Doing Business in Brazil

25. Compliance e excelência corporativa: agenda básica

31/10/25

A pauta de combate à corrupção tem adquirido relevância crescente tanto no setor público quanto no privado no Brasil, refletindo-se, respectivamente, na formulação de políticas públicas e na implementação de políticas internas corporativas. Esse movimento de aprimoramento e engajamento decorre, em grande parte, do reconhecimento dos impactos adversos que práticas corruptas podem ocasionar a empresas e indivíduos, bem como do avanço normativo voltado à repressão de condutas lesivas à Administração Pública e à sociedade.

A seguir, serão abordados os principais marcos legislativos brasileiros relacionados à Compliance e integridade, além da apresentação de iniciativas públicas relevantes que contribuem para o fortalecimento da conformidade na condução das atividades empresariais, tanto por companhias nacionais quanto por organizações estrangeiras atuantes no país.

A evolução legislativa do Compliance no Brasil

A consolidação de práticas voltadas à integridade corporativa, com ênfase no combate à corrupção e ao suborno, insere-se em um movimento internacional de longa data. No Brasil, esse compromisso foi formalizado em 1997, mediante adesão à Convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Atualmente, o país encontra-se em fase de acessão ao organismo, incumbindo-lhe a elaboração de memorando inicial que demonstre a convergência normativa aos instrumentos da OCDE. Posteriormente, será realizada análise técnica das políticas nacionais, com possibilidade de ajustes até a conclusão da adesão plena.

Em 2022, a OCDE divulgou plano com as etapas subsequentes do processo de integração do Brasil, representando avanço expressivo para empresas nacionais e multinacionais atuantes no país. Tal iniciativa sinaliza reformas estruturais em setores estratégicos do ordenamento jurídico, especialmente no enfrentamento ao suborno transnacional e a práticas comerciais ilícitas.
Nesse cenário, destaca-se a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), vigente desde 2014, que instituiu a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, independentemente de autorização ou ciência da alta administração. A norma abrange condutas perpetradas por sócios, empregados, representantes e terceiros, além de prever responsabilidade do sucessor em hipóteses de fusão, cisão, incorporação ou outras alterações societárias.

A legislação também introduziu mecanismos de incentivo à adoção de programas de integridade, reconhecendo-os como instrumentos de mitigação de riscos e como critério para redução de sanções. O Decreto Federal nº 11.129/2022, que revogou o Decreto nº 8.420/2015, ampliou o percentual de desconto na multa para empresas que implementem programas efetivos de compliance, passando de 4% para 5%, além de detalhar parâmetros para aferição da efetividade desses mecanismos.

A relevância dos programas de integridade foi reforçada pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), que revogou a Lei nº 8.666/1993 e tornou obrigatória sua implementação por empresas contratadas em licitações de grande vulto (aquelas com valores superiores a R$ 250,9 milhões atualmente). Nesses casos, as organizações dispõem de prazo de seis meses, a contar da assinatura do contrato, para estruturar o programa conforme os requisitos do Decreto nº 11.129/2022. Nesse escopo, a existência de mecanismos de compliance também passou a ser considerada critério de desempate entre propostas, incentivando práticas preventivas e assegurando maior proteção aos recursos públicos.

No âmbito estadual, a maioria das unidades federativas já regulamentou a Lei Anticorrupção, sendo pauta de discussão nos estados que ainda não o fizeram. A iniciativa pioneira foi do estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei Estadual nº 7.753/2017, seguida pelo Distrito Federal (Lei nº 6.112/2018, atualizada pela Lei nº 6.308/2019), Rio Grande do Sul (Lei nº 15.228/2018, atualizada pela Lei nº 15.600/2021), Amazonas (Lei nº 4.370/2018), Goiás (Lei nº 20.489/2019) e Pernambuco (Lei nº 16.722/2019, atualizada pela Lei nº 17.133/2020). De forma precursora, o Distrito Federal, por meio do Decreto nº 40.388/2020, estabeleceu normas sobre a avaliação dos programas de integridade pelos órgãos competentes, alinhadas às diretrizes da Controladoria-Geral da União (CGU). O estado de São Paulo também regulamentou a matéria por meio do Decreto nº 67.301/2022, posteriormente revogado e atualizado pelo Decreto nº 69.588/2025, consolidando critérios para aferição da existência e efetividade dos programas de compliance no âmbito da responsabilização de pessoas jurídicas por atos contra a Administração Pública estadual.

