma posição de diretoria na empresa, sendo necessário que ele tenha não só dado causa à conduta delitiva, como também tenha atuado com o elemento subjetivo dolo ou culpa, tendo em vista que a responsabilidade penal é subjetiva.

É justamente dessa premissa que o art. 75 do CDC tratou de incluir na responsabilização penal, na medida de sua culpabilidade, o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica “que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.”

O dispositivo que tratou de reproduzir, de certo modo, o texto disciplinado pelo Código penal em seu art. 292, deve ser interpretado de forma restritiva e, conforme aduz Luiz Regis Prado “tão somente é imputado determinado fato ao diretor, administrador ou gerente quando existe prova de que atuaram com dolo ou culpa3”.

Nesta seara, verifica-se, então, que a legislação consumerista é, em geral, dura ao prever punições aos fornecedores de produtos e serviços em casos de danos causados aos consumidores, tanto civilmente quanto criminalmente, sendo que em ambas as esferas pode haver responsabilização dos sócios, administradores e dirigentes.

Conclui-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito à defesa dos direitos dos consumidores, se revela bastante amplo e hábil a coibir civil e penalmente, condutas danosas levadas e efeito por fornecedores. O Código de Defesa Consumidor, principal diploma a atuar para o equilíbrio das relações de consumo e por se tratar de um microssistema jurídico, contempla todos os mecanismos necessários para determinar a sua efetividade, inclusive, a responsabilização penal das pessoas físicas que se “escondem” por trás do véu da pessoa jurídica.


1 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2018.

2 Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

3 PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico – 9ed, Rio de Janeiro: Forense, 2021.


Autores: Daniel Marcus, Ian Silva de Andrade e Thaisa Torres de Souza

Schalch Sociedade de Advogados

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