DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL:
A Lei Federal nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, regula a Recuperação Judicial, a Recuperação Extrajudicial e a Falência do empresário e da sociedade empresária no Brasil (“LRF”). Seu objetivo é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor e permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, primando pela preservação da empresa, sua função social e estimulando a atividade econômica.
No entanto, é preciso ter cautela para não se banalizar o instituto da Recuperação Judicial, que não foi criado para premiar a ineficiência do empresário ou a sua atuação irregular. Se, por um lado, a LRF objetiva a superação da crise econômico-financeira da empresa e a sua preservação, por outro, ressalva também a proteção aos direitos e garantias dos credores, preservando-os, inclusive considerando a hipótese de convolação da Recuperação Judicial em Falência.
A LRF não se aplica a empresas públicas, sociedades de economia mista e a empresas sujeitas a liquidação extrajudicial (instituições financeiras, bancos, seguradoras, sociedade de capitalização), tampouco a empresas que já tenham obtido a concessão do benefício há menos de cinco anos e/ou sejam geridas por empresários condenados por crime falimentar. Além disso, para que o pedido seja deferido, necessário se faz que a empresa comprove o exercício regular de suas atividades há mais de dois anos.
O Juízo competente para apreciar o pedido de Recuperação Judicial é o da jurisdição onde se localiza o principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil, correspondente àquele em que há o maior volume de negócios, que pode ser na sede da empresa devedora ou em alguma de suas filiais.
A petição inicial do pedido de processamento da Recuperação Judicial, conforme art. 51 da LRF, deve conter:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas [com] em estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
e) descrição das sociedades de grupo societário, de fato ou de direito.
III – a relação nominal completa dos credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço físico e eletrônico de cada um, a natureza, conforme estabelecido nos arts. 83 e 84 desta Lei, e o valor atualizado do crédito, com a discriminação de sua origem, e o regime dos vencimentos;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais e procedimentos arbitrais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.
Com as alterações promovidas pela Lei Federal nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020 (“Lei nº 14.112/2020”), a LRF passou a prever, no art. 51-A, a possibilidade de “constatação prévia” como alternativa para averiguar a atividade do devedor e a completude da documentação apresentada juntamente com a petição inicial. O instituto já existia no âmbito da jurisprudência, que admitia, em caráter de exceção, a realização de perícia prévia ao deferimento do pedido, com o objetivo de impedir a utilização fraudulenta do instituto da Recuperação Judicial.
Atendidos os requisitos e estando regular a apresentação da documentação exigida, é proferida decisão deferindo o processamento da Recuperação Judicial e determinando, no mesmo ato: (i) nomeação do administrador judicial; (ii) dispensa de certidões negativas fiscais para contratações privadas; (iii) suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, pelo prazo de 180 dias corridos, conforme determina o art. 6º, §4º da LRF (“stay period”); (iv) prestação de contas mensal pelo devedor enquanto perdurar a Recuperação Judicial, sob pena de destituição de seus administradores; (v) intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da Recuperação Judicial e informem eventuais créditos perante o devedor; (vi) expedição de edital contendo o resumo do pedido, a decisão que defere seu processamento e a relação nominal de credores, com valor atualizado de cada crédito até a data do ajuizamento do pedido e respectiva classificação, a ser publicado no órgão oficial.
Alguns tipos de ações não são atingidas pelo stay period, em especial as ações trabalhistas e acidentárias, que demandem quantia ilíquida, execuções fiscais (admitindo-se, entretanto, a competência do juízo da Recuperação Judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da Recuperação Judicial, nos termos do §7º-B do art. 6º da LRF), bem como aquelas referentes a créditos não submetidos ao procedimento recuperacional, que são aqueles derivados de: (i) ACC – Adiantamento à Contrato de Câmbio; (ii) propriedade fiduciária de bens imóveis ou móveis, inclusive cessão fiduciária de recebíveis e/ou títulos de crédito; (iii) arrendamento mercantil; iv) propriedade ou promessa de venda de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade; e (v) propriedade em contrato de venda com reserva de domínio. Nestas hipóteses, não se admite, durante o prazo de suspensão, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Além disso, com a possibilidade de Recuperação Judicial do produtor rural, introduzida pela Lei nº 14.112/2020, tampouco se sujeitam à suspensão prevista pela LRF as operações de crédito rural oficial renegociadas entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de Recuperação Judicial. Da mesma forma, não se sujeitam os créditos utilizados para a aquisição de propriedade rural contraídos nos últimos três anos anteriores ao pedido de Recuperação Judicial, e suas respectivas garantias.
