O objetivo do presente capítulo consiste em abordar as formas legais para a contratação de estrangeiros por empresas com atuação no Brasil. Os principais instrumentos normativos são explicados, bem como são levantados os pontos que merecem especial atenção. Não obstante, a definição do modelo mais adequado a ser adotado, no caso concreto, merece uma consulta com um profissional especializado com vistas a observar a lei e a jurisprudência brasileiras, evitando-se riscos futuros.
10.1. Formas Legais de Contratação no Brasil
10.1.1. Lei de Migração (Lei nº 13.445/17)
A Lei de Migração rege os direitos, deveres e princípios aplicáveis ao migrante no Brasil, sendo regulamentada pelo Decreto nº 9.199/17 que, recentemente, foi alterado pelo Decreto nº 12.657/2025 devido à instituição da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatrídia (PNMRA).
Segundo a legislação brasileira, imigrante é a pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil.
O visto constitui instrumento hábil a conceder ao seu titular a expectativa de ingresso em território brasileiro. Há diferentes categorias e subcategorias de visto, sendo que para o trabalho do migrante no Brasil geralmente é concedido o visto temporário.
Isso porque o visto temporário aplica-se à pessoa que deseja estabelecer residência por tempo determinado no território nacional, com a finalidade de exercer trabalho, com ou sem vínculo empregatício ou, ainda, para os casos de férias-trabalho, prevista em Acordo Bilateral entre o país de origem e o Brasil, bem como à pessoa maior de 16 (dezesseis) anos que seja nacional de país que conceda idêntico benefício ao nacional brasileiro, em termos definidos por comunicação diplomática. Os órgãos competentes para a emissão de visto são as embaixadas, consulados-gerais, consulados e vice-consulados.
Destaca-se que para a concessão do visto temporário, é exigida a comprovação de oferta de trabalho formalizada por pessoa jurídica em atividade no Brasil, sendo, contudo, dispensada tal obrigação no caso de comprovação de titulação em curso de ensino superior ou equivalente.
A oferta de trabalho com vínculo empregatício é caracterizada, via de regra, por meio da apresentação de Contrato Individual de Trabalho.
No tocante ao requerimento de visto temporário ao migrante para trabalho em território nacional sem vínculo de emprego, a comprovação deverá estar relacionada obrigatoriamente a uma das hipóteses elencadas no parágrafo 2º do artigo 38 do Decreto nº 9.199/17,, destacando-se, na prática das empresas nacionais, as hipóteses de prestação de serviço de assistência técnica ou transferência de tecnologia e recebimento de treinamento profissional junto a subsidiária, filial ou matriz brasileira, havendo, contudo, outras hipóteses relacionadas a atividades específicas, como trabalho marítimo ou prestação de serviços ou representação do Governo brasileiro
Além do visto, o migrante deve requerer autorização de residência para fins laborais através de sistema eletrônico (MigranteWeb), que será processada em conjunto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e pela Polícia Federal. Tal requerimento pode versar sobre a residência prévia para fins de obtenção de visto temporário ou residência para a pessoa que já se encontra em território nacional.
Por fim, cabe ressaltar que o Decreto estabelece as hipóteses de negativa de concessão e de denegação de vistos, além dos prazos de validade, taxas e emolumentos aplicáveis, hipóteses de simplificação de procedimentos e de dispensa, entre outras condições, devendo ser analisado caso a caso, a fim de verificar as condições pessoais e soluções a serem adotadas, sendo necessário o apoio de assessoria jurídica, a fim de evitar a negativa da autorização do migrante para trabalhar no Brasil.
Sob a ótica da avaliação de riscos, em linhas gerais, o trabalho irregular do estrangeiro no Brasil o coloca em situação de vulnerabilidade financeira e social, na medida em que estará sujeito à riscos legais (trabalhistas, tributários, civis, dentre outros), que afetam a dignidade do trabalhador, tais como, mas não limitadamente, condições salariais abusivas e inseguras de trabalho, jornadas excessivas, risco de trabalho em condições análogas à escravidão, ausência de direitos formais, , entre outros, além dos demais riscos legais (tributários, civis, etc.,) aplicáveis tanto ao migrante quanto à empregadora que contrata migrante ilegal.