Recentemente, ao revogar a Portaria CGU nº 19/2022, a Portaria CGU nº 155/2024 introduziu um novo paradigma no âmbito da Lei nº 12.846/2013, substituindo o julgamento antecipado do Processo Administrativo de Responsabilização pelo instrumento do Termo de Compromisso. Tal ferramenta possui natureza de um administrativo negocial que permite à pessoa jurídica reconhecer a responsabilidade objetiva pelo ato lesivo sem confissão de culpa, mediante condições específicas, como reparação integral do dano, devolução das vantagens indevidas e pagamento da multa legal.

O estabelecimento do Termo de Compromisso prevê benefícios relevantes para as organizações que o celebram: (i) concessão de desconto na multa aplicada, a depender do momento processual em que a empresa manifesta interesse pelo acordo; (ii) dispensa da publicação extraordinária da decisão condenatória, reduzindo o nível de exposição negativa da empresa; e (iii) atenuação das sanções restritivas de licitar e contratar com o poder público, quando cabível. Além disso, a Portaria CGU nº155/2024 reforça a função preventiva do direito sancionador ao condicionar, em determinados casos, a celebração do termo à implementação ou aprimoramento de programas de integridade, alinhando-se às melhores práticas internacionais e às diretrizes de governança corporativa.

Adoção do Programa de Integridade para Empresas Privadas

O conceito de programa de integridade encontra-se disciplinado no Decreto Federal nº 11.129/2022, que regulamenta a Lei Anticorrupção, sendo definido como “o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como à efetiva aplicação dos códigos de ética e conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública nacional ou estrangeira”.

Sua adoção não possui caráter obrigatório, tampouco afasta a responsabilidade judicial ou administrativa das pessoas jurídicas. Todavia, além da função preventiva, a implementação efetiva do programa pode resultar na atenuação das sanções em até 5%, conforme previsto no Decreto nº 11.129/2022. Esse diploma normativo reforçou a importância do comprometimento da alta administração, estabelecendo como critério de avaliação a alocação de recursos adequados (humanos, tecnológicos e financeiros) para assegurar a efetividade das medidas de prevenção.

O Decreto nº 11.129/2022 também consolidou a abordagem baseada em riscos (risk-based approach), determinando que o programa de integridade seja estruturado, implementado e atualizado em consonância com as características e riscos inerentes às atividades da pessoa jurídica, impondo a obrigação de melhoria contínua e revisão periódica para garantir sua eficácia. Tal dispositivo evidencia que programas de compliance não podem ser padronizados ou adquiridos como soluções genéricas, devendo ser precedidos de avaliação de riscos específica para cada organização.

Entre as inovações introduzidas pelo Decreto nº 11.129/2022, destaca-se a inclusão, como parâmetro de avaliação, da realização de diligências apropriadas na contratação e supervisão de terceiros, com menção expressa a despachantes, consultores e representantes comerciais, bem como à contratação de pessoas politicamente expostas (PEPs) e à execução de doações e patrocínios. Essas áreas são consideradas sensíveis pela função de compliance, por envolverem interações frequentes com órgãos públicos e entidades sem fins lucrativos.

De forma complementar, o Decreto nº 12.304/2024 estabeleceu parâmetros normativos para avaliação de programas de integridade no âmbito das contratações públicas federais. A exigência aplica-se a contratos de grande vulto, bem como às hipóteses de reabilitação de licitantes ou contratados sancionados e aos casos de desempate previstos no art. 60 da Lei Federal nº 14.133/2021.