A finalidade do stay period é permitir que haja um fôlego para que a devedora, logo após o deferimento do processamento do pedido de Recuperação Judicial, consiga reorganizar suas atividades e negociar com os credores a construção de um plano que permita o soerguimento da empresa, tentando acomodar o interesse de todos, sem que haja o risco de uma penhora, por exemplo (“Plano de Recuperação Judicial”). A LRF prevê que esse prazo de 180 dias é excepcionalmente prorrogável por igual período, uma única vez, desde que o devedor não tenha contribuído com a superação do lapso temporal. Na prática, entretanto, alguns Tribunais têm admitido a prorrogação do stay period por prazo supreior ao previsto na LRF.
Observa-se, ainda, que o parágrafo 12 do art. 6º da LRF possibilita a antecipação dos efeitos do deferimento do processamento da Recuperação Judicial, inclusive a suspensão das ações, quando atendidos os requisitos dispostos no art. 300 do Código de Processo Civil (“CPC”); quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Com o preenchimento desses requisitos, a cautelar é concedida total ou parcialmente, podendo ser suspensas todas as ações ajuizadas em face do devedor, ou somente aquelas que representem risco ao resultado do processo. A empresa devedora, por sua vez, deve requerer a Recuperação Judicial no prazo de 30 dias, na forma do art. 303, parágrafo 1º c/c art. 308 do CPC.
Nos termos do art. 20-B da LRF, a tutela de urgência cautelar também pode ser concedida a empresas que estejam negociando dívidas com seus credores previamente ao ajuizamento da Recuperação Judicial.
Publicado o edital contendo o resumo do pedido da devedora e a decisão que deferiu o processamento da Recuperação Judicial, bem como a relação nominal dos credores apresentada pela recuperanda, o credores têm o prazo de 15 dias para apresentar, ao administrador judicial, suas habilitações ou divergências relativas aos créditos relacionados, seja com relação aos valores, classe ou, até mesmo, requerendo a exclusão do crédito não submetido ao procedimento recuperacional. Após análise, o administrador judicial deve fazer publicar, no prazo de 45 dias, o segundo edital relacionando os créditos e valores que ele entender devidos. No prazo de 10 dias, qualquer credor (inclusive para questionar crédito de terceiro), o devedor ou seus sócios, ou mesmo o Ministério Público, podem apresentar ao Juízo recuperacional Impugnação de Crédito que é processada em apartado, por dependência à Recuperação Judicial.
A Impugnação de Crédito não pode ser utilizada como substituição ao credor que não se habilitou/divergiu dentro do prazo referente ao primeiro edital publicado. Esse credor pode, no entanto, valer-se da Habilitação Retardatária, com as limitações impostas pela LRF em razão da não observância do prazo. Os credores retardatários, com exceção dos trabalhistas, não têm direito a voto nas deliberações da Assembleia Geral de Credores. Na falência, esses credores perdem não somente os valores cabíveis a eles que, eventualmente, já tenham sido rateados, como também a possibilidade de exigirem os acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação. Após o julgamento das Impugnações de Crédito e eventuais Habilitações Retardatárias, o Juiz homologa o Quadro Geral de Credores.
A LRF prevê, ainda, que estão submetidos à Recuperação Judicial todos os créditos constituídos até o ajuizamento do pedido, ainda que não vencidos. Dispõe, também, que não se pode exigir do devedor, inclusive na falência, obrigações a título gratuito, como, por exemplo, uma doação e até mesmo um aval prestado sem interesse econômico direto da empresa, fiança, cessão, comodato, entre outros.
Os credores do devedor em Recuperação Judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Salvo se de modo diverso ficar estabelecido no Plano de Recuperação Judicial, as obrigações anteriores à Recuperação Judicial devem observar as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos respetivos encargos.
Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a Recuperação Judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, são considerados extraconcursais em caso de decretação de falência.
Deferido o processamento da Recuperação Judicial, a empresa deve apresentar seu Plano de Recuperação Judicial em até 60 dias, sob pena de convolação em falência. O Plano não pode prever pagamento antecipado de dívidas, tampouco conferir tratamento diferenciado a credores de uma mesma classe e/ou desfavorável a credores que a ele não estejam sujeitos. Há, no entanto, a possibilidade dos credores extraconcursais aderirem às condições de pagamento e cláusulas previstas no Plano. Segundo o art. 50 da LRF, constituem meios de recuperação, entre outras hipóteses:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de Recuperação Judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
XVII – conversão de dívida em capital social;
XVIII – venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada.
A Lei nº 14.112/2020 introduziu no instituto da Recuperação Judicial o Financiamento DIP, que permite ao Juiz autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos do próprio devedor ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para fins de financiamento das atividades, de pagamento das despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.
Para incentivar a concessão de financiamentos nessa modalidade, a LRF prevê que, na hipótese de convolação da Recuperação Judicial em Falência, o crédito oriundo de Financiamento DIP deve ser considerado extraconcursal e pago com preferência dentro da ordem do art. 84.
Os créditos trabalhistas ou decorrentes de acidentes do trabalho, já vencidos até a data do ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial, devem ser pagos no prazo máximo de 1 ano contado da data do referido pedido. Os créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 meses anteriores ao pedido de Recuperação Judicial, até o limite de 5 salários-mínimos por trabalhador, devem ser pagos em até 30 dias da apresentação do Plano, tendo em vista a natureza alimentar dessa verba. Não pode haver previsão diversa no Plano referente a esses créditos.
Recebido o Plano, deve ser publicado edital para intimação dos credores. Caso algum credor faça objeção ao Plano apresentado, deve ser designada a Assembleia Geral de Credores para deliberação, que deve ser convocada em até 150 dias contados da decisão que deferiu o processamento da Recuperação Judicial.
A assembleia deve ser presidida pelo administrador judicial e instalada, em 1ª convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor. Em 2ª convocação, a assembleia pode ser instalada com qualquer número. Para fins exclusivos de votação, o crédito em moeda estrangeira deve ser convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de realização da assembleia.
Na ocasião, as quatro classes de credores – trabalhistas (Classe I), titulares de garantia real (Classe II), quirografários (Classe III) e microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) (Classe IV) – se reúnem para deliberar sobre Plano de Recuperação Judicial apresentado pela devedora, podendo aprová-lo ou rejeitá-lo. Também podem ser deliberados outros assuntos que sejam de interesse comum dos credores.
Na deliberação sobre o Plano de Recuperação Judicial, todas as classes de credores devem aprovar a proposta apresentada pela devedora. No entanto, nas classes de titulares de garantia real (Classe II) e de credores quirografários (Classe III), o Plano deve contar com a aprovação cumulativa de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes e pela maioria simples dos credores presentes. Com relação às classes de credores trabalhistas (Classe I) e microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) (Classe IV), basta a aprovação da proposta pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor do crédito.
Caso não ocorra aprovação do Plano na forma indicada no parágrafo anterior, o Juiz pode conceder a Recuperação Judicial desde que tenha obtido, de forma cumulativa: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos; (ii) a aprovação de três classes de credores, ou, no caso da existência de apenas três classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas; e (iii) o voto favorável, na classe que tenha rejeitado o Plano, de mais de um terço dos credores. Dá-se a esse instituto, o nome de cram down, que foi importado do direito norte-americano e que, em tradução livre, significa “empurrar goela abaixo”.
No entanto, o entendimento que prevalece no Superior Tribunal de Justiça é de que pode haver a homologação do Plano de Recuperação Judicial por meio do cram down, ainda que não se obtenha o preenchimento de todos os requisitos da LRF para aprovação do Plano, sob o fundamento de que a manutenção da empresa ainda recuperável deve se sobrepor aos interesses de um ou de poucos credores divergentes.
O Plano pode sofrer alterações na Assembleia Geral de Credores, desde que com a concordância expressa do devedor. A decisão da assembleia é soberana, cabendo ao Poder Judiciário apenas exercer o controle de legalidade das disposições da proposta.