10.1.2. Inaplicabilidade da Lei de Expatriação (Lei nº 7.064/82)
A Lei de Expatriação regula a situação dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, prevendo três hipóteses: (i) empregado contratado no Brasil, cujo Contrato de Trabalho estava sendo executado no Brasil, removido para o exterior; (ii) empregado contratado no Brasil, cedido à empresa sediada no estrangeiro para trabalhar no exterior; (iii) empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a ser serviço no exterior.
Ainda, deve ser analisada a existência de acordos internacionais entre os países envolvidos na contratação, sobretudo em matéria tributária e previdenciária, o que pode representar uma economia significativa à empresa empregadora.
No Brasil, a questão tributária torna-se ainda mais relevante no contexto ora tratado em virtude do posicionamento da Receita Federal no que diz respeito à tributação da renda de estrangeiros expatriados, com base na Instrução Normativa SIT nº 044/18.
Ademais, as empresas devem se preocupar com os aspectos culturais e sociais inerentes ao emprego do estrangeiro expatriado no Brasil, de modo que estejam preparadas para proporcionar a esse profissional um ambiente de integração cultural, suporte aos familiares, treinamentos, entre outras ações.
Diante disso, resta claro que a adoção de mecanismos eficientes de gestão, monitoramento e compliance por empresas empregadoras (ou em potencial) é a chave para a mitigação dos riscos relacionados ao emprego de estrangeiros expatriados no Brasil.
10. 2. Anywhere Work (Trabalho Nômade)
10.2.1. Contexto: Tendência mundial/ Globalização/ Flexibilização do Trabalho
As relações de trabalho, por sua natureza, estão em constante mudança acompanhando as novas modalidades de relações sociais, sendo acentuada pela globalização, que permitiu a aproximação das relações de pessoas de todos os lugares do mundo, bem como pela Revolução Tecnológica, conectando as pessoas de todo o mundo a todo o tempo.
O cenário de relações trabalhistas atual não possui os antigos limites territoriais (de espaço) delimitados única e exclusivamente aos países de origem, tampouco não encontra mais limitação de tempo, na medida em que é possível trabalhar de qualquer lugar do mundo para qualquer empresa e a qualquer tempo.
Esse novo panorama, contudo, não foi acompanhado pela legislação trabalhista brasileira vigente, seja pela dificuldade e morosidade de alteração legislativa, seja pela velocidade das mudanças das relações no mundo tecnológico, em que as conexões vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, possibilitam a criação de novas modalidades de relações interpessoais quase que instantaneamente.
Nesse contexto, a relação de trabalho mais relevante não normatizada pela legislação brasileira é o “Anywhere Work”, também conhecido como “Trabalho Nômade”, que consiste na efetiva realização do trabalho em qualquer lugar do mundo, não havendo exigência de comparecimento no estabelecimento do empregador.
Essa nova forma de trabalho foi propulsionada pela Pandemia de Covid-19, em que os empregados passaram a trabalhar de forma remota, frente ao lockdown e, assim, muitos optaram por alugar casas na praia, voltar para a casa da família no interior ou, ainda, ir para seu país de origem, já que o trabalho poderia ser realizado remotamente de qualquer lugar.
Ressalta-se que a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei nº 14.442/22, que incluiu o conceito de teletrabalho, não alcança o “Anywhere Work”, na medida em que teletrabalho é aquele realizado preponderantemente fora das dependências da empregadora, enquanto o “Anywhere Work” é aquele realizado em qualquer lugar, sem local fixo de trabalho e ausente a exigência de comparecimento presencial, sendo, portanto, conceitos de institutos jurídicos distintos.
Trata-se de tendência mundial na forma de relação de trabalho, principalmente para as novas gerações que buscam precipuamente equilíbrio profissional e a vida pessoal, focando no trabalho que possibilidade a manutenção de seu bem-estar no dia-a-dia.
Assim, o “Anywhere Work” possibilita ao empregado flexibilidade na rotina e redução de estresse, há consequentemente, maior bem estar e aumento de produtividade, sendo também benéfico ao empregador que reduz custos com local de trabalho fixo, atração e retenção de talentos.
O que se espera é que a legislação brasileira, com o tempo, seja alterada contemplando essa nova modalidade, trazendo segurança jurídica tanto para os empregadores quanto para os empregados.