A Portaria Normativa SE/CGU nº 226/2025 regulamentou o Decreto nº 12.304/2024, impondo obrigações específicas para implementação e avaliação dos programas de integridade em contratações públicas superiores a R$ 250,9 milhões. A norma exige comprovação da efetiva implementação, cuja aferição será conduzida pela CGU com base em critérios objetivos. A metodologia definida contempla formulários eletrônicos, análise documental e aplicação do SAMPI — Sistema de Avaliação e Monitoramento de Programas de Integridade. Além disso, determina-se a conformidade integral com os elementos obrigatórios, sob pena de desclassificação em processos licitatórios ou impossibilidade de reabilitação de sanções.

Essas normas representam instrumentos relevantes para conferir maior rigor técnico, uniformidade procedimental e segurança jurídica à avaliação da conformidade empresarial, fortalecendo os mecanismos de integridade e a proteção ao interesse público. Cumpre ressaltar, entretanto, que o programa de compliance não deve ser concebido apenas para atender exigências legais, mas sim para cumprir sua finalidade essencial: fomentar uma cultura de integridade compatível com o setor de atuação da empresa, indo além do mero cumprimento de requisitos editalícios.

Outro ponto de extrema relevância no cenário geopolítico atual se dá pela ampliação do escopo da instrumentalização da norma Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), que, por meio do Departamento de Justiça estadunidense (DoJ), deixa de se concentrar apenas na repressão ao suborno para adotar uma abordagem voltada à desarticulação de organizações criminosas transnacionais que utilizam esquemas de corrupção como instrumento para consolidar poder econômico e político. Essa mudança de direcionamento implica investigações mais complexas, com foco em estruturas sistêmicas e conexões globais, exigindo das empresas mecanismos internos de governança e compliance capazes de prevenir riscos em múltiplas jurisdições. A atuação das autoridades americanas passa a priorizar não apenas a responsabilização individual, mas também a interrupção de redes ilícitas que comprometem a integridade dos mercados internacionais.

Nesse contexto, o Brasil configura-se como um ambiente crítico devido à presença de organizações criminosas com forte capacidade de infiltração em setores estratégicos, como infraestrutura, energia e logística, criando vulnerabilidades que podem ser exploradas em esquemas de corrupção transnacional. Essa realidade aumenta a exposição das empresas brasileiras ou com operações no país às sanções previstas pela FCPA, tornando indispensável a implementação de programas de integridade robustos e efetivos. Um sistema de compliance bem estruturado, com políticas claras, monitoramento contínuo e due diligence rigorosa, não apenas mitiga riscos legais e financeiros, mas também assegura a conformidade com padrões internacionais, preservando a reputação corporativa e garantindo competitividade em um cenário global cada vez mais orientado pela ética e pela transparência.

De modo geral, o movimento normativo evidencia a tendência de tornar a implementação de programas de compliance cada vez menos facultativa e mais mandatória, sobretudo nas relações com o Poder Público, refletindo o avanço na busca pela integridade nas contratações e práticas comerciais. Ademais, a adoção de programas de integridade contribui para a continuidade e competitividade empresarial, gerando impactos positivos na gestão e sustentabilidade do negócio, inclusive para organizações que mantêm relações comerciais com outras empresas nacionais ou estrangeiras, ainda que não participem diretamente de licitações públicas.

O Compliance na Administração Pública

Para assegurar a efetividade das práticas de compliance e integridade, sobretudo nas interações público-privadas, é imprescindível que a Administração Pública desempenhe papel estruturante, mediante a implementação de controles internos e procedimentos que garantam a conformidade de sua atuação.

Nesse sentido, a Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) institui o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e respectivas subsidiárias, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O diploma normativo introduz diretrizes voltadas à modernização da gestão das entidades estatais, com vistas à mitigação de interferências político-partidárias, mediante regras de governança corporativa, adoção de programas de integridade e incremento da transparência. Entre suas exigências, destaca-se a elaboração e divulgação de código de conduta e integridade, contemplando princípios institucionais, medidas preventivas contra corrupção e fraude, canais internos e externos para denúncias, bem como sanções aplicáveis em caso de violação às normas éticas (art. 9º, § 1º).

