Trench Rossi Watanabe.
Em 23 de Setembro de 2019, o Decreto Federal 10.025/2019 foi publicado para regular a arbitragem entre a União Federal ou as entidades da administração pública federal e concessionários, subconcessionários, permissionários, arrendatários, autorizatários ou operadores portuários.
Matérias sujeitas à arbitragem
O decreto esclarece que a arbitragem pode resolver controvérsias sobre qualquer “direito patrimonial disponível“, incluindo (mas não exclusivamente), em relação a contratos de parceria, a (i) recomposição do equilíbrio econômico-financeiro; (ii) indenização decorrentes da extinção ou da transferência do contrato; e (iii) inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo.
Contratos de parceria sem cláusula compromissória
O Decreto determina a possibilidade da arbitragem mesmo em relação a contratos de parceria que atualmente não incluam cláusula compromissórias. Nesse caso, as partes devem celebrar compromissos arbitrais mesmo para contratos sem cláusula de arbitragem, se for mais vantajoso, dadas as circunstâncias do caso concreto. A escolha da arbitragem é recomendada sempre que (i) a disputa esteja fundamentada em aspectos eminentemente técnicas; e (ii) sempre que a demora na solução definitiva do litígio possa gerar prejuízo à prestação adequada do serviço ou à operação da infraestrutura, ou se puder inibir investimentos considerados prioritários.
Ainda, contratos em curso sem cláusula compromissória poderão ser aditados, mediante acordo entre as partes, para incluir tal previsão.
Regras de procedimento
– As regras de direito material para fundamentar a decisão arbitral serão as da legislação brasileira.
– A sede da arbitragem será o Brasil e a arbitragem deverá ser conduzida perante uma câmara previamente credenciada pela Advocacia-Geral da União (AGU), sendo a arbitragem ad hoc permitida apenas em casos excepcionais. Para ser credenciada, a câmara arbitral deverá (i) estar em funcionamento regular há no mínimo 3 anos; (ii) ter reconhecida idoneidade, competência e experiência; e (iii) ter regulamento próprio, disponível em língua portuguesa.
– Se a cláusula compromissória não estabelecer o regulamento aplicável, a parte privada poderá escolher dentre as câmaras arbitrais credenciadas, sujeita à aprovação pela entidade federal.
– A Requerida deverá ter pelo menos 60 (sessenta dias) para resposta inicial. Os árbitros deverão ter 24 meses, contados da celebração do termo de arbitragem, para proferir a sentença arbitral, prazo que poderá ser prorrogado apenas uma vez.
– A parte privada deverá adiantar as custas da instituição arbitral e dos honorários dos árbitros, bem como do perito, se houver, sendo que a sentença final deverá alocar a responsabilidade por tais valores. As despesas decorrentes da contratação de assistentes técnicos deverão ser arcadas por cada parte. Os custos com advogados não serão reembolsáveis, mas os advogados da parte vencedora terão direito à sucumbência. As entidades federais deverão ser representadas na arbitragem por advogados da AGU, os quais poderão requerer parecer técnico de servidores ou dos órgãos da administração pública federal com expertise no objeto do litígio, independentes de serem parte na arbitragem.
– As partes serão livres para nomear árbitros, sujeitos aos requisitos da Lei Brasileira de Arbitragem (a qual não proíbe árbitros estrangeiros), desde que tais indivíduos tenham conhecimento compatível com a natureza do litígio. É interessante que o Decreto menciona a possibilidade de aplicar “diretrizes internacionalmente aceitas”, o que é uma clara referência às Diretrizes da IBA (International Bar Association) sobre conflito de interesses em arbitragens internacionais.
Nossos comentários
O Decreto foi o passo mais recente de uma tendência em favor de arbitragens envolvendo entidades estatais, que começou em 2015 com a expressa autorização legal para esse tipo de procedimento, seguida de regulamentação promulgada pelos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo e recentemente pela regulamentação para arbitrar indenizações em desapropriações.
A União Federal não só lançou um plano agressivo de privatização, como também deseja renegociar antigas concessões para trazer mais investimento privado em infraestrutura. Nesse contexto, a disponibilização de método eficiente e neutro de resolução de disputas, como a arbitragem, é a chave para o sucesso desses planos. Embora o Decreto tenha algumas características nacionalistas, tais como a aplicação obrigatória da lei material brasileira e a escolha do país como sede, sem mencionar a obrigação do adiantamento dos custos pela parte privada, em geral suas regras trazem uma estrutura legal que pode funcionar bem e promover a arbitragem com entidades estatais.