Aprovado o Plano, o Juiz concede a Recuperação Judicial, permanecendo o devedor nessa condição pelo prazo de dois anos. Caso descumpra quaisquer das obrigações previstas no Plano vencidas dentro deste prazo, o devedor tem sua falência decretada.
Rejeitado o Plano de Recuperação Judicial, o art. 56, parágrafo 4º da LRF autoriza a votação de abertura de prazo para que os próprios credores apresentem um Plano de Recuperação Judicial alternativo. Note-se que, neste caso, há previsão de isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados ou daqueles que votarem favoravelmente ao Plano de Recuperação Judicial apresentado pelos credores, não permitidas ressalvas de voto. Caso os credores optem por não apresentar um Plano alternativo, o Juiz deve convolar a Recuperação Judicial em falência.
A jurisprudência tem entendido que, havendo carência para o pagamento da primeira parcela prevista no Plano após o prazo de 2 anos da Recuperação Judicial ou previsão de pagamentos irrisórios nesses dois primeiros anos, o prazo de fiscalização que a LRF atribui ao juízo da recuperação deve ter início após o término do prazo de carência (que pode ser considerado, inclusive, enquanto estiverem ocorrendo os pagamentos insignificantes).
A decisão que concede a Recuperação Judicial constitui título executivo judicial, sendo certo que os credores que tiverem suas obrigações vencidas após esse biênio, em caso de descumprimento, podem executar a dívida novada pelo Plano ou ajuizar pedido de falência.
DA FALÊNCIA:
Se decretada a falência, os credores têm seus direitos e garantias reconstituídos nas condições originalmente contratadas, descontando-se os valores já liquidados no âmbito da Recuperação Judicial.
A decretação da falência implica no vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios de responsabilidade ilimitada.
O juízo da falência é universal, isto é, indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens e interesses do falido, salvo ações trabalhistas e fiscais, que devem tramitar perante as respectivas justiças especializadas, sendo certo que, após o trânsito em julgado das decisões lá proferidas, os respectivos créditos são habilitados no processo de falência.
A falência também pode ser decretada se a empresa em Recuperação Judicial deixar de cumprir obrigação não sujeita a este procedimento. Outra hipótese em que pode ser requerida a falência do devedor é na ausência de pagamento – no vencimento, sem uma relevante razão de direito – de obrigação líquida ou títulos protestados que ultrapassem o equivalente a 40 salários-mínimos na data do pedido de falência. O pedido também pode ser feito se, em ação executiva, o devedor não paga, não deposita ou não nomeia à penhora, no prazo legal, bens suficientes para honrar o compromisso.
Com a decretação da falência, o empresário devedor se afasta do comando do negócio e é substituído por um administrador judicial, nomeado pelo Juiz, que passa a gerir os recursos da empresa e a massa falida composta pelo acervo constituído pelo ativo (bens e crédito) e pelo passivo (débitos) do falido.
O administrador judicial verifica as dívidas e os bens do falido, e procede à sua arrecadação para posterior liquidação e pagamento dos credores. São quatro as etapas de pagamento, que devem obedecer a seguinte ordem:
1. Créditos trabalhistas;
2. Créditos oriundos dos pedidos de restituição;
3. Créditos extraconcursais, previstos no art. 84 da LRF; e
4. Créditos concursais, obedecida a ordem prevista no art. 83 da LRF.
Concluída a realização do ativo e distribuído o produto entre os credores, o administrador judicial apresenta suas contas ao Juízo (se rejeitadas, pode ser determinada a indisponibilidade dos bens do administrador e/ou o sequestro de seus bens) e, após julgadas, apresenta o relatório final para que o Juiz possa proferir sentença encerrando a falência, contra a qual cabe recurso de apelação.
Conforme determina o art. 158, inciso VI, da LRF, o encerramento do processo de falência extingue as obrigações do falido. A extinção dessas obrigações, por sua vez, possibilita que o falido retome suas atividades, desde que não tenha cometido nenhum crime falimentar.
DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL:
A Recuperação Extrajudicial, na prática, nada mais é do que uma reestruturação de dívidas; um acordo extrajudicial celebrado entre a devedora e determinadas classes de credores, que é levado a homologação do Judiciário (“Plano de Recuperação Extrajudicial”), desde que preenchidos os mesmos requisitos exigidos para o ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial.
Não se sujeitam à Recuperação Extrajudicial os créditos de natureza tributária e aqueles extraconcursais. A sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.
Para que o Plano de Recuperação Extrajudicial possa ser submetido a homologação judicial, deve contar com a assinatura de credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos por ele. Se assim ocorrer, haverá a submissão obrigatória ao Plano dos demais credores da mesma espécie.
Para apuração do referido quórum, não são computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43 da LRF, quem sejam: os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% do capital social.
Os credores extraconcursais não podem ser incluídos no Plano a ser apresentado para homologação judicial, sendo inválida qualquer estipulação que implique na sua inclusão obrigatória. No entanto, por se tratar o crédito de um direito disponível, pode haver a adesão voluntária de qualquer credor. Não são considerados na apuração do quórum de aprovação os créditos não incluídos no Plano, os quais não podem ter suas condições ou valores originais alterados.
Os credores não podem desistir da adesão ao Plano após a distribuição do pedido de homologação, salvo com a anuência expressa dos demais signatários.
O pedido de homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial não implica na suspensão de direitos, ações ou execuções, nem impede que seja efetuado o pedido de falência pelos credores a ele não sujeitos, seja por impontualidade injustificada, prática de atos de falência ou execução frustrada. Não há, portanto, qualquer interferência da Recuperação Extrajudicial sobre os credores não sujeitos ao Plano (sejam aqueles legalmente excluídos, sejam aqueles não incluídos pelo devedor), salvo com relação àqueles dissidentes que correspondam à mesma espécie dos três quintos que subscreveram o acordo.
De acordo com o art. 163, parágrafo 8º da LRF, incluído pela Lei nº 14.112/20, o stay period também se aplica à Recuperação Extrajudicial, já a partir do respectivo pedido, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas e desde que comprovado o quórum exigido pelo parágrafo 7º do mesmo dispositivo. Antes da alteração, a medida já era reconhecida pela jurisprudência e pela doutrina, que entendiam pela suspensão das ações e execuções dos credores sujeitos à Recuperação Extrajudicial.
Distribuído e recebido o pedido de homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial, o Juiz determina a publicação de edital eletrônico convocando os credores a apresentarem eventuais impugnações, no prazo de 30 dias. A devedora deve comprovar o envio a cada um dos credores sujeitos ao Plano que sejam domiciliados no Brasil, de carta contendo as condições do Plano e a informação sobre o prazo para eventual impugnação.
As únicas matérias que podem ser objeto da impugnação são aquelas previstas no art. 164, parágrafo 3º da LRF, quais sejam: (i) o não preenchimento do percentual mínimo de três quintos dos créditos; (ii) a prática de atos de falência previstos no art. 94, inciso III, da LRF ou a prática de fraude contra credores; ou (iii) o descumprimento de quaisquer dos requisitos previstos da LRF ou outra exigência legal.
O Plano de Recuperação Extrajudicial pode permanecer apenas na esfera extrajudicial, sem ser levado ao Judiciário. No entanto, caso a devedora opte pela via judicial, a sentença que vier a homologá-lo constituirá título executivo judicial. O Plano passa a produzir efeitos após sua homologação, ainda que contra ela seja interposto recurso. Ressalte-se que pode haver o cumprimento de cláusulas antes mesmo da homologação judicial, as quais ficam sujeitas a confirmação. Se assim não ocorrer, os credores terão reconstituídas as condições originais de seus créditos, deduzidos os valores eventualmente já liquidados antes de proferida a decisão judicial.
Se o Plano não for homologado, extingue-se o processo sem resolução de mérito. Cumpridas as exigências legais, pode a devedora apresentar novo Plano de Recuperação Extrajudicial.
O recurso cabível contra a sentença que homologa ou rejeita o Plano é o recurso de apelação.
Autora: Leandro Augusto Ramozzi Chiarottino e Bruna Queiroz Riscala, Sócios de Chiarottino e Nicoletti Advogados
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