No âmbito federal, o Decreto nº 9.203/2017, complementado pelo Decreto nº 9.901/2019, estabelece disposições sobre a governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, fixando princípios como capacidade de resposta, integridade, confiabilidade, melhoria regulatória, prestação de contas e transparência. Órgãos e entidades devem, assim, implementar mecanismos e instâncias que assegurem clareza quanto à identidade ética e à conformidade institucional.

Em linha convergente, a Lei nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras) impõe às agências reguladoras a adoção de programas de integridade voltados à gestão, organização, processo decisório e controle social, com o objetivo de garantir autonomia decisória, transparência e prevenir interferências indevidas da iniciativa privada nos setores regulados.

A Lei nº 13.608/2018 introduziu o conceito jurídico de informante, reconhecendo sua relevância na prevenção e repressão de ilícitos. A norma prevê a criação de serviço telefônico para recebimento de denúncias, assegurando anonimato e instituindo mecanismos de recompensa por informações que contribuam para a elucidação de condutas ilícitas praticadas por pessoas jurídicas de direito público ou privado. Posteriormente, a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) alterou dispositivos da Lei nº 13.608/2018, ampliando garantias ao informante, como proteção contra retaliações (demissão arbitrária, alteração injustificada de funções, imposição de sanções), cuja prática configura falta disciplinar grave, sujeitando o agente à demissão a bem do serviço público e ao ressarcimento em dobro por danos materiais e morais. De forma inovadora, o Pacote Anticrime também previu a participação do informante em até 5% do valor recuperado pelo Estado, caso suas informações resultem na recuperação de produto de crime contra a Administração Pública.

O Decreto nº 10.153/2019 regulamentou procedimentos para proteção da identidade de informantes de ilícitos e irregularidades contra a Administração Pública federal direta e indireta, aplicáveis aos órgãos da Administração direta, autárquica e fundacional, bem como às empresas prestadoras de serviços públicos.

Por sua vez, o Decreto nº 10.889/2021, ao regulamentar a Lei nº 12.813/2013 (Lei de Conflito de Interesses), instituiu o Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal (e-Agendas), desenvolvido pela CGU. O e-Agendas representa um marco relevante para a promoção da transparência, pois centraliza compromissos públicos de autoridades, incluindo audiências, reuniões, eventos político-eleitorais, viagens a serviço e hospitalidades custeadas por agentes privados. Além disso, registra eventos e audiências públicas realizadas por órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, garantindo acesso público às informações e fortalecendo a accountability administrativa.

A Portaria Normativa nº 186/2025, editada pela Advocacia-Geral da União, atualizou critérios para celebração de Acordos de Não Persecução Civil (ANPC) em casos de improbidade administrativa, em conformidade com a Lei nº 14.230/2021 e decisões do STF. Entre as inovações, destacam-se: exigência de ressarcimento integral do dano, homologação judicial obrigatória, cláusulas opcionais de integridade e compliance, e garantias de confidencialidade documental, conferindo maior segurança jurídica e celeridade à resolução consensual de conflitos.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio da Resolução nº 305/2025, estabeleceu diretrizes para promoção da probidade administrativa, incentivando a implementação e avaliação de programas de integridade na Administração Pública como instrumentos de prevenção de conflitos de interesse e repressão à corrupção, fraude e improbidade.
Por fim, merece destaque a recente iniciativa do Ministério da Previdência Social, que instituiu seu Plano de Integridade com base nas metodologias ISO 31000 e COSO, visando à gestão de riscos éticos e administrativos no sistema previdenciário. O plano contempla ações de transparência, mitigação e responsabilização, com foco no fortalecimento da governança e na prevenção de ilícitos, consolidando um modelo alinhado às melhores práticas internacionais.

Normas Regulatórias e Diretrizes e Políticas Públicas

A atividade regulatória brasileira tem incorporado, em seu arcabouço normativo, diretrizes que reforçam a importância da adoção de mecanismos de compliance no desenvolvimento das operações empresariais. A prevenção aos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores é disciplinada pela Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, posteriormente alterada pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. A partir dessa alteração, a competência para regulamentar e fiscalizar os mecanismos obrigatórios deixou de ser exclusiva do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), passando a ser compartilhada com órgãos reguladores setoriais, como o Banco Central do Brasil no caso das instituições financeiras. Assim, a elaboração de políticas efetivas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo deve observar as normas específicas do órgão regulador da atividade, fundamentando-se em análise de riscos própria do setor.