Em que pese a ausência de legislação trabalhista aplicável, essa modalidade de contratação é permitida, ou seja, não há nenhuma vedação legal, devendo apenas o empregador observar algumas precauções e cautelas, a fim de mitigar os ricos trabalhistas.
10.2.2. Precauções para contratação
O “Anywhere Work” é uma tendência mundial e aproxima empregados e empregadores brasileiros e estrangeiros, entretanto, a contratação deve considerar os riscos da ausência da legislação, destacando-se como por exemplo: (i) reconhecimento de aplicação da lei de expatriado; (ii) competência territorial e competência da lei aplicável; (iii) pagamento de horas extras pelo controle de jornada de trabalho; (iv) acidente e doença do trabalho.
Atualmente, a forma mais eficaz de mitigar os riscos dessa relação contratual é a elaboração de Política de “Anywhere Work”, contendo conceito da modalidade de trabalho, bem como regras a serem observadas, como por exemplo, regras de disposição pelo empregado de equipamento e internet adequadas ao trabalho, observância de sigilo dos dados e informações da empregadora e seus clientes, regras de ergonomia, saúde e bem-estar, evitando longas jornadas de trabalho, dentre outras disposições.
Além disso, considerando a disposição no parágrafo terceiro do artigo 651, da Consolidação das Leis do Trabalho, para mitigar os ricos de aplicação da lei de Expatriado e legislação estrangeira, o Contrato de Trabalho deve ser assinado no Brasil, sendo aplicados ao empregado nômade todos os benefícios previstos para os empregados cujo local fixo de trabalho seja o Brasil.
Não obstante, as empresas que optem por essa modalidade de contratação devem adotar cultura organizacional adequada ao novo formato, na medida em que, mudando a forma de trabalho, é preciso mudar a cultura da empresa.
O “Anywhere Work” é um desafio para os empregadores, todavia, sendo utilizado como uma ferramenta de cuidado de saúde mental dos empregados, pode trazer maior produtividade e, assim, ganhos para os dois lados: aos empregados, com maior flexibilidade de rotina, bem-estar e qualidade de vida; e ao empregador, com retorno financeiro pelo impacto do aumento de bem-estar subjetivo do empregado no seu desempenho profissional e, assim, na produtividade da empresa.
10.2.3. Contratação via Pessoa Jurídica- riscos/fraude no âmbito trabalhista
Para a empresa estrangeira contratar empregado brasileiro para trabalhar em solo brasileiro, a legislação prevê, regra geral, a contratação direta pela empresa estrangeira de empregado brasileiro, caso em que, a empresa estrangeira deverá regularizar seu funcionamento no Brasil.
Dessa forma, a empresa estrangeira somente terá direitos e deveres perante a legislação brasileira quando abrir uma filial ou subsidiária, com endereço registrado, capital destinado às operações do Brasil, bem como indicação de representante legal, além de registro nas autoridades competentes, momento em que terá início a sua personalidade jurídica, ficando sujeita às leis e aos Tribunais brasileiros quanto aos atos ou operações praticados no Brasil.
A contratação de empregado brasileiro por empresa estrangeira para trabalhar no Brasil através de empresa interposta pode ser considerada terceirização ilícita, havendo diversos riscos trabalhistas.
Assim, a assessoria jurídica no caso de contratação de empregado em qualquer modalidade é imprescindível, haja vista que será analisado caso a caso em suas especificidades os riscos e melhor solução aplicável, a fim de mitigar os riscos trabalhistas e viabilizar a realização do trabalho.
Autores: Marília Isabel Prestes (Furriela Advogados), Ana Biderman Furriela (Furriela Advogados) e Victoria Zanardo (Hilti do Brasil)
Furriela Advogados
Av. das Nações Unidas, 10.989 – 10° andar – cj. 102
BR-04578-000 São Paulo – SP
Tel (11) 3040 4900 Tel (11) 3040 4981
[email protected]
www.furriela.adv.br
Hilti do Brasil Comercial Ltda.
Al. Rio Negro, 500 – Torre A – salas 909 a 916
Alphaville Industrial
BR-06454-000 Barueri – SP
Tel (11) 4134 9050 Tel 0800 144 448