Doing Business in Brazil

32.4. Consumidor

04/07/23

32.4.1. Introdução

O Estado Brasileiro reconheceu a necessidade de tutela legal do consumidor a partir da Constituição Federal de 1988, que, ao assegurar os direitos fundamentais, determinou que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, uma vez que se verificou que o consumidor, via de regra, se apresenta em condição de vulnerabilidade em relação ao fornecedor, devido, em grande parte, à dinâmica do mercado contemporâneo, caracterizado por um número crescente de produtos e serviços que impõe celeridade nas contratações em massa, fundamentalmente, por meio de contratos de adesão.

Desta forma, foi criado o Código de Defesa do Consumidor a fim de conferir mecanismos aos consumidores que permitam reequilibrar a relação mantida com os fornecedores, sempre buscando conciliar o princípio dispositivo, que parte da premissa de que o Poder Judiciário (juízes) somente pode decidir de acordo com as leis positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, e o equilíbrio das partes.

O que se buscou através da legislação protetiva do consumidor, baseada na teoria da qualidade, segundo a qual a lei impõe a toda a cadeia de fornecedores um dever de qualidade dos produtos que são colocados no mercado e dos serviços que são prestados1, é envidar todos os esforços no sentido de assegurar que os riscos existentes se mantenham num limite razoável, que não ameacem a segurança social. Esta, aliás, a função do direito, que não tendo força suficiente para eliminar inteiramente os riscos, procura controlá-los, dentro de uma margem que considera razoável para a sobrevivência do corpo social. 

Pensando nisso, o legislador elencou uma série de situações que, por causarem prejuízos ao consumidor, devem ser indenizadas pelo fornecedor, normalmente em pecúnia – a chamada responsabilização civil.

32.4.2. Responsabilidade Objetiva dos Fornecedores como Regra do Código de Defesa do Consumidor

Nesse ponto, importante fazer uma breve, porém importante ressalva, de uma das principais diferenças existentes entre a responsabilidade civil prevista no Código Civil, e na prevista no Código de Defesa do Consumidor. Quanto ao segundo ordenamento legal – objeto deste artigo – a responsabilidade do fornecedor será, sempre, objetiva, isto é, independe da comprovação de culpa do agente causador do dano. 

Um dos fundamentos para a adoção da responsabilidade objetiva na legislação consumerista tem relação com a teoria do risco do empreendimento, que parte da premissa de que todo fornecedor é obrigado a reparar eventuais danos causados por bens ou serviços que venha a fornecer, uma vez que sua atividade está sujeita a criar riscos ao consumidor, sendo a sua obrigação fornecer, tão somente, produtos ou serviços de qualidade, a fim de garantir a saúde do consumidor, sob pena de ter que indenizar eventuais danos causados.

Dessa forma, o fornecedor deverá responder juridicamente por situações em que se configure uma das hipóteses de acidente de consumo, decorrente de algum tipo de defeito no produto ou prestação de serviços, visando, assim, reparar a ofensa à incolumidade física e psíquica do consumidor.


1A respeito do tema, a doutrina acrescenta que “o CDC impõe uma teoria da qualidade: os produtos e serviços colocados no mercado pelos fornecedores deverão ter uma ‘qualidade-segurança’ e uma ‘qualidade-adequação’”. (BENJAMIM, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.)

 

32.4.3. Excludentes de Responsabilidade do Fornecedor e Responsabilidade Subjetiva do Profissional Liberal.

A despeito da positivação da responsabilidade objetiva no âmbito das relações de consumo, oportuno destacar que o Código de Defesa do Consumidor capitula hipóteses de excludente de responsabilidade do fornecedor, quais sejam: (i) se o fornecedor provar que não colocou o produto no mercado2,  (ii) que mesmo tendo colocado o produto no mercado ou fornecido o serviço, não existe o defeito apontado3(iii) ou ainda, que o dano decorrente se deu por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro4

Ainda, oportuno destacar que a responsabilidade objetiva, ou seja, aquela que independe da comprovação de culpa, não se aplica aos profissionais liberais, conforme preceitua o § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

E tal aspecto tem justificativa no fato de que com exceção dos profissionais liberais, a responsabilidade objetiva dos demais fornecedores se caracteriza porque eles se obrigam a alcançar um determinado resultado ou a transmitir um produto com certas características de qualidade, quantidade etc. 

Nas obrigações de resultado, o devedor (fornecedor) se compromete e o credor pode exigir o atingimento daquele resultado esperado, sob pena de se considerar a obrigação inadimplida. Daí pouco interessa a culpa e, sim, a inocorrência do resultado prometido e contratado.

Já no que diz respeito ao profissional liberal, via de regra, a obrigação é de meio e não de resultado. Espera-se, portanto, que o profissional adote todas as cautelas e exerça a obrigação assumida com a mais escorreita perícia, prudência e diligência. E apenas a partir da comprovação de que o profissional liberal agiu com culpa ou dolo e o respectivo nexo causal com o dano reclamado pelo consumidor, a sua responsabilizada poderá ser cogitada.


2art. 12, § 3°, I.

3art. 12, § 3°, II e 14, § 3°, I.