O COAF, por meio da Resolução nº 36/2021, estabeleceu diretrizes para a estruturação das políticas internas das empresas, incluindo normas procedimentais e mecanismos de avaliação interna de riscos, com vistas à implementação de controles internos destinados à prevenção da lavagem de dinheiro, do financiamento ao terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em consonância com os dispositivos da Lei Anticorrupção brasileira.

No âmbito do Banco Central do Brasil, a Resolução nº 4.595/2017, atualizada pela Resolução nº 5.177/2024, impõe às instituições financeiras a obrigação de implementar programas de compliance voltados à mitigação dos riscos inerentes ao setor. Complementarmente, a Circular nº 3.978/2020 disciplina a política, os procedimentos e os controles internos destinados à prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática de crimes de lavagem e ocultação de bens, estabelecendo parâmetros para avaliação de riscos que fundamentem a estruturação das políticas de governança e conformidade.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio da Resolução nº 3.439/2018, também incorporou exigências relacionadas à integridade, determinando que seus agentes financeiros comprovem, sempre que solicitado, a adoção de programas de compliance, políticas e procedimentos voltados à prevenção e combate à corrupção, fraude e demais irregularidades previstas na legislação, especialmente na Lei Anticorrupção brasileira e normas correlatas. Além disso, exige-se a comprovação da implementação de mecanismos destinados ao cumprimento das normas de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo, conforme previsto na Lei nº 9.613/1998 e regulamentações aplicáveis.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) igualmente avançou na promoção da integridade corporativa. Em 2021, editou a Resolução CVM nº 45, posteriormente atualizada pelas Resoluções CVM nº 65/2022, nº 162/2022 e nº 179/2023, revogando a Instrução CVM nº 607. O novo normativo prevê como fator atenuante na aplicação de penalidades administrativas a adoção efetiva de mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação de códigos de ética e conduta. Cada atenuante pode resultar em redução de até 25% do valor da multa, configurando incentivo relevante à implementação de programas de compliance.

A Resolução CVM nº 50, posteriormente atualizada pela Resolução CVM nº 179/2023, preservou a diretriz da “abordagem baseada em risco” introduzida pela Instrução CVM nº 617, consolidando-a como ferramenta central de governança para prevenção à lavagem de dinheiro. O normativo estabelece a obrigatoriedade de estruturação de programas de conformidade específicos para prevenção à lavagem de dinheiro, impondo a reformulação periódica de regras, procedimentos e controles internos com base em riscos identificados em avaliações internas, as quais devem ser conduzidas de forma sistemática e contínua.

No âmbito do Poder Executivo Federal, a Controladoria-Geral da União, autoridade máxima para aplicação da Lei Anticorrupção brasileira, passou a contar, desde janeiro de 2023, com a Secretaria Federal de Controle Interno, que extinguiu a antiga Secretaria de Combate à Corrupção, absorvendo suas atribuições no escopo das competências da Controladoria. A nova estrutura tem como diretriz estratégica o fortalecimento das atividades de avaliação de programas e políticas públicas, aproximando a CGU do cidadão e convertendo o controle em instrumento de gestão voltado à melhoria dos serviços públicos. Além disso, incorporou atribuições investigativas relacionadas a operações especiais em cooperação com órgãos de defesa do Estado.

A CGU exerce papel estruturante na disseminação da cultura de compliance no ambiente corporativo brasileiro, atuando não apenas na aplicação normativa, mas também no fomento à adoção de mecanismos de integridade. O órgão disponibiliza diretrizes às entidades privadas por meio do guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”, que define pilares essenciais e procedimentos para detecção de ilícitos e mitigação de riscos. Em outubro de 2024, foi publicada a segunda edição do documento, intitulada “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas – Volume II”, com o objetivo de redefinir o conceito de programa de integridade, alinhando-o às atualizações normativas e às melhores práticas internacionais. Complementarmente, em novembro de 2024, a Secretaria de Integridade Privada da CGU lançou o manual “Programa de Integridade: Práticas Sustentáveis para Empresas Privadas”, incorporando abordagem ampliada que integra a agenda ESG, com diretrizes voltadas à prevenção e combate à corrupção e fraudes em empreendimentos com impacto socioambiental.

