Por Alexandre Seraphim e Dante Gallian
Este artigo é a Parte IV do artigo original “Literatura e Responsabilidade Humanística: Empresas Responsáveis e Humanas do Século XXI”.*
“Agora é chegado o momento, a hora oportuna” — expressa Próspero, personagem de A Tempestade, de William Shakespeare e que fala, justamente, sobre a Fortuna ou Oportunidade, “essa deusa liberal e cega (hoje minha amada Companheira)”[1]. Próspero, Duque de Milão traído e desterrado numa ilha deserta, onde, com ajuda dos livros desenvolve sabedoria e poderes mágicos, vê-se diante da grande e única oportunidade de se vingar de seus inimigos. Aproveitando o favor da Fortuna, entretanto, Próspero, ao invés da vingança escolhe a justiça: coloca seus inimigos a prova, provoca neles o reconhecimento e o arrependimento e promove a reconciliação e o perdão.
Escrita entre 1610 e 1611, A Tempestade foi, provavelmente, a última peça de Shakespeare e é considerada por W.H. Auden, grande poeta inglês do século XX e profundo estudioso da obra do dramaturgo, o seu grande testemunho e mensagem[2]: a suma da sabedoria humana está em saber ler os sinais dos tempos e aproveitar a oportunidade apresentada pela Fortuna para fazer o bem e deixar um legado digno de ser perpetuado.
Não são muitos os que, ao longo da história, souberam, como o venturoso Próspero da Tempestade, discernir o sinal dos tempos e, munidos de conhecimento e sabedoria, tomar as decisões certas nos momentos oportunos. Esses poucos, porém, são aqueles que, no meio das tempestades da história propiciaram o desenvolvimento de uma humanidade mais próspera do ponto de vista humanístico.
Hoje, os tempos continuam tempestuosos. Talvez até mais do que no passado. E, além dos desafios sociais e ambientais já reconhecidos, a Humanização desponta como a grande tarefa do momento. Fica cada dia mais claro que mesmo com os avanços alcançados no campo da Responsabilidade Social Corporativa e da Sustentabilidade, a dimensão humana ainda não foi endereçada com profundidade. É chegado o momento e a hora é oportuna para as empresas tomarem consciência desse desafio e assumirem uma nova responsabilidade.
A Responsabilidade Humanística que propomos é uma resposta a essa demanda, e consiste na aplicação de metodologias com base nas Humanidades, como o Laboratório de Leitura, para criar a densidade cultural e afetiva tão necessária para o Homem dar conta das transformações do século XXI. Acreditamos que além do seu valor ético a Responsabilidade Humanística também será uma fonte de vantagem competitiva para as empresas. Em uma era ainda impregnada pela lógica da Modernidade, conhecer o humano e saber atuar humanisticamente é verdadeiramente disruptivo, e conferirá às empresas a criatividade, engajamento, colaboração e reputação, tão almejados. Esta não é uma tarefa fácil e tampouco rápida, mas diferenciará as empresas pioneiras daquelas ainda enraizadas em conceitos que remetem à época da revolução industrial dos séculos passados.
Com essa proposta buscamos conciliar a nossa experiência empírica e vivencial com projetos de Humanização, com perspectiva histórica e filosófica, delineando conceitos e práticas que em muitos casos já existem, porém ainda difusos e desconectados. Nosso intuito foi dar forma e direção a esta demanda latente por uma Humanização autêntica e efetiva, apresentando a literatura como uma alternativa já testada e implementada com sucesso.
A crise do Covid-19 certamente desperta a Consciência das empresas provocando o questionamento ético sobre as nossas relações e responsabilidades, a reflexão sobre os limites da ciência e da tecnologia, e mais do que nunca exigindo o resgate da nossa Humanidade que reside no afeto, na vontade e capacidade de criar e agir. Mais do que máquinas, prédios e marcas, as empresas são na verdade o reflexo das pessoas que nelas vivem e trabalham. Assim fortalecendo a alma dessas pessoas fortaleceremos também as nossas organizações. Afinal, a alma humana é um universo infinito a ser explorado com um potencial ilimitado e mais do que nunca a Responsabilidade Humanística é uma necessidade e uma oportunidade.
Alexandre Seraphim é CEO da Ferring Brasil.
Dante Gallian é Professor e Fundador da Responsabilidade Humanística®️.
[1] SHAKESPEARE, W. A Tempestade. Trad. de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre, L&PM, 2002. Ato I, Cena 2.
[2] AUDEN, W.H. “The Sea and the Mirror: A Commentary on Shakespeare’s The Tempest” in For The Time Being.New York, Random House, 1944.
* Acesse a seção de Notícias no site da SWISSCAM para ler as partes anteriores deste artigo, que é uma adaptação do livro que será publicado no último trimestre de 2020 intitulado “Responsabilidade Humanística: um caminho de humanização e saúde para o mundo corporativo”.