“AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. Somente ensejam a nulidade os atos e termos lavrados por pessoa incompetente e os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa, nos termos dos artigos 10 e 59, ambos do Decreto nº 70.235/72. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ENTIDADE. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO. FRAUDE. INOCORRÊNCIA. Na medida que as operações foram calcadas em atos lícitos (constituição pelo lucro real ou presumido) e diante da inexistência de legislação apta a limitar a capacidade da contribuinte de se auto-organizar e de gerir suas atividades com o menor ônus fiscal, não há que se falar em fraude à lei, tampouco considerar a ocorrência de fraude fiscal hábil a ensejar a qualificação da multa de ofício. Há sim violação ao princípio contábil da entidade, vez que a contribuinte não consegue segregar as receitas de acordo com a participação de cada uma das entidades do grupo econômico. A comprovação da finalidade da conduta, do seu caráter doloso e do nexo de causalidade entre a conduta ilícita da contribuinte e o prejuízo ao erário é condição sine qua non para enquadrar determinada prática como fraudulenta. ARBITRAMENTO. INOCORRÊNCIA. Não se trata de lançamento por arbitramento, mas de reconstituição do resultado da pessoa jurídica SMAFF AUTOMÓVEIS LTDA por meio dos elementos obtidos pela fiscalização, considerando as receitas que constatou terem sido indevidamente transferidas da Locadora. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INTERESSE COMUM. A fiscalização indicou a forma pela qual os responsáveis solidários no caso de grupo econômico tinham interesse comum na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal. Assim sendo, deve ser mantida a responsabilidade tributária solidária das pessoas jurídicas indicadas no auto de infração, nos termos do artigo 124, inciso I, do CTN. RESPONSABILIDADE PESSOAL TRIBUTÁRIA. REQUISITOS. São pessoalmente responsáveis apenas os dirigentes que comprovadamente praticaram atos com excesso de poderes ou infração a lei na administração da sociedade, conforme dispõe o artigo 135, III, do CTN. Apenas o fato das pessoas físicas relacionadas serem sócias e/ou gestoras não enseja, por si só, a imputação de responsabilidade tributária pessoal. Cabe à fiscalização demonstrar e provar a forma como cada uma dessas pessoas indicadas praticou diretamente ou tolerou ato ilegal ou contrário ao contrato social enquanto sócias com poder de gerência. Dolo não se presume, se prova. MULTA QUALIFICADA. FRAUDE. IMPUTAÇÃO DE RECEITAS A TERCEIRO. A imputação a terceiro de receitas próprias, além de configurar a omissão de receitas, é ato que exterioriza e evidencia o dolo da contribuinte, dando ensejo à qualificação da multa de ofício. MULTA. CARÁTER CONFISCATÓRIO. ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. Não pode a autoridade lançadora e julgadora administrativa, invocando o princípio do não confisco, afastar a aplicação da lei tributária. Isso ocorrendo, significaria declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da lei tributária que funcionou como base legal do lançamento (imposto e multa de ofício). Aplicável o teor da Súmula CARF nº 2: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária. TRIBUTAÇÃO REFLEXA. CSLL. Dada a íntima relação de causa e efeito, aplica-se ao lançamento reflexo o decidido no principal. ”
Trata-se de acórdão proferido pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), em que julgou o Recurso Voluntário interposto pela contribuinte, bem como por seus responsáveis solidários, em face de decisão da Delegacia de Julgamento (“DRJ”) que julgou improcedente as Impugnações apresentada pelas partes.
O processo teve origem em Auto de Infração lavrado para a cobrança de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (“CSLL”), com multa de ofício qualificada, sob o argumento de que a Contribuinte (empresa de automóveis) teria praticado planejamento tributário abusivo ao transferir parte de suas receitas de comissões de financiamento de veículos para outras empresas de mesmo grupo econômico, tendo criado, para tanto, uma empresa locadora, supostamente fictícia. De acordo com a fiscalização, as receitas eram transferidas para a empresa locadora (tributada pelo presumido), enquanto as
despesas e os custos eram mantidos na contribuinte (tributada pelo lucro real).
Ainda, além da suposta simulação supracitada, a fiscalização afirmou que a Contribuinte possuía verdadeira confusão patrimonial com as demais empresas do grupo, incluindo a empresa locadora, que possuíam mesmos sócios controladores, mesma sede física, confusão de funcionários, mesma atividade principal, entre outras características que levavam à conclusão de serem uma única empresa de fato.
Assim, por entender que a transferência de receitas reduziu o lucro tributável das empresas do grupo, a Fiscalização incluiu as operações tributadas pela empresa locadora na tributação das empresas do grupo, realizada pelo regime de arbitramento do lucro.
Diante disso, a contribuinte apresentou impugnação, a qual foi indeferida pela DRJ, com base no mesmo entendimento da Fiscalização. Os Recursos Voluntários da contribuinte e dos responsáveis solidários, em apertada síntese, trouxeram os seguintes argumentos: (i) nulidade do auto de infração em razão da desconsideração da personalidade jurídica da Contribuinte; (ii) não houve fraude ou simulação; (iii) a criação da empresa supostamente fictícia, visou a economia com funcionários; (iv) o lançamento por arbitramento foi equivocado; (v) o prejuízo fiscal obtido por uma das empresas do grupo deveria ter sido compensado na apuração da
exigência; (vi) impossibilidade da aplicação da multa qualificada de 150%; e (vii) inaplicabilidade da responsabilização tributária prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional (“CTN”).
No julgamento do Recurso Voluntário pelo CARF, a Conselheira Relatora do caso votou para afastar a legação de nulidade, por entender que não houve desconsideração da personalidade jurídica da empresa fictícia, não podendo confundir tal instituto com a possibilidade de atribuição da responsabilidade solidária e pessoa dos gestores. Afirmou, ainda, que a fiscalização apenas buscou neutralizar os efeitos tributários das operações realizada pelas empresas do grupo, não podendo se falar em nulidade do lançamento.
Passando ao mérito, a Conselheira afirmou que as normas gerais de controle de planejamentos tributários relacionados às figuras do abuso do direito, abuso de forma, negócio jurídico indireto e inexistência de propósito negocial, não têm amparo no direito tributário brasileiro e, portanto, não podem ser utilizados como fundamento de lançamento tributário. Além disso, esclareceu que a contribuinte não está obrigada a, no curso do exercício das suas atividades empresariais, optar pela forma tributariamente mais onerosa, tampouco poderá pagar o maior imposto possível.
Apesar dos argumentos acima, a Relatora sustentou que a controvérsia central do caso não estaria no planejamento tributário abusivo, mas na clara confusão patrimonial entre as empresas do grupo, advinda da violação ao princípio contábil da entidade. Segundo seu entendimento, não obstante houvesse razões negociais no caso concreto para justificar a existência do grupo empresarial, não seria possível “fechar os olhos” para a ausência de documentação probatória hábil que demonstrasse a atribuição de receitas proporcional à efetiva participação de cada uma das empresas do grupo, sob pena de se incentivar a real confusão patrimonial.
Nesse sentido, a Relatora concluiu pela manutenção integral do lançamento de IRPJ e CSLL complementar, decorrente das declarações inexatas, afastando, contudo, a qualificação da multa, por entender que não estaria configurado o planejamento tributário abusivo.