Adicionalmente, a CGU publicou, em setembro de 2018, o “Manual Prático para Avaliação de Programas de Integridade em Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoas Jurídicas”, destinado a orientar autoridades na análise dos programas de compliance das empresas submetidas ao Processo Administrativo de Responsabilização. O documento também serve como referência para autoavaliação corporativa, garantindo maior segurança jurídica e uniformidade decisória. Em 2022, o manual foi atualizado pela Portaria Conjunta nº 06/2022, adaptando seus parâmetros às disposições do Decreto nº 11.129/2022, que revogou o Decreto nº 8.420/2015 e redefiniu critérios para aferição da efetividade dos programas de integridade.
No tocante à prevenção de conflitos de interesse, a CGU, em conjunto com a Comissão de Ética Pública, editou a Orientação Normativa Conjunta nº 1/2016, regulamentando a participação de agentes públicos federais em eventos custeados por terceiros, com regras sobre transporte, hospedagem, refeições, inscrições e entretenimento, visando evitar que benefícios aparentemente lícitos configurem pagamentos indevidos. Em complemento, o Decreto Federal nº 10.889/2021, que regulamenta a Lei nº 12.813/2013, consolidou parâmetros para concessão de brindes, presentes e hospitalidades a agentes públicos federais, estabelecendo limites objetivos de valores e condições para tais práticas.

No âmbito do Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025–2027, a CGU publicou o “Guia para Identificação e Quantificação da Vantagem Indevida”, instrumento normativo destinado à padronização dos critérios jurídicos e metodológicos aplicáveis à mensuração de benefícios econômicos auferidos ilicitamente por pessoas jurídicas em decorrência de práticas corruptas. O documento estabelece parâmetros objetivos para cálculo da vantagem indevida em diferentes contextos, como contratos administrativos, custos evitados e lucros adicionais, servindo de subsídio técnico à aplicação das sanções previstas na Lei nº 12.846/2013.

Em complemento, a CGU divulgou a segunda edição do “Relatório de Dosimetria de Sanções em Processos Administrativos de Responsabilização”, consolidando critérios aplicáveis à quantificação de multas sob a Lei Anticorrupção. O estudo sistematiza percentuais médios, circunstâncias agravantes (como ciência da alta administração e concurso de infrações) e atenuantes, destacando a efetividade dos programas de integridade, cuja demonstração resultou em redução média de 39% nas sanções aplicadas.

Ainda no escopo das ações de uniformização interpretativa, a CGU editou a Portaria nº 3.302/2025, por meio da qual aprovou oito enunciados administrativos com o objetivo de conferir maior previsibilidade e segurança jurídica à responsabilização administrativa de pessoas jurídicas com base na Lei nº 12.846/2013. Os enunciados tratam de aspectos técnicos relevantes, como metodologia de cálculo de sanções, definição ampliada de vantagem indevida — incluindo bens, serviços ou proveitos de natureza material, imaterial, moral, política ou sexual —, uso de documentos falsificados em processos licitatórios e parâmetros objetivos para imputação de responsabilidade, independentemente da comprovação de dolo específico ou da efetiva contraprestação por parte do agente público.

Essas iniciativas visam reforçar a segurança jurídica, a previsibilidade e a uniformidade decisória, promovendo maior estabilidade regulatória nas relações entre empresas e Administração Pública. Ademais, conferem coerência interpretativa e efetividade aos mecanismos de responsabilização, induzindo à conformidade no setor privado e fortalecendo a credibilidade institucional, bem como a tutela do patrimônio público.

