Em 06.02.2020, foi promulgada a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus e objetiva a proteção da coletividade.
Para o enfrentamento da crise, poderão ser determinadas, entre outras, as medidas de isolamento, quarentena e determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e tratamentos médicos específicos.
Referida Lei estabeleceu, ainda, que o período de ausência decorrente das medidas discriminadas no parágrafo precedente será considerado falta justificada ao trabalho, garantindo-se, portanto, ao empregado o recebimento do seu salário.
Para regulamentação e operacionalização da lei em comentário, foi editada pelo Ministério da Saúde, no mesmo dia do anúncio da OMS, a Portaria 356, estabelecendo, entre outros assuntos, os critérios para o isolamento e a quarentena.
Medidas a serem adotadas preventivamente pelas empresas
Além do reforço na divulgação dos cuidados que os empregados devem ter para evitar o contágio no ambiente de trabalho e na vida comum, como distanciamento seguro, lavagem constante das mãos com sabão, uso do álcool gel e não compartilhamento de utensílios de uso pessoal, entendemos que a empresa deve reforçar as medidas de profilaxia do ambiente, disponibilizando, ainda, álcool gel em locais de circulação comum.
Ademais, a empresa deve orientar seus empregados a consultarem um médico, em caso de apresentação de qualquer sintoma típico do Coronavírus, comunicando, ato contínuo, o resultado para que medidas complementares possam ser, se necessário, adotadas.
Como medida preventiva, sugerimos, ainda, a adoção de regime de home office para cargos/funções que admitam essa modalidade de trabalho à distância, controlando, se for o caso, com mecanismos alternativos, a jornada de trabalho para os que estão submetidos à marcação. Os exercentes de cargo de confiança, funções externas e teletrabalhador típico (artigo 75, da CLT) já estão excluídos do controle de jornada, motivo pelo qual o home office não terá impacto neste particular. Preferencialmente, o empregador deverá prover os meios necessários para a realização de home office. Por precaução, sugerimos a formalização desta situação excepcional (que não se confunde com o teletrabalho regulado em lei) em documento próprio.
Sem prejuízo das recomendações já mencionadas, a empresa deverá evitar a realização de viagens pelos seus empregados, cancelando eventos e reuniões, com aglomeração de pessoas, ou, caso inadiáveis, realizando-os por meios telemáticos, de forma a que não haja deslocamento, exposição a risco de contágio e/ou contato pessoal em larga escala.
Afastamentos em decorrência do Coronavírus
Na hipótese de confirmação de diagnóstico e desde que determinado por médico, o empregado deverá ser afastado e cumprir o isolamento, por um período inicial de 14 dias, renovável por igual período, em caso de transmissão do vírus. O isolamento deverá ser cumprido, preferencialmente, na residência do empregado. O empregador deverá pagar os primeiros 15 (quinze) dias de afastamento ao empregado, após o que ele deverá ser afastado pelo INSS e receber o auxílio-doença previdenciário (B-31).
É recomendável, que empregados que retornem de viagens ao exterior, seja por motivo de trabalho ou particular, ainda que assintomáticos, permaneçam por, pelo menos, 14 dias afastados do ambiente empresarial, evitando, assim, contaminações.
Se o empregado contrair o vírus no ambiente do trabalho ou em decorrência de sua atividade laboral, incluindo a realização de viagens a trabalho, a doença será considerada como acidente do trabalho, gerando as mesmas consequências antes referidas, salvo em relação ao tipo de auxílio-doença a ser provido pelo INSS, que, neste caso, será o acidentário (B-91).
Caso o volume de empregados afastados seja muito expressivo e comprometa o funcionamento regular da empresa, poderá ser contratada mão de obra temporária para os fins de suprir tal deficiência, aplicando-se os regramentos da Lei 6019.
Suspensão parcial ou total das atividades empresariais
Se a empresa decidir, por conta própria, suspender total ou parcialmente suas atividades, em consequência dos efeitos deletérios do Coronavírus poderá ser avaliada a possibilidade de enquadramento de tal fato como força maior (artigo 501 da CLT).
Na hipótese de quarentena imposta pelo Poder Público, somos da opinião de que se trata indubitavelmente de força maior, situação diferenciada que autoriza a adoção de medidas excepcionais, sem que seja considerada alteração lesiva do contrato.
Os empregados poderão ser afastados por férias coletivas, devendo, para tanto, adotar as providências previstas no capítulo próprio da CLT, incluindo o pagamento do período de descanso e a comunicação prévia ao sindicato e à autoridade competente, atualmente, o Ministério da Economia.
