Por Gabriel Leonardos, Rafael Fonseca de Pinho e Lucas Rezende
I. Breve Histórico da Controvérsia
Conforme reportamos em nossa Newsletter nº 06, enviada em março de 2019, a Ação Civil Pública nº 0513584-06.2003.4.02.5101, ajuizada em 2002 pelo Ministério Público Federal – MPF gerou calorosos debates acerca da interpretação do artigo 32 da Lei de Propriedade Industrial aos pedidos de patente.
Retomando brevemente a discussão, o MPF defendeu naquela ação que alterações voluntárias ao quadro reivindicatório dos pedidos de patente, pela interpretação ipsis literis do artigo 32 da Lei de Propriedade Industrial – LPI, somente poderiam ser apresentadas até o requerimento do exame e, mesmo assim, limitando-se à matéria inicialmente revelada no pedido. Por outro lado, o INPI, por meio da aplicação do Parecer PROC/DICONS nº 07/2002, inicialmente sustentou que o artigo 32 não impede a incorporação de matéria ao quadro reivindicatório de forma voluntária pelo depositante mesmo após requerimento do exame técnico, desde que esta já tivesse sido revelada no pedido originalmente depositado.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância, mas, em 2008, após a apelação do MPF, o INPI modificou a sua posição, e concordou em limitar a aplicação do artigo 32, tendo sido realizado um acordo homologado judicialmente. Por conseguinte, o INPI passou deixou de admitir alterações voluntárias no pedido de patente após requerimento do exame, nos termos do artigo 32, ressalvadas apenas as hipóteses de aplicação do art. 70.7 do Acordo TRIPS.
Passados quase dez anos do trânsito em julgado do acordo homologado em Juízo, o MPF apresentou novo requerimento, caracterizando-o como um “pedido de cumprimento” de decisão judicial, alegando que haveria violação à literalidade do artigo 32 e à coisa julgada, e contestou os termos da Resolução nº 093 do INPI, de 10 de junho de 2013, pois esta permite a alteração do pedido de patente após o requerimento do exame desde que para reduzir o escopo de proteção reivindicado, em cumprimento a exigência formulada pelo examinador.
Em primeira instância, a 25ª Vara Federal, em 15 de janeiro de 2019, concluiu pelo indeferimento do pedido, entendendo que a Resolução nº 093/2013 do INPI não viola a coisa julgada daquela ação que tramitou entre 2002 e 2008. Segundo o Juiz titular Eduardo André Brandão, a sistemática da Resolução 093/ do INPI também contribui para reduzir a demora na análise de pedidos de patente (o tão falado backlog).
Segundo a decisão, o INPI, como autêntica agência reguladora de propriedade industrial, responsável por regulamentar, fiscalizar e incentivar a matéria na forma do artigo 174 da Constituição Federal, tem uma visão mais atual dos problemas envolvendo os pedidos de patente e entendeu, através da Resolução nº 093/2013, pela necessidade de permitir alterações de pedidos, desde que para reduzir o escopo de proteção das patentes.
II – A recente decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região
Inconformada com a decisão proferida pelo Juízo da 25ª Vara Federal, o MPF apresentou recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região – TRF2.
Iniciado o julgamento do recurso, o MPF apresentou sua sustentação oral, seguido das sustentações orais do representante da empresa de genéricos brasileira EMS e da ABIFINA¹, no sentido de que fosse dado provimento ao recurso de apelação do MPF.
Após as sustentações orais, o Desembargador Relator Fabio de Souza Silva, da 1ª Turma Especializada, votou no sentido de que o recurso de apelação apresentado não deveria ser conhecido pela Turma, já que interposto equivocadamente. Ao ver do Desembargador Relator o recurso cabível para o enfrentamento da decisão de primeira instância seria o agravo de instrumento.
Conforme a exposição dos Magistrados Federais que votaram, foi acolhida a preliminar suscitada em sede de contrarrazões pelo INPI, que defendia o não conhecimento do recurso do MPF tendo em vista que a execução foi iniciada e extinta por sentença que restou irrecorrida há anos. O que o MPF pretendeu no caso vertente foi reabrir a fase de cumprimento passados mais de dez anos do trânsito em julgado, o que foi indeferido pelo Juízo.
A decisão de indeferimento da 25ª Vara Federal teria natureza de decisão interlocutória e não de sentença, de modo que o recurso cabível seria agravo de instrumento e não a apelação apresentada. Por unanimidade, portanto, o recurso de apelação não foi conhecido.
O INPI, a INTERFARMA, a ABPI e a ABAPI², em concordância com a decisão proferida pelos Desembargadores abriram mão de suas sustentações orais, diante do acolhimento da questão preliminar levantada.
O Acórdão do TRF-2 ainda pode ser objeto de recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça. De qualquer forma, diante do não conhecimento do recurso interposto pelo MPF, a Resolução nº 93/2013 do INPI continua válida, de modo que as emendas voluntárias do pedido de patente feitas pelos titulares após o requerimento do exame (reduzindo o escopo de proteção reivindicado) continuarão sendo aceitas pelo INPI, até que seja proferida uma eventual decisão em sentido contrário.
Aguarda-se a eventual interposição do recurso especial pelo MPF, ou até mesmo a propositura de uma nova Ação Civil Pública – ACP pelo MPF, que tem se demonstrado muito interessado no assunto.
¹EMS e ABIFINA apresentaram sustentações orais, respectivamente como assistente do MPF e como amicus curiae em defesa do provimento da apelação do MPF.
²A INTERFARMA (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa). ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) e ABAPI (Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial), abriram mão de suas sustentações orais, diante do acolhimento da questão preliminar. As entidades apresentaram-se como amicus curiae na ação, em favor do INPI e da manutenção da decisão de primeira instância, opinando pelo desprovimento do recurso.