4art. 12, § 3°, III e 14, § 3°, II

 

31.4.4. Responsabilidade Civil do Fornecedor na pessoa dos seus sócios, administradores ou dirigentes. Desconsideração da Personalidade Jurídica.

A legislação consumerista brasileira também prevê um rol de situações em que os fornecedores, na pessoa dos seus sócios, administradores ou dirigentes também respondam judicialmente pelos danos causados ao consumidor, por meio da chamada desconsideração da personalidade jurídica, onde as pessoas físicas responsáveis pelas empresas passam a integrar o polo passivo da demanda, sendo-lhes atribuída responsabilidade solidária por todos os danos causados – e, como via de consequência, no âmbito civil, seus bens também são passíveis de atingimento para fazerem frente às indenizações devidas aos consumidores prejudicados.

Ainda nesta toada e considerando que o ressarcimento ao consumidor é de interesse social e na medida que o Judiciário é tido como um agente de diminuição da vulnerabilidade inerente ao consumidor, pode o juiz promover a desconsideração da personalidade jurídica de ofício, isto é, independente de requerimento expresso das partes, caso verifique estar configurada alguma das situações prevista nesta legislação especial. 

Também por esta razão – ser de interesse social o ressarcimento do consumidor –, uma vez que o CDC seja aplicável ao caso, a desconsideração da personalidade jurídica se dará de forma mais ampla, ou seja, poderá ocorrer em uma série de situações que, em outros ordenamentos legais, como o próprio Código Civil, não seriam suficientes para alcançar bens pessoais dos sócios e afins. 

Nesses termos, ressalta-se que a legislação consumerista prevê que caso ocorra [i] abuso de direito; [ii] excesso de poder; [iii] infração de lei; [iv] fato ou ato ilícito; [v] violação dos estatutos ou contrato social ou [vi] insolvência, encerramento ou inatividade da empresa (se provocados por má gestão) os sócios, gerentes ou dirigentes poderão ser incluídos no polo passivo da demanda.

32.4.5. Responsabilidade Penal do Fornecedor na pessoa dos seus sócios, administradores ou dirigentes. Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Não obstante o que até aqui se expôs, o Código de Defesa do Consumidor também prevê hipóteses de responsabilização penal dos fornecedores, estabelecendo diversas condutas, como infrações penais contra o consumidor.

Vale mencionar que há previsões de crimes contra as relações de consumo em outras leis, como por exemplo no próprio Código Penal, que em seu capítulo dos crimes contra a saúde pública, criminaliza a conduta daquele que fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal.

A tipificação dessas condutas visa tutelar os bens jurídicos que são classificados como de natureza coletiva ou difusa, como por exemplo a vida, a saúde pública, a economia popular e a integridade corporal. Os crimes dessa natureza, contemplam uma presunção absoluta de perigo, ou seja, não há necessidade de comprovação de que a conduta do agente efetivamente colocou em risco o bem jurídico tutelado para que a tipificação da conduta.

Desta forma, por se tratar de crimes contra a vida e a segurança do consumidor, o legislador fez constar que esse tipo de conduta merecia uma penalidade mais severa, demandando a intervenção estatal para coibir sua prática, e por essa razão, possuem previsão tanto no CDC quanto no próprio Código Penal.

Portanto, nesses crimes contra as relações de consumo, a conduta do agente, por si só, é capaz de colocar em risco o bem jurídico tutelado pelo tipo penal, ou seja, existe uma presunção absoluta de perigo, não sendo necessária a efetiva comprovação de que a ação do agente colocou em risco o bem jurídico tutelado.

Em assim sendo, a legislação consumerista estabelece, expressamente, a possibilidade de responsabilização dos sócios, dirigentes e administradores das empresas, na expectativa de que, desta forma, os cuidados para inibição de tais condutas criminosas sejam potencializados.

É importante ressaltar que para incidir a responsabilidade criminal na pessoa física, seja ela sócia, diretora, administradora ou gerente, não basta simplesmente que o agente ocupe alguma posição de diretoria na empresa, sendo necessário que ele tenha não só dado causa ao resultado, como também tenha atuado com o elemento subjetivo dolo ou culpa, tendo em vista que a responsabilidade penal é subjetiva.

Nesta seara, verifica-se, então, que a legislação consumerista é, em geral, dura ao prever punições aos fornecedores de produtos e serviços em casos de danos causados aos consumidores, tanto civilmente quanto criminalmente, sendo que em ambas as esferas pode haver responsabilização dos sócios, administradores e dirigentes. 

Conclui-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito à defesa dos direitos dos consumidores, se revela bastante amplo e hábil a coibir civil e penalmente, condutas danosas levadas e efeito por fornecedores. O Código de Defesa Consumidor, principal diploma a atuar para o equilíbrio das relações de consumo e por se tratar de um microssistema jurídico, contempla todos os mecanismos necessários para determinar a sua efetividade, inclusive, a responsabilização penal das pessoas físicas que se “escondem” por trás do véu da pessoa jurídica.


Autores: Daniel Marcus, Marina Bianchi Petecof, Fabiana Toledo

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