Outra ação relevante da CGU é o programa “Empresa Pró-Ética”, que fomenta a adoção voluntária de medidas de integridade pelas empresas, mediante reconhecimento público daquelas que, independentemente do porte ou ramo de atuação, demonstram comprometimento com práticas de prevenção, detecção e remediação de atos de corrupção e fraude. As empresas participantes submetem informações e documentos sobre seus mecanismos de compliance, sendo avaliadas conforme critérios objetivos. Ao final do processo, aquelas que atingirem a pontuação mínima são certificadas como “Empresa Pró-Ética”, com divulgação oficial para o mercado.

De forma semelhante, o Selo Agro Mais Integridade, instituído pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em 2018, tem por finalidade incentivar, reconhecer e distinguir empresas do setor agroindustrial que adotam práticas efetivas de integridade, alinhadas aos princípios de responsabilidade socioambiental, sustentabilidade e ética corporativa, bem como ao comprometimento com a prevenção e mitigação de condutas lesivas, como fraude, suborno e corrupção. As empresas agraciadas com o selo têm direito à divulgação institucional no sítio eletrônico oficial do MAPA e à utilização da marca em materiais de comunicação, peças publicitárias e correlatos durante o período de vigência da certificação.

Essas normas, diretrizes e programas evidenciam o movimento normativo brasileiro em direção à exigência da implementação de políticas robustas e controles internos pelas empresas, consolidando a integridade como elemento essencial à governança corporativa e às relações com o Poder Público.

Compliance e a Excelência Corporativa

O Compliance tem se consolidado, continuamente, como elemento estratégico indispensável à sustentabilidade corporativa e à governança empresarial contemporânea. Ao atuar na prevenção e mitigação de riscos decorrentes de condutas ilícitas ou não conformes, os mecanismos de integridade reduzem significativamente a exposição da organização a sanções administrativas, processos judiciais e perdas financeiras, além de evitar impactos reputacionais severos. Essa função preventiva repercute diretamente na diminuição de custos relacionados a multas, indenizações e retrabalho decorrente de irregularidades.

Para além da redução de passivos, a implementação de um programa robusto de compliance preserva a imagem institucional e, por consequência, incrementa o valor de mercado da empresa. A análise sistemática de riscos amplia a compreensão do negócio, do setor e dos agentes envolvidos, permitindo decisões mais qualificadas, melhor alocação de recursos e otimização de resultados. Esses fatores convergem para maior eficiência operacional e aprimoramento do desempenho corporativo.

Cumpre destacar que a efetividade do programa de integridade tornou-se critério determinante na seleção de parceiros comerciais, como fornecedores, prestadores de serviços e subcontratados. Essa exigência decorre não apenas da busca por alinhamento ético, mas também da necessidade de mitigação de riscos jurídicos, considerando que legislações nacionais e internacionais preveem responsabilização por atos ilícitos praticados por terceiros. Nesse cenário, empresas tendem a privilegiar parceiros que demonstrem maturidade em seus mecanismos de conformidade.

De igual modo, investidores direcionam recursos para organizações que evidenciam governança sólida e menor exposição a riscos regulatórios e reputacionais. Assim, companhias que adotam controles internos eficazes apresentam maior atratividade para investimentos, consolidando vantagem competitiva em mercados cada vez mais sensíveis à integridade corporativa.
Ademais, os colaboradores assumem papel estratégico na efetividade do programa, atuando como primeira linha de defesa na detecção e comunicação de inconformidades, inclusive aquelas praticadas por terceiros. A capacitação contínua assegura que irregularidades sejam identificadas no desenvolvimento das atividades essenciais, mitigando riscos que poderiam comprometer a continuidade empresarial diante das severas sanções previstas em lei.

É inequívoco que a implementação de mecanismos internos voltados à integridade transcende o binômio direito/ética, configurando-se como garantia de direitos e prerrogativas. No contexto atual, a manutenção de um programa de compliance efetivo deixou de ser mera exigência regulatória para se tornar ferramenta estratégica indispensável, representando vantagem competitiva e fator determinante para a sustentabilidade empresarial em qualquer mercado.


Autores: Heloisa Uelze e Felipe Ferenzini

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