Outra alternativa poderá ser a concessão de licença remunerada aos empregados, compensando-se o período de afastamento com a prestação de horas extraordinárias, até o limite de 2 (duas) diárias, como autorizado pelo artigo 61 da CLT, respeitado o limite de 45 dias para referida compensação.
Ainda, a empresa poderá ajustar, mediante negociação coletiva com o sindicato da categoria profissional, condições particulares para o período de afastamento e após seu término, incluindo a redução temporária de salário e jornada, como autoriza o artigo 611-A, da CLT, e o artigo 7º, VI, da Constituição Federal.
IMPACTOS NAS RELAÇÕES COMERCIAIS
Com a mudança na dinâmica das relações sociais, começam a surgir diversas questões a respeito dos negócios em curso.
Como ficam os contratos em andamento, que envolvem fornecimento de produtos ou serviços? É possível cancelar tais negócios? Se o vendedor ou prestador de serviços não cumprir suas obrigações, o comprador ou tomador pode cobrar multa contratual ou exigir alguma indenização? Se já houver ocorrido pagamento, deverá haver reembolso? Caso exista suspensão de contratos continuados, os pagamentos também podem ser suspensos?
Estas e outras questões não possuem uma única resposta.
Em princípio, a pandemia do novo coronavírus pode ser entendida como um evento imprevisível e irresistível, capaz de levar à impossibilidade de cumprimento de obrigações contratadas.
No Brasil, o Código Civil estabelece, em seu artigo 393, que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. Em seguida, o mesmo Códex explica que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.
Vê-se que a lei brasileira trata de duas categorias de eventos (caso fortuito e de força maior), mas, na prática, seus efeitos são os mesmos, razão pela qual não fazemos, aqui, nenhuma distinção entre essas duas categorias, denominando-as apenas como força maior, já que é esta a denominação adotada pela maioria dos países.
Pois bem.
A legislação brasileira permite concluir que a falta de cumprimento de uma obrigação por motivo de força maior afasta do devedor a responsabilidade por prejuízos, mas não esclarece o que deve ocorrer em relação à obrigação inadimplida, o que nos remete, então, à necessidade de avaliar, em cada caso concreto, se o inadimplemento da obrigação é absoluto ou relativo.
Inadimplemento absoluto é aquele em que se torna impossível o cumprimento da prestação (total ou parcial), enquanto relativo é o inadimplemento em que o devedor ainda poderá honrar aquela prestação.
Em sendo absoluto o inadimplemento, a maior parte da doutrina entende que a parte afetada pelo força maior deve ser exonerada de qualquer responsabilidade, tornando-se desobrigada de forma permanente por aquela obrigação. Se o inadimplemento for relativo, a parte fica desobrigada de modo temporário, até que volte a ser possível o cumprimento.
Mas as coisas nem sempre são tão simples assim. Existem inúmeros outros desdobramentos que podem surgir da impossibilidade de cumprimento de obrigações
contratuais, como, por exemplo, o entrelaçamento do contrato afetado com diversas outras relações e compromissos que extrapolam aquela relação. A ausência de fabricação de uma única peça de um automóvel por motivo de força maior pode paralisar todo mercado daquele segmento, incluindo industrias de transformação, montadoras e revendedores, com risco de falências de empresas, dispensa de empregados, falta de atendimento ao consumidor final, etc.
Não há uma regra geral para solucionar todas essas situações. É necessário verificar caso a caso tudo que está relacionado com aquele contrato cujas obrigações são afetadas por um evento de força maior. Importante saber, por exemplo, se o contrato disciplinou alguma regra específica para esse tipo de evento, se há, de fato, um nexo de causalidade entre a obrigação inadimplida e o evento de força maior, se há formas alternativas para mitigar os impactos daquele evento. Em contratos internacionais, também é crucial verificar qual é a lei aplicável em caso de controvérsias, se há conflitos entre dois ou mais ordenamentos jurídicos, se as cláusulas contratuais violam alguma norma de ordem pública do país de alguma das partes contratantes.
Como se vê, estamos diante de muitos desafios, os quais dependem de criteriosa avaliação para que as partes envolvidas em contratos descumpridos por conta de eventos de força maior possam tomar suas decisões.
De qualquer forma, em um momento extremo como este que estamos vivenciando, as partes envolvidas em contratos que estão sendo descumpridos devem se esforçar para encontrar soluções alternativas, com bom senso e cooperação mútua, não só para que os impactos sejam menores a todos, mas também diante das enormes incertezas, custos e longas batalhas que podem surgir se as disputas forem judicializadas.
Maria Lúcia Menezes Gadotti
Charles Wowk
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Stüssi-Neves Advogados
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