A economia vai bem, a política, não. Quando se encontrarão?

27/mar/2018 - Economia -
Carlos Alberto Sardenberg é âncora e comentarista econômico da TV Globo e da rádio CBN.
Carlos Alberto Sardenberg

Não há dúvida: a economia brasileira engatou um sólido processo de recuperação que começou no ano passado e será ainda mais forte neste 2018. A mudança é dramática: o país saiu de uma combinação perversa de recessão/inflação alta/juros na lua, para o virtuoso movimento de crescimento em torno dos 3,5% neste ano, inflação entre 3% e 4% e juros no nível mais baixo na era do Real.

Não há dúvida: a política brasileira não mostra qualquer recuperação, se por recuperação se entender a formação de um governo com maioria consistente para fazer as reformas que equilibrem as contas públicas e melhorem o ambiente de negócios. Não há confiança na capacidade do atual governo de aprovar novas medidas importantes; e é incerta, muito incerta, a formação do governo que será eleito em outubro próximo.

Por quanto tempo será possível manter esse desencontro? Ou, dito de outro modo, forças sociais e econômicas serão suficientes para impor a agenda política de reformas? Ou, ao contrário, a incapacidade do sistema político de conter déficit e dívida pública vai bloquear a recuperação econômica?

Há uma resposta otimista. A seguinte: o governo Temer assumiu e tem funcionado em condições precárias, com um inédito grau de rejeição por parte da população. E entretanto, a economia claramente melhorou. Logo, por que não pode continuar assim, nesse descolamento?

Porque o truque se esgotou. O truque foi a formação (mérito de Temer) de uma super time econômico, com nomes respeitados nos mercados nacional e internacional. E essa equipe de fato conseguiu avançar em pontos cruciais. Por exemplo: a limitação das despesas públicas pela colocação de um teto, constitucional, no gasto orçamentário; a reforma trabalhista; a limpeza e a reorganização das estatais (Petrobras e Eletrobras, por exemplo); a contenção dos bancos públicos, submetidos a regras prudenciais; a magnífica gestão da política monetária por um Banco Central independente na prática; privatizações e concessões variadas.

Tudo isso em meio a crises políticas e a avalanche da Lava Jato.

Um milagre, pode-se dizer. E milagres são únicos.

O processo político encalhou no momento mais importante, a votação da reforma da Previdência. Não é exagero. O país, a economia e a sociedade não vão a parte alguma sem uma forte mudança nas regras de aposentadoria.

Dois números, apenas, para não aborrecer o leitor: o governo federal gasta em educação o equivalente a 5,4% do PIB; com aposentadorias e pensões, nada menos que 14% do PIB – gasto de país velho e rico, sendo o Brasil pobre e, ainda, jovem, mas envelhecendo.

É por isso que caem viadutos em Brasília e a bandidagem domina o Rio de Janeiro. Sério. O governo do Distrito Federal, como o nacional, gasta cada ano mais com pessoal e previdência. Falta dinheiro para tudo o mais, incluindo para a manutenção de viadutos e outros equipamentos urbanos. O Rio de Janeiro ficou rico a um determinado momento: com o barril de petróleo a 150 dólares, choveram royalties no caixa do governo estadual e de muitas prefeituras. Onde foi parar esse dinheiro?

Só um exemplo: oficiais da Polícia Militar do Rio estão entre os mais bem pagos do país e se aposentam com menos de 50 anos. E é talvez a pior PM do país.

Ficamos assim, portanto: a despesa previdenciária, em crescimento contínuo, obriga a redução de todos os outros gastos e investimentos.

Sem mudar essa dinâmica, a recuperação econômica não se sustenta. Um sinal: os juros de curto prazo estão em queda (6,75% ao ano), mas no mercado futuro, papéis do Tesouro Nacional para vencimento a partir de 2019 são negociadas com taxas acima dos 10%. Mas são negociados, há compradores e vendedores.

Ou seja, não se prevê uma catástrofe iminente, um colapso das finanças públicas. A própria recuperação atual – cíclica e consequência de boas políticas – facilita as coisas, na medida em que aumenta a arrecadação de todo o setor público.

Além disso, a economia mundial, em crescimento coordenado, ajuda – e muito. Considerando a demanda por alimentos que virá cada vez mais da China e da Índia, o agronegócio brasileiro, com todas suas ramificações, tem espaço para continuar salvando o Brasil.

A indústria tem ainda capacidade ociosa e pode crescer sem muitos investimentos. O emprego e o consumo estão voltando sem gerar pressões inflacionárias. Enfim, tem ainda um fôlego, há bons negócios em andamento nos processos de privatização e concessões, de petróleo a linhas de transmissão de energia, passando por aeroportos.

E se for eleito um presidente populista, à direita ou à esquerda?

Eis o ponto: a campanha eleitoral que se aproxima será o principal indicador econômico.