A COVID-19: requer mentes autotransformadoras e não autoguiadas

29/abr/2020 - Associados - Virgínia Haag

Sem dúvida, a COVID-19 trouxe enormes desafios para todos os tipos de profissionais e para a sociedade.

Convido-lhe a refletir sobre o potencial transformador do momento que vivemos, sem menosprezar os impactos negativos da crise na saúde, na economia e os seus aspectos psicológicos individuais e sociais.

Primeiramente, numa era onde a distração, a dispersão e o excesso de informação imperam, vive-se um momento único de concentração de foco. Toda espécie humana está centrada no mesmo tema. E, todos estão experimentando situações completamente novas: fronteiras fechadas; comunicação virtual; lidar com o caos no dia a dia; reorganização familiar frente ao home-office, escola-virtual e/ou isolamento da terceira idade; limitações no direito de ir e vir; afastamento social e ausência de contato físico; entre outros.

Estamos todos vulneráveis – Norte e Sul; países desenvolvidos e subdesenvolvidos; ricos e pobres. E, isto gera uma energia enorme com um potencial único de geração de novas formas de pensar, de sentir e agir poucas vezes antes visto na história da espécie humana.

Segundo, a globalização está em choque. Desta vez, não ideológico. Mas sim prático e funcional. As dificuldades logísticas provocadas pela COVID-19, com o fechamento de fronteiras e o cancelamento de voos, bem como a proibição de exportação de produtos críticos para a produção de testes e/ou outros insumos estratégicos para a saúde, mostra que há outros pontos na decisão de um país/organização produzir localmente que devem ser examinados além da competitividade baseada em preços e produtividade.

Mesmo eu – uma apaixonada e defensora do comércio internacional e da globalização, tenho que admitir que a COVID -19 não será o último vírus que enfrentaremos. Um modelo que equilibre melhor necessidades estratégicas de países em termos de saúde e alimentação com o risco de novos vírus terá que ser pensado.

Terceiro, a solução para a crise e para o pós-crise não virá de mentes autoguiadas (tal como definida pelo professor Robert Kegan da Universidade de Harvard- Boston/EUA*) que amam seus modelos que garantiram seu sucesso e focam primordialmente em resultados requeridos pelos investidores. Mentes que “separam” o indivisível – a emoção e a razão, o lado humano e o profissional. Aliás, separações que também estão em choque com a necessidade de home office e escola virtual; com o afloramento das emoções diante da possibilidade de certezas. Mentes que “tentam” controlar “demais” todas as variáveis para não terem que lidar com a inevitável incerteza.

Não me levem a mal. Eu também já joguei neste time. Mas, hoje, como um ser humano com formação e vivência em economia e em neurociência e psicologia cognitiva, eu sei que diante de situações onde não conseguimos avançar, temos que rever nossas crenças. E, explorar novas perspectivas e alinhar pensamento, emoção e ação de uma nova forma.

É por isso que a capacidade de reorganizar a vida, a saúde e a economia virá de mentes autotransformadoras (terceiro estágio segundo Kegan). A mente autotransformadora, ao contrário da mente autoguiada, consegue lidar com trade-offs sem cair em soluções binárias.

Elas reconhecem quando os seus modelos foram superados e adotam novos mesmo que estes não venham de ideia próprias. Reconhecem que boas soluções cognitivas não são independentes de questões emocionais. Elas têm medo, mas sabem que sair da zona de conforto e lidar com a incerteza de novos tempos, faz parte dos ciclos da vida. Não precisam da ilusão do controle para se sentirem seguras. E, principalmente, mudam sua forma de pensar e agir quando os “padrões estabelecidos” estão em xeque.

Mentes autotransformadoras face a crises fluem em seu potencial de transformação. Se elas não têm respostas – cooperam e buscam gerar novas perguntas com base em novas premissas. Voltam-se para a essência, substituindo controle por responsabilidade e um profundo senso de “cuidado” e respeito. Ressignificam emoções e redefinem premissas.

E você está focado no potencial transformador deste momento? Quais valores pessoais está questionando? Que princípios e modelos de negócios podem ser redefinidos? Que projetos, organizações e instituições transformadores podem ser cocriados ou reinventados com base na mente autotransformadora (a qual vê possibilidades de novas combinações e não dicotomias)?

*An Everyone Culture – Becoming a Deliberately Developmental Organization.
Robert Kegan and Lisa Haley, 2016 – Harvard Business Review Press.

Virgínia Haag – Sócia-diretora da Virgínia Haag- Abordagens para